sexta-feira, 29 de julho de 2022

SE ESTA RUA FOSSE MINHA

 





O POEMA NA AREIA

 

Areias do mar de Marudá!

De onde as águas me vêm banhar

Águas salgadas que molham meus pés

Águas que vão e vêm

Enquanto eu escrevo na areia

Estas palavras...

Areias do mar de Marudá!

As palavras uma hora vão ser

Invadidas por essas ondas

Elas vão se apagar

Mas ainda elas estão cá

Diante de todo esse céu

Pulsando pra serem achadas...

Águas do mar de Marudá!

Que águas!

Que melodia sinfônica!

Chuá... chuá...

Eis o canto das ondas na praia

A serestar este poema

Que foi escrito nas tuas areias

Oh, Marudá!

O poema... nas tuas areias

Nas tuas areias... o poema

Com uma ponta de galho seco

Vai sendo escrito..

A água a se balançar

E a te embalar

Até se apagar pelas águas

Que te vão borrar – o poema

Ou pelos pés que vão te pisar

Sem te notar – o poema

Oh, areias do mar de Marudá!

(Carlos Alberto Prestes)



     “Se esta rua, se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, só pro meu, só pro meu amor passar”. Ah, se todos os gestores públicos tivessem conhecimento dessa belíssima canção e a transcrevessem para reflexão na folha de rosto do seu programa de governo! Como não seriam as ruas das cidades? Como não seriam as ruas de Marudá? Porque todas as vezes que o gestor colocasse os olhos sobre o programa, iria se deparar com essa bela canção.


     Segundo alguns sites de pesquisas, Marudá é um distrito de Marapanim, foi instituído em 1914 pela lei nº 1.464, de 31 de agosto. Localiza-se no nordeste paraense, a 160 km da capital. É um lugar ainda rústico, com belas praias, como as da orla de Marudá, o Crispim, e agora também a do Lembe. É um lugar turístico, ou, pelo menos, era o que deveria ser, mas, infelizmente, não podemos fechar os olhos para o que vemos, não podemos simplesmente apenas romantizar o lugar, sabendo da sua real situação. E uma das questões sérias a ser tratada é a realidade das ruas deste distrito de grande potencial turístico, uma realidade bem diferente do que vemos na canção.


     Quero cantá-la, Marudá, em versos e prosas; quero levar teu nome para o resto do Brasil, para que saibam que no Pará há praias dignas de serem visitadas, tão belas quantas tantas outras em outros estados. Mas pra que isso aconteça, é preciso que a gestão pública faça a sua parte pensando nas necessidades da população, sem amarras políticas, sem barganhar favores. Sabemos que há muitos veranistas em Marudá, pessoas que compraram terrenos e levantaram casas para que, no mês de julho e feriados longos, pudessem refugiar-se nesse aprazível lugar, a 160 km de Belém. Mas o que vemos? Cada vez, mais veranistas estão deixando de visitar Marudá; cada vez mais, vemos placas de venda na frente das casas não só de veranistas, mas de nativos também. Quem são esses veranistas? São gente como a gente que têm parentes no distrito, ou que visitaram uma vez, levados por quem já conhecia o lugar, gostaram e foram comprando terreno, e limpando, e construindo casa, tudo de acordo com as possibilidades de cada um.


     No entanto, quando retornamos duas décadas e meia no tempo, encontramos uma Marudá muito parecida com a que conhecemos e frequentamos hoje. Ruas sem asfalto, terra batida e pedregulhos, tortas, muitas com buracos cavados pelas chuvas. Assim, é a situação da Rua Progresso que corta a Avenida principal do distrito. Desde a década de 90 que ela tem essa aparência, e, talvez, assim ainda deva fica por outras décadas, porque entra prefeito, sai prefeito, vem eleição e mais eleição e tudo fica como dantes no castelo Abrantes. Nada muda, ou quase nada. Isso é exemplo de apenas uma rua, mas são tantas as ruas que sofrem com a chegada das águas que vão fazendo filas de rios, formando laguinhos aqui e ali, que me lembra aqueles tempos das brincadeiras de pular macaca (joga a pedra, Lua ou estrela? Pula um, pula dois, pula três quadrados).


     Quantos gestores públicos já passaram por Marudá durantes essas décadas? Quantas promessas feitas que dariam pra encher um milhão de cadernos. O que se fez com elas? Onde foram parar? E o povo dessa comunidade? Onde está a voz do povo de Marudá que ninguém ouve? Os centros comunitários? As associações organizadas? A terra, as árvores, as praias, os pescadores, as pessoas humildes clamam por ajuda, porque já se vê a olho nu o descaso de nossos gestores públicos. O que mais impressiona, ou talvez nem tanto, pelo fato de já se ter criado um hábito pernicioso por parte da administração pública, que faz com que o povo observe inerte o seu desgoverno, é que o outro lado da rua, a mesma rua chamada Progresso, cortada pela pista, está em fase de acabamento da manta asfáltica. Quero acreditar nisso, pois, por enquanto, o que se vê lá é mais parecido com borra de café jogada sobre a rua. E isso se repete em mais outra rua, sempre do lado esquerdo da avenida principal, do mesmo lado de quem entra no distrito. Outra coisa que chama a atenção: alguns moradores relataram que ouviram dizer que a Rua Progresso já estava asfaltada. Como? A rua já está asfaltada sem estar? Quem falou isso? Isso é caso para se verificar na secretaria de obras do município, pois a rua continua sem o ladrilho, sem a beleza do diamante que resplandece ao luar; a rua continua com uma paisagem triste. Sem asfalto.


     Que paradoxo! Uma rua chamada Progresso, aonde o progresso nunca chegou. Uma rua que mistura capim com pedregulho; uma rua sem meio fio, sem sarjeta por onde escorrer as águas das chuvas; uma rua sem calçada na frente das casas, aonde se poderia juntar as famílias nas portas, nos fins de tarde, pra jogar conversa fora; uma rua com crateras formadas pelas enxurradas, em que se tenta tapa-las com resto de entulhos de construção para que os carros possam transitar sem atolar; uma rua com pouca luminosidade, que chaga a disputar com os vagalumes que voam por ali; uma rua aonde os finos canos da COSANPA não conseguem chegar à maioria das casas. E tudo isso por que não há planejamento, não há saneamento básico em Marudá. A luminosidade dos postes é tão precária, tão fraca, com muitas luzes ainda amareladas, que causa insegurança sair à noite por medo de assalto. Se a situação já é assim nas principais ruas, imaginem nas outras transversais, onde muitas delas são totalmente escuras, sem iluminação.


     Marudá merece mais atenção dos gestores públicos; merece ser tratada com respeito. Não dá pra imaginar que nenhum gestor público sequer, ainda não teve seus olhos voltados para as maravilhas que a natureza deste lugar oferece. E não somente as praias, mas os igarapés, as trilhas, as vilas, os passeios de barcos, os balneários. Não é possível que não haja nenhuma assessoria debruçada em projetos de desenvolvimento do turismo nesta região, e, principalmente, o turismo ecológico.


     Marudá é uma localidade pobre, com um comércio pobre, porque as pessoas estão cada vez mais pobres, com poucos empregos de carteira assinada, e isso faz com que muitos jovens e adolescentes procurem o caminho mais fácil de sobreviver: se tornam assaltantes ou vendedores de drogas. E isso traz uma estatística perturbadora: muitos jovens estão morrendo antes de completar dezoito anos de idade. As unidades de atendimento socioeducativo (cerca de 3 unidades de semiliberdade e 8 unidades de internação) situadas na região metropolitana de Belém, onde jovens infratores (socioeducandos) cumprem pena sob a guarda do estado, estão repletas de jovens adolescentes, onde cerca de 70% deles estão envolvidos com drogas. Sem desenvolvimento, não há crescimento de ofertas de emprego. Sem emprego e trabalho, a pobreza aumenta até chegar a um estado de miséria, e a miséria gera violência e aumento da criminalidade. Ou seja, uma coisa leva a outra. É o tão falado efeito dominó. Não adianta ter uma casa toda gradeada, segura, com alarme eletrônico e vigilância noturna vinte e quatro horas, se em algum momento você vai ter que sair para a rua, trabalhar, pegar o transporte coletivo, passear no shopping, andar, viver. A violência pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar, porque uma parte da sociedade está excluída, desfavorecida de bens, lutando pela sobrevivência nas esquinas das ruas. E quando a fome bate à nossa porta, os seres humanos viram bestas feras, deixam de raciocinar. Então, a mente para de pensar e o ser humano passa a ser guiado pela frieza do coração. E o resultado é roubo, assassinato, sequestro, assalto, latrocínio. O ser humano perde a sua identidade e se torna um ser irreconhecível, como no poema O bicho, de Manuel Bandeira, em que um homem disputa com ratos os restos de comida numa lixeira qualquer, numa rua qualquer. A quem devemos responsabilizar por tudo isso? Pelo ser humano ter chegado a um estágio tão deplorável? A quem responsabilizar? À família? Aos pais? Às empresas? Ao poder público? À sociedade? A quem?...


     Turismo com responsabilidade traz benefícios a qualquer comunidade. O que está faltando pra apostar no turismo em Marudá? Que a prefeitura faça o que é dever dela fazer. Levar asfalto pras ruas apenas de quem é eleitor leal, não condiz com o juramento de posse de gestores públicos e, pelo contrário, só faz politizar as verbas públicas, trazendo prejuízos enormes para toda a comunidade.


     Senhor gestor, se esta rua fosse sua, não mandaria ladrilhar? Não somente esta rua, mas todas as ruas que cortam a pista principal de Marudá deveriam ser asfaltadas sistematicamente, em sequência, uma após a outra, e não uma aqui e outra aculá, de fulano sim, de sicrano não, porque esse é parente de vereador e o da outra rua não. O que se precisa é acabar com esse tal de apadrinhamento coronelista e medieval. Assim como “a Praça Castro Alves é do povo”, a prefeitura é do povo, a gestão pública é do povo, Marudá é do povo, e a verba pública também é do povo. Quem elege o prefeito é o povo, e o governo deve ser do povo, pelo povo e para o povo. Investimento em asfalto sim, iluminação pública de qualidade sim, porque isso diminui o medo das pessoas de saírem às ruas, e também diminuem as propensões a assaltos. É preciso fazer parcerias com o estado, buscando mais segurança para a comunidade; investir em eventos culturais nos fins de semana, com apresentação de bandas locais e shows de carimbó, dança do boto, passarinhada, peças teatrais, na praça principal, em frente à orla; incentivar concursos de poesia, conto, crônica e música na praça; incentivar os diversos tipos de esporte (vôlei, basquete, futebol, ping-pong, xadrez, etc.) na escola local; criar bolsas de estudos para alunos com as melhores notas; fazer parcerias com os comerciantes locais, a fim de que abram vagas para o “Meu primeiro emprego” em meio período para jovens estudantes das escolas púbicas; organizar passeios turísticos por terra ou por mar através de associações comunitárias; criar associação de barracas de vendedores artesãos e artigos diversos na calçada da orla da praia de forma permanente, no horário noturno; fazer parcerias com empresa de transportes coletivos para melhorar as condições de transportes Marudá-Belém e Belém-Marudá; criar mais praças públicas bem iluminadas; divulgar os eventos culturais através das redes sociais, imprensa escrita e televisiva, etc., etc., etc.


     Com eventos culturais bem planejados pros finais de semana, pode-se conseguir atrair a atenção de turistas de várias partes do território paraense e da capital para estarem nos finais de semana em Marudá, porque algo interessante está acontecendo ali. Com a presença do turista, hotéis e pousadas não irão mais funcionar somente nas férias de julho, mas o ano inteiro. Consequentemente, o consumo irá aumentar no distrito, o capital de giro irá desenvolver o comércio local, que vai precisar contratar mais trabalhadores locais.  Assim, empregos formais e trabalhos informais vão surgindo à medida que o turismo for se desenvolvendo, crescendo até atingir toda a região.


     Mas para que isso aconteça, é preciso ter visão de futuro; é preciso planejamento, buscar apoio de comerciantes, donos de pousadas, hotéis, empresários, associações de trabalhadores locais e, acima de tudo, ser honesto com as verbas públicas.


       Ah, se esta rua fosse minha!

 

Prof. Carlos Prestes

Curitiba, 21 de julho de 2022

 


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