*Carlos Prestes
O leopardo não pode mudar a pinta da pele
Nem o papagaio a cor da pena
Nem a mangueira pode gerar uvas ou maçãs...
As cores do arco-íris lembram a aliança
Entre o infinito e o finito.
Cores mágicas, perfeitas
Que riscam o céu em dias de chuva.
Todas imponentes, únicas
Trazendo beleza e graça
A um mundo caído... Sem cor...
Mas a raça que era uma – a raça humana
Se rebelou e se dividiu
Bateu pernas pelo mundo
Atravessou continentes
Percorreu milênios de tempo
Tempos, tempos e tempos...
E se isolou
E se fez império
E se tornou sangue azul...
Tudo o mais foi esquecido
Toda a história de sua trajetória
A origem
Os primórdios
Tudo foi enterrado no dilúvio...
De onde vim?
Pra onde vou?
Tudo decerto tem um início
Um princípio...
Como não deixaria de ter a cor da minha pele?
Essa cor preta que o dito império branco
Quer esconder nos calabouços dos seus castelos...
Ah, um dia fomos irmãos!
Andávamos de mãos dadas
Porque éramos do mesmo pai...
Mas tu te tornaste mercenário, altivo,
Egoísta, porque querias o planeta todo
Pra ti,
Grileiro te tornaste porque esta terra
Que pego com minhas mãos
Nunca foi tua, nem será.
Nada mais és do que posseiro
Latifundiário metido a moralista
Com as mãos sujas de sangue
Sangue vermelho que brota da terra
Como olho d’água – aos montões.
O poder te fez orgulhoso
E maltrataste o teu irmão de pele preta
Submeteste-o a teus vis propósitos
Algemaste-o com grilhões de ferro
Amordaçaste-o a boca com ferraduras
Cortaste-lhe a língua tirando-lhe a liberdade
Até de cantar
E até me tornei escravo numa pátria
Que não era a minha...
Ah! O que fizeste com teu coração
Que já não tem entendimento?
Nem com animais selvagens podes ser comparado
Porque teu guia não é a fome
Nem a sobrevivência
Mas a ganância que te foi tornando uma coisa
Uma criatura indescritível sem comparação.
Por acaso, ainda bate em teu peito um coração?
Ainda pulsa o sangue em tuas veias?
Dos teus olhos algum dia brotaram lágrimas?
A culpa alguma vez invadiu tua consciência?
Que pena! Que pena!
Tempos e tempos passaram
E eu me sinto ainda preso em séculos
Passados...
Nenhum direito trabalhista
Nenhum direito social
Nenhum direito à aposentadoria
Nenhum direito de viver...
Quando passo perto de ti,
Me xingas de macaco,
Mostras banana com a mão
Fazes gestos com o corpo,
Tudo isso por puro prazer de machucar
Sem nunca querer experimentar o meu lugar
Como se fosse o dono da vida e da morte.
Ledo engano...
Quando tenho profissão e tento trabalhar
Dizes que não sou apto,
Que em ambiente de branco não posso entrar...
Ah, de que é feito teu coração?
Esse coração corrompido pelas miragens do mundo
Há de descer ao solo sem tesouro,
Desgastado e só.
Quem terá saudade de ti?
Quem irá, em dia de finados
Visitar teu túmulo,
E te deixar flores?
Logo, não passarás de um nome esquecido
Numa lápide.
A arrogância, o orgulho e o egoísmo
Serão sepultados junto contigo
Sem aplausos, sem vivas, sem canções
Sem saudades.
O homem é como a flor perfumada
Que murcha no seu tempo de vida,
Mas quando o fôlego sai do corpo
Não há quem suporte.
Só os vermes te farão companhia
Comerão tua pele, tua carne, teus ossos
Serás humilhado, e não poderás
Fazer nada.
Voltarás ao pó de onde vieste.
Tua nova casa não terá glamour
Nem luxo, nem calor, nem frio
Nem terá muitos quartos e banheiros
E salões, e carros na garagem.
Não! Estarás morto, no fundo da terra
E tudo que era teu será desfrutado por outro...
O meu coração desfalece e se desfaz
Em mil pedaços, quando a língua preconceituosa
Me invade a casa sem pedir licença...
Arromba a porta
Me tira da cama
Porque não tenho direito de dormir...
Ah, que dor!
Que aflição na alma!
Pedaços de mim que arrancam
Como canibais...
Quem não é preto, nunca vai entender!
Não! Não! Nunca!
Esse planeta não é o meu
Não! Não é o planeta azul!
O planeta do arco-íris
Onde todas as cores são iguais
Se encontram, se dão as mãos e
Brincam brincadeiras de roda...
Eu sonho com esse planeta
Com flores de mil aromas e mil formas
E belezas incomparáveis.
Com frutos dos mais diversos sabores
E as mais diversas espécies de aves
Que passeiam no imenso azul e branco do céu...
Sim, eu sonho um sonho vivo e acordado
Apenas querendo ter direito de viver
De ir e vir com sorriso no rosto
Porque quero ser feliz outra vez
Ou pelo menos essa vez
Antes que a palavra maldosa
Me apunhale pelas costas.
O professor Carlos Prestes é poeta e escritor.
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