sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Um Jardim para se bem viver

 

    (por Zé Ribamar e Zé Trindade, com contribuições de vários outros autores)


O texto que segue é um breve histórico do Conjunto Maguari, sendo o esforço de fazer um relato de como se formou nosso conjunto, mas principalmente da vida de seus moradores ao longo dos anos. Convidamos todas e todos a lerem e divulgarem, bem como acrescer detalhes ou propor alterações, porque toda história tem detalhes que somente quem os viveu pode contar.


Nosso conjunto-bairro tem o nome do rio que o atravessa, nome de um belo  pássaro: Maguari.  Essa ave pode ser encontrada em grande quantidade na América do Sul, tornando-se comum em alguns Estados do Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul e restrita na região Nordestina e Amazônica. Dependendo da localidade, recebe várias denominações como Cegonha, Cauauná, Cauauã, João-grande, Maguarim e outros. Vale destacar esse aspecto para a memória do  conjunto.


O nome do rio deveu-se a presença das aves à sua beira.  Deve-se considerar que os primeiros moradores desta localidade  contribuíram decisivamente para o nome, inclusive fazendo relação e estando presente no imaginário da população ribeirinha com as lendas e contos populares do pássaro Maguari.   


Essa fusão entre o rio das águas e o rio das ruas que constituirá o Conjunto Maguari lembra o poeta Rui Barata que nos ensinou que na Amazônia  os “rios são as ruas”.


O Conjunto Residencial Jardim Maguari localiza-se às margens da Rodovia Augusto Montenegro, Km 09, área metropolitana de Belém, limita-se ao norte com o bairro do Tenoné, a oeste com a Rodovia Augusto Montenegro, a leste com o rio Ariri e ao sul com o Conjunto Satélite. 


Na sua origem foi construído para atender a classe média baixa, principalmente, os funcionários públicos e profissionais liberais, o conjunto foi projetado para 2.500 unidades habitacionais, distribuídas em 33 alamedas. Sua construção deu-se no final da década de 1970 e início de 1980,  envolvendo grande quantidade de mão de obra durante sua construção, muitos operários que vinham do interior do estado, como também de outros estados.


Aspecto importante para ser abordado é que  naquele momento, muitos adquirentes dos imóveis consideraram o conjunto  muito distante do trabalho e do centro da cidade. 


Pode-se avaliar que a negociação desses imóveis naquela época tinha dois objetivos: adquirir um bem longe do centro da cidade que servisse de refúgio aos seus proprietários, e o outro, para a especulação imobiliária.


Portanto, moradia propriamente dita, era uma opção secundária. Esses, e outros fatores contribuíram para o abandono das casas, que por sua vez estimularam o processo de ocupação, haja vista a grande quantidade de imóveis prontos a serem habitados e o grande número de trabalhadores sem moradia e sem condições de adquirir um imóvel.


O conjunto possui cinco tipos de casas A, B, C, D, E. É composto por quadras e alamedas. As plantas das casas foram vendidas a partir do ano de 1978. À proporção que as casas iam ficando prontas eram entregues as chaves das casas. 


O conjunto tinha como principal objetivo atender aos funcionários do Centro Administrativo da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), que na época funcionava na Praça da República, ao lado do Instituto de Educação do Pará (IEP).


A divisão das empresas  que financiaram o conjunto ficou assim: da primeira alameda a vinte ficou a cargo da financeira SOCILAR e o restante (alamedas 21 a 33) ficou sob responsabilidade da  VIVENDA. Essas incorporadoras ficaram responsáveis no inicio pela regularização das residências e depois o Banco do Estado do Pará (Banpará) e Caixa Econômica Federal ( CEF), através do Sistema Financeiro Habitacional ( SFH). Ainda durante o final de 1980 e meados de 1990, o Conjunto Maguari teve também como incorporadora, a ENEL, que depois teve mudança de razão social para COIMBRA.


No inicio o saneamento básico era satisfatório e as ruas eram todas asfaltadas, porém aos poucos se degradando. 


Quanto ao  transporte público, era ineficiente, sendo atendido  apenas pelos ônibus que passavam na Rodovia Augusto Montenegro, que eram os ônibus que atendia Icoaraci.  


O transporte deficiente e precário sempre foi um dos grandes problemas do Conjunto, porém, recentemente com o crescimento populacional e ocupações de várias áreas a dificuldade e precariedade dos ônibus se acentuaram, se tornado complicado para quem depende do transporte coletivo. 


Porém os moradores do Maguari sempre se organizaram e lutaram por seus direitos. Várias manchetes de jornais, como foram estampadas em O Liberal de 28 de agosto de 1986,  mostram como se deu o processo de ocupação do conjunto.


Foi impressionante a coragem e ousadia dos novos moradores, ditos “posseiros”,  os quais ocuparam as casas desabitadas, porém encontrando resistência por parte do ostensivo policiamento a serviço do Estado e das financeiras.


A líder comunitária Nises Lourinho lembra que em primeiro de janeiro de 1981, as incorporadoras começaram a entregar as casas e a partir de 1982 começaram as ocupações de forma ilegal.


Por várias vezes a polícia tentou retirar os moradores que ocupavam as casas, mas não conseguiam, pelo poder de mobilização das lideranças e organização. 


O ano de 1986 foi ano de incertezas para muitas famílias, e o Conjunto Maguari, tornou-se uma praça de guerra. 


Os jornais da época noticiaram inclusive algumas mortes que ocorreram no conjunto Maguari, em função da resistência e luta dos moradores para manterem seu direito de morar.


No momento em que se deu a ocupação do conjunto, estávamos iniciando a  redemocratização brasileira, após vinte anos de Ditadura Civil-Militar e diversos movimentos organizados começaram a lutar pela garantia de direitos socais:  Diretas Já, Direito à Liberdade, Direitos Políticos e Sociais e Direito a Moradia.


Naquele cenário, o Movimento Popular Nacional de Moradia organizou e mobilizou a população pelo direito de morar.


Com a bandeira popular “Luta pelo direito de morar” começou a ocupação do Conjunto no início da década de 1980. Com a ocupação “o conjunto transforma-se num palco de conflitos entre ocupantes das casas e as financeiras, que acionaram a Polícia Militar do Estado para defender seus interesses” (Jornal: O Liberal, 28/08/1986). 


Os moradores perceberam que organizados eram mais fortes e com esse objetivo foi criada a Associação dos Moradores do Conjunto Maguari (UMOJAM), em 07 de dezembro de 1983. Para o Presidente da UMOJAM, daquela época, o advogado José Maria Costa  “aparentemente não havia nenhum candidato ou partido político respaldando o movimento de ocupação do Conjunto Maguari. Aqui estão morando cerca de 20 mil eleitores e não será uma boa política para quem governa”. Costa conclui: “que ninguém fará especulação entre os ocupantes. Os que forem descobertos serão retirado das casas que estão ocupando e oferecido a outra família carente” (Jornal O Liberal, 28.08.1986 ).


Segundo o jornal acima citado o dia de muita tensão no conjunto foi  27 de agosto de 1986, segundo dia de ocupação das 163 últimas casas, marcado por um clima de tensão e medo da ação da PM. A Socióloga Benedita Pereira de Barros, vice-presidente da UMOJAM, declarou que “os ocupantes do Conjunto Maguari estão bem mobilizados, garantiu que todos os ocupantes das alamedas 26 a estavam cientes dos atos que estão praticando e perguntou o que era mais imoral, a ocupação de casas abandonadas e entregues a especulação ou de que existem milhares de pessoas vivendo nas condições mais subumanas possíveis, na cidade de Belém”.


Naquele dia o Presidente da União dos Moradores do Conjunto Maguari, mesmo fazendo denúncias para a imprensa foi ameaçado de ser preso solicitando ajuda dos vizinhos e dos membros da UMOJAM. A Alameda 07, onde ficava a residência de José Costa, foi bloqueada, já  que ,o objetivo da Divisão de Ordem Política e Social (DOPS) era prender as lideranças comunitárias para desarticular o movimento.


Os pedidos do vereador Humberto Cunha, que foi detido, naquele momento, também foi ignorado, pois não foi levado em consideração a prisão violenta de uma mulher e de um rapaz que protestavam  contra a ação da polícia.


O ocupante Ronaldo Lopes da Silva que residia há mais de quatro anos no Conjunto ficou indignado com o aparato policial para desocupar as casas onde moravam trabalhadores e diz: “E agora o governo permite que a Polícia Militar e a Divisão de Ordem Política e Social venham despejar os posseiros, gente indefesa, que vieram de barracos, outros de baixo de pontes sem ter onde morar, inclusive a maioria já fez benfeitorias nas casas”(Jornal).  


Mesmo com toda a situação em que passaram os ocupantes, após a saída dos policiais, eles retornaram a ocupar as residências. 


Através das memórias percebe-se a organização e participação do coletivo dos moradores na defesa dos seus direitos. 


Ao longo do período de ocupação do Conjunto Maguari os moradores obtiveram diversas vitórias significativas através de sua associação de moradores (UMOJAM), como a construção de quatro escolas públicas de nível básico, um centro de saúde, uma feira e o centro comercial. Por outro lado, a realidade do conjunto impõe uma série de novas reivindicações que necessitam da ação organizada da comunidade e da ação dos governantes.


 Problemas como saneamento, falta de equipamentos de esporte e lazer público, ocupação desordenada, problemas ainda com as financeiras, ameaças de despejos por inadimplência, desemprego, subemprego, falta de qualificação profissional, falta de política ambiental, falta de alternativas de enfrentamento à pobreza,  que desencadeiam uma série de problemas sociais e que tem tido conseqüências sérias entre os jovens e adolescentes. 


No conjunto Maguari, o movimento de rádio comunitária foi o pioneiro na região metropolitana de Belém. Sendo o Professor Valdivino, juntamente com os Professores Ribamar de Oliveira, Marcos Souza e o Sr. Otávio Rodrigues, antigo morador do Conjunto, os principais articuladores de sua implantação na década de 1990.


No inicio da década de 1990, as mobilizações dos comunitários continuam através da entidade maior representante dos moradores, a UMOJAM, passando pelo processo eleitoral, através das vitórias de várias chapas e entre os principais presidentes eleitos, temos: o Professor Marcos Roberto da Silva Sousa, com mandato de dois anos; depois teve o corretor Laércio Marruaz; outro importante presidente da entidade foi o professor Valdivino da Silva Cunha e por última ficou a assistente social, Lucidéia Paiva, que após sua eleição a diretoria da entidade ficou sob a responsabilidade de uma comissão. 


Portanto, a atuação dos movimentos sociais e populares, em especial a União dos Moradores do Conjunto Maguari, foi fundamental para as conquistas e vitórias dos direitos dos moradores.


Como nos falou o poeta "se muito vale o já feito, mas vale o que será", por isso acreditamos na mobilização da sociedade e a história nos prova o quanto isso é necessário.

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