Cada um de nós, professores, cada um com suas próprias
histórias têm experiências que se fossem relatadas dariam para escrever
livros e livros. Vou relatar aqui uma das inúmeras que vivenciei.
Na década de 90, no município de Tailândia, vivi momentos
tensos no exercício da docência, por algumas horas achei que não contaria essa
história, minha vida ficou por um fio, aliás, a minha e de outro professor que
estava lá comigo, o professor de geografia, Altemar Pimenta, que já partiu,
está em outra dimensão. A história dos "modulindos" e "modulindas" de todos os tempos e lugares, nunca foi só de flores, os
espinhos também fizeram e ainda fazem parte dessa vida itinerante e ao mesmo tempo
gratificante que é o SOME.
Ao chegarmos à Tailândia para trabalharmos, fomos recebidos
no terminal rodoviário pela autoridade máxima daquele município que era o Prefeito.
Com a recepção proporcionada por ele, achei que nossa vida seria facilitada,
mas logo em seguida percebemos que as coisas não seriam fáceis uma vez que a
Casa dos Professores que nos apresentaram constavam apenas de armadores de rede
e nada mais. Não tinha móveis nem utensílio que possibilitasse o nosso
alojamento de forma minimamente digna.
Mesmo diante de tal situação, as aulas iniciaram no dia cinco
de agosto, pela parte da noite. O convênio entre Estado e Município em suas cláusulas
que dizia onde deveria ter uma casa digna, não correspondia na prática. Essa
situação de total descaso com o alojamento dos professores se arrasta há décadas
e que perdura até hoje, não mudou absolutamente nada. Diante da situação de
tamanho descaso, nós, professores fomos à Prefeitura para tentar falar com o
Prefeito sobre a situação da casa. O Prefeito não nos recebeu e mandou o recado
para falar com a Secretaria Municipal de Educação, que sempre tinha uma
desculpa que iriam resolver. Nós, professores, fizemos uma relação de bens e
materiais que a casa necessitava, como uma mesa com bancos, geladeira, fogão,
panelas e outros itens necessários para suprir nossas necessidades básicas,
inclusive quando chegávamos não tinham água para nada.
Diante de tal cenário, sem receber posição nenhuma da
Prefeitura, já que estávamos cansados de solicitar o pedido, resolvemos
envolver também os alunos para ver se sensibilizávamos o Prefeito para
atendimento das nossas necessidades, interrompemos as aulas, após um mês, e nos
reunimos às duas turmas para colocar os alunos a par dos ocorridos, a ideia
nossa era demonstrar aos nossos alunos que o problema não era nós e sim o Prefeito
que não queria atender algo que é vital para o funcionamento das aulas que é a
Casa dos Professores, uma vez que nós éramos de outra cidade, mais
especificamente Belém e não podíamos ficar naquelas condições. Deixamos claro
que a responsabilidade era toda do Prefeito naquele quesito.
Antes do termino da reunião alguém foi informar ao Prefeito o
que estava ocorrendo. Acreditamos que a informação chegou a ele deturpada, pois
antes mesmo da reunião terminar o Prefeito já se encontrava a espreita nos
aguardando do lado de fora da Escola acompanhado de seus seguranças (jagunços).
O clima estava tenso naquela reunião e por isso mesmo a
diretora da escola retirou-se imediatamente receosa do que poderia acontecer,
uma vez que naquela época, muitas desavenças eram resolvidas a bala, as
cidades, notadamente do sul e sudeste do Pará eram verdadeiros faroestes. O
porteiro veio comunicar-nos, que o Prefeito estava armado e mais três
pistoleiros. Isso retratava o cenário que já vinha acontecendo desde a década
de 70 a base da pistolagem, aquelas cidades eram terras sem lei, ou a lei da
bala. Claro que aquela informação do porteiro deixou-nos tensos, pois estávamos
numa situação muito vulnerável e, portanto, presas fáceis de possíveis
execuções, pois de certa forma estávamos indo contra o Prefeito da cidade que
era pessoa temida e que poucos ousavam contrariá-lo.
Antes de terminar a reunião, eu temendo por minha própria
vida, chamei oito alunas, disse que estava acontecendo e que precisava de proteção
e que elas não saíssem dalí para que eu e o Professor Altemar não ficássemos
mais vulneráveis ainda. O porteiro sugeriu que nós, professores, passássemos
a noite na Escola, mas avaliamos que aquela não era a melhor forma de
segurança. Em função do risco de morte que corríamos no final da reunião os
professores comunicaram que não ficariam mais no município e que iríamos se
apresentar à SEDUC com exposições de motivos da saída do município.
Com o termino da reunião, partes dos alunos ficaram para nos
dá um pouco de proteção, em nosso trajeto rumo à Casa dos Professores, Na
saída, próximo da escola avistamos o prefeito e mais três jagunços que nos intimidava
com seu olhar de fúria claro que naquele momento temíamos por nossas vidas,
chegamos a suar frio, pois achávamos que ele nos mataria algo comum naquela
região.
Como tática de sobrevivência, acertamos, já a caminho da Casa
dos Professores, colocamos alguns alunos na frente e outros atrás, às vezes de
braços dados. A ideia era evitar que o Prefeito atirasse em nós, professores.
Na saída da Escola, o Prefeito nos acompanhou em seu carro, ora na frente ora
atrás, com palavras de insultos e desafios. A ideia dele era que reagíssemos
para que ele pudesse atirar nos insultava acelerando o carro ou com palavras de
baixo calão, nos provocando a todo custo, nos chamando de covardes, nós
estávamos numa situação bastante desigual e por isso mesmo não esboçamos
nenhuma reação até porque não estávamos ali com aquela finalidade e sim de
educadores.
Depois de muito sufoco, medo e ainda protegido pelos aluno/as
conseguimos chegar ao restaurante protegidos. Mesmo assim, o provocador ficou
do lado de fora chamando os professores para “briga” e provocações com
palavrões de baixo calão. Após aproximadamente uma hora, o provocador foi embora
e os professores esperaram o TRANSCAMETÁ que passaria 23h30min com destino a
Belém. Mesmo dentro do ônibus não havia paz, pois imaginávamos que a qualquer momento
o bandido do Prefeito poderia chegar parar o carro e nos liquidar ali mesmo
dentro do ônibus. Depois de toda essa tempestade conseguimos finalmente chegar
a Belém são e salvo.
Em virtude da situação, os professores ficaram cumprindo o
horário na Coordenação do SOME, em Belém. Com duas semanas depois, aconteceu à
reunião entre a Coordenação do SOME, Professores e representantes do município.
Pelo município, estava o Vice Prefeito, a Secretaria Municipal de Educação, um
pai de aluno e o aluno que saiu no meio da reunião. Pela SEDUC, estava a
Coordenadora Geral do SOME, Professora Rosa Gomes, mais três técnicas
pedagógicas e os professores. No final da reunião, a Coordenadora Geral decidiu
em nome da Secretaria Estadual de Educação - SEDUC que não teria o ano letivo e
o funcionamento do SOME. E deixou claro que não assinaria convênio com o
município, enquanto o Prefeito estivesse no poder municipal, que jamais
mandaria professores para terem a experiência que nós, Professores vivenciamos.