Carlos Alberto Amorim Caldas CaaMutá
Sala de aula lotada, barulho dentro e fora da escola,
desrespeito dos alunos, acúmulo de turmas em vários colégios, excesso de
pressão dos gestores. Tudo isto pode causar bem mais do que frustração e
desânimo ao receber o contracheque no final do mês. A falta de infra-estrutura
e de condições de trabalho é considerada uma das principais causas doenças que
afetam o magistério. São males que atingem o corpo e a mente e retiram, a cada
ano, milhares de profissionais das escolas.
As pressões do dia-a-dia se refletem em vários sintomas.
Depressão, sensação de esgotamento físico e mental e desânimo são indícios da
chamada síndrome de burnout, que se caracteriza por um desgaste que afeta o
interesse e a motivação em trabalhar. Crises de choro, de medo e pânico podem
ser sinais de que o profissional sofre assédio moral.
Os professores também sentem no corpo as conseqüências das
más condições de trabalho. Problemas com a voz, alergias, tendinites,
distúrbios do sono, distúrbios sexuais, alterações da atenção e da memória,
irritabilidade, agressividade, dores na coluna e de cabeça e problemas
cardíacos também estão entre os males que afetam muitos dos que ensinam nas
escolas. Psicóloga clínica e hospitalar e mestre em Psicologia pela UFRJ,
Elaine Juncken diz que o ambiente de trabalho contribui e muito para estas
doenças. "Pode ser uma questão relacionada a um ambiente muito
competitivo, onde não há tranqüilidade para trabalhar e onde o profissional é
desrespeitado com freqüência", disse Elaine.
Um dos riscos é o professor não procurar ajuda médica, por
achar que os sintomas estão ligados só a problemas pessoais. Até porque,
segundo a psicóloga, as conseqüências vão além da queda na qualidade do
trabalho. "O professor pode abandonar a carreira e, em casos extremos, as doenças
podem levar o profissional ao suicídio", alertou a doutora.
Distúrbios de natureza psíquica podem ocorrer com várias
tipos de profissionais. E os professores integram uma das categorias mais
suscetíveis, segundo a também psicóloga e professora da PUC-Rio, Sandra Korman.
Uma das causas, segundo ela, é a falta de reconhecimento profissional. "Se
o professor faz um bom trabalho, ninguém o procura para dizer que foi bem
feito. Agora, se o aluno vai mal, a culpa costuma recair sobre quem ensina",
comentou a psicóloga.
Sindicatos cobram melhoria nas condições de trabalho
Para representantes dos professores, problemas como baixos
salários, turmas lotadas, carência de pessoal para disciplinar o ambiente
escolar, alunos mais violentos e falta de infra-estrutura criam a combinação
perfeita para derrubar a motivação e levar muitos docentes a hospitais.
"A sensação de fracasso é muito grande. Os alunos estão
em condições cada vez piores e o culpado é sempre o professor quando, na
verdade, a culpa é dos governos que mudam as políticas educacionais e não
conseguem alcançar a qualidade", defendeu Wíria Alcantara, uma das
diretoras do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe).
Quem também reclama das condições de trabalho dos
professores é a presidente da União dos Professores Públicos no Estado (Uppes),
Teresinha Machado. Segundo ela, falhas de planejamento na construção das
escolas comprometem a saúde dos profissionais, como escolha de locais próximos
a vias de grande circulação para instalação de colégios. Ela também chama a
atenção para um problema específico em Cieps, que têm parte de suas paredes
pela metade, de acordo com o projeto original. "O Inmetro fez um estudo e
concluiu que o barulho era enorme e que os locais não eram indicados para prática
pedagógica", diz a sindicalista, que destaca outras causas de doenças dos
professores.
"A iluminação das salas e a posição do quadro negro,
muitas vezes, não são adequadas. Além disso, o uso do giz traz alergia. Isto
sem falar no agravamento da violência na escola e das pressões políticas e
ameaças de transferência, que geram estresse, insegurança e pânico para os
profissionais", frisou a presidente da Uppes.
Quando a readaptação também vira problema
Solução freqüente para profissionais com problemas de Saúde,
a readaptação também traz seus prejuízos para os professores. Lectícia Azeredo,
que passou a trabalhar na biblioteca da escola João Brasil, em Bom Jardim, após
ter ficado cega, não consegue a aposentadoria especial por não atuar mais em
sala de aula.
O drama de Lectícia começou em 1997, quando sofreu um
transplante de córnea. Quinze dias após voltar ao trabalho, uma infecção causou
a cegueira. "Com a readaptação, passei a ser extraclasse e perdi o direito
de me aposentar com 25 anos de carreira ou 50 de idade."
Ela já poderia estar aposentada nas duas matrículas que tem.
No entanto, aguarda a liberação do benefício para uma das matrículas e precisa
trabalhar mais quatro anos para fazer a solicitação referente à outra.
"Às vezes, a pessoa não se adapta e, por isso, pede
readaptação. Meu caso é diferente. Eu não pedi pra ser readaptada. Foi uma
fatalidade. Não devia ser penalizada desse jeito", disse Lecticia, que não
quis se aposentar por invalidez pela perda que teria, em termos de renda.
"Ficaria com 80% do salário. Já se ganha pouco. Se reduzisse o salário,
ficaria mais difícil ainda."
Em pesquisa com professores, 95% acusaram problema na voz
Uma pesquisa concluída pelo Sindicato dos Professores do
Município do Rio e Região (Sinpro-Rio) em 2008 oferece uma amostra do impacto
que o trabalho nas salas de aula pode ter nas condições de saúde. Dos 1.579
docentes entrevistados em 219 instituições privadas da cidade, 93,5% informaram
ter sentido, pelo menos, um problema com a voz.
Quase todos os participantes eram da Educação Básica. Dos
consultados, 78,4% indicaram que ficam roucos quando abusam da voz. Em seguida,
veio o cansaço e a ardência na garganta após o dia de aulas, com 67,4%. Dos
entrevistados, 60% afirmaram que precisavam procurar um fonoaudiólogo.
A partir dos resultados, o sindicato pretende encaminhar uma
proposta ao Ministério da Educação, para incluir a matéria Técnica Vocal em
cursos de formação de professores. "Seria importante o professor aprender
sobre o mecanismo de produção da voz e sobre técnicas de como preservá-la
durante as aulas", ressaltou Eny Léa Gass, coordenadora da campanha Voz
para Educar, que originou a pesquisa. Para a fonoaudióloga, o educador é uma
das maiores vítimas do uso abusivo da voz. "É comum o profissional dar
aula em três períodos e em turmas com excesso de alunos", salientou.
Outro objetivo é que as disfonias sejam oficialmente
reconhecidas como distúrbios da voz relacionados ao trabalho. Isto permitiria
aos mestres da rede privada tirar licença médica pelo INSS. Sem esta
possibilidade, muitos dos que apresentam problemas com a voz acabam demitidos.
No Estado, 60% das perícias médicas foram feitas em
professores
A Secretaria Estadual de Saúde não tem dados fechados sobre
quantos docentes pediram ou obtiveram licença por doença. No entanto, o órgão
informou que das cerca de 65 mil perícias realizadas em 2008, aproximadamente
60% foram feitas em professores. O procedimento ocorre quando os profissionais
pedem licença e para decidir se podem voltar ao trabalho. A secretaria informou
ainda que transtornos psíquicos como ansiedade, depressão, entre outros, são os
que mais motivam pedidos: cerca de 60% do total.
Em Niterói, 1.342 licenças médicas foram concedidas a
professores entre 2007 e 2009, o equivalente a mais da metade do quadro docente
em 2008. Ao lado dos distúrbios psicológicos e emocionais, são comuns
tendinites, problemas na coluna, no aparelho respiratório e vocal e nos
sistemas cardiovascular e digestivo. No mesmo período, 72 docentes mudaram de
função por problemas físicos ou psicológicos.
O quadro levou a Secretaria Estadual de Educação a acabar
com as meias-paredes em Cieps. Além disso, comprou microfones para os mestres,
medida que, porém, recebe críticas ser isolada. "Não acho ruim. Mas o
ideal seria construir salas com acústica adequada, que recebessem menos
alunos", disse Teresinha Machado. Para Wíria Alcantara, o uso de
microfones é um paliativo. "A tendência é formar turmas com mais alunos e
sobrecarregar mais ainda os profissionais", diz Wíria.
Em Niterói, onde também foram comprados microfones para os
professores no ano passado, há um plano de saúde facultativo, que dá direito a
atendimentos médico, psicológico, fonoaudiológico, de fisioterapia e exames
complementares. Além disso, há um Núcleo de Atenção à Saúde do Servidor, com
assistentes sociais, fonoaudiólogos, psicólogos e técnicos de enfermagem, que
também promove ações de prevenção nas áreas de psicologia, uso da voz, entre
outras.
Fonte: Folha Dirigida - 26/03/09