Valdivino Cunha da Silva*
A idéia era a principio, prestar um tributo a Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, mas, vou ater-me por enquanto a fazer uma leitura da música que no meu entender, conta a história, não apenas do velho Lua, mas também a história de muitos retirantes, da religiosidade, do cotidiano familiar e dos costumes nordestinos. A música, Respeita Januário, é uma mini biografia. Conta a música que ele (Luiz Gonzaga) saiu de casa aos dezoito anos incompletos, depois que ele meteu-se a besta(a valente) e quis matar um homem(e se lascou, como ele mesmo diz - se deu mal) que mais tarde viria ser seu sogro. E por esse motivo segundo ele, que pegou a “maior surra do mundo”, de sua mãe, Januária e por isso meteu-se “no oco do mundo”, arribou-se mundo a fora (foi embora de Exu, cidadezinha pernambucana, com destino ao Rio de Janeiro). Foi servir nas forças armados, dezoito anos incompletos, década de 30. Ficou famoso e como todo bom nordestino, sentiu saudade da terra amada e voltou.
Ao chegar, numa madrugada sertaneja, ainda sem iluminação por aquelas bandas, observou os detalhes da casa e tudo lhe parecia como dantes (como há 16 anos), exceto os moleques que já eram aos montes, “meninos como diabos,”, meninos que ele não conhecia (irmãos).
Antes, quis pregar uma surpresa ao seu pai, o Velho Januário, sanfoneiro da Sanfona de oito baixos, com quem ele aprendeu o ofício e tocou como ninguém, pois “.....de Taboca a Rancharia, de Salagueiro a Bodocó, Januário era o melhor
Chegando em casa gritou:
-Oi de casa!, Oi de casa!
Qual quê, ninguém respondeu.
Lembrou-se de que para aquelas bandas do nordeste alguém só respondia, se ouvisse um prefixo(como uma senha). Ele de fora disse:
- “Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo! Se pai, de dentro, respondeu:
- “ Para sempre seja Deus louvado”( estava estabelecido o canal de comunicação, eram do bem)
Disse ao pai que tinha algo a dizer-lhe, que vinha do Rio de Janeiro e que tinha uma coisinha a dá-lhe ( um dinheirinho, uns réis) a mando de Gonzaga, seu filho. Pediu que trouxesse um copo d’agua e ficou a observá-lo pela greta (fresta da janela). Ouviu o barulho no fundo do pote(objeto artesanal que armazena água pra beber, muito comum no nordeste, já que não havia geladeira) que fez tibungo. Quando na vinda, Januário trazia na mão um candeeiro(um objeto que funciona como luminária movida a querosene). Ao chegar, levantou o candeeiro prá ver melhor quem era. Nesse levantar de candeeiros, levantou também os braços e Luiz Gonzaga sentiu aquele cheiro (que ele chama de seu), aquele cheiro(inhaca) de pessoas que não usam desodorante anti-transpirante.
Depois do reconhecimento, ainda de madrugada, ele gritou:
-Santana, Gonzaga chegou!
E ela respondeu:
- Viva a Deus
E a meninada gritou:
- Eiiiiiiii
No dia seguinte a casa estava lotada para rever o ilustre e agora famoso Luiz Gonzaga. Ele querendo se mostrar, pegou a sanfona e começou a tocar, como que desafiando seu velho pai e querendo zombar dele. Do outro lado, Raimndo Jacó, seu primo, percebendo o entusiasmo do calouro Luiz Gonzaga, falou(meio zangado) com propriedade de quem sabe quem é quem numa sanfona de oito baixos:
-Luiz, respeita Januário moleque!
Luiz Gonzaga quando era pequeno era conhecido como Luiz de Januário, ou seja, antes do filho, tinha o pai
A música Respeita Januário, foi uma homenagem que Gonzaga Fez ao seu velho pai, que foi o responsável pela inclinação do “negrinho fiota” . Há 22 anos Luiz Gonzaga partiu para sempre mas deixou um belo legado para aqueles que amam a boa música de raiz. Se o céu existir, ele deve está embalando as boas almas dedilhando uma sanfona com seu gibão e chapéu de couro. Quem se interessar pelo endereço do maior sanfoneiro nordestino de todos os tempos é só anotar: céu
Segue a letra da música aqui comentada:
Respeita Januário - Luiz Gonzaga
Quando eu voltei lá no sertão
Eu quis mangar de Januário
Com meu fole prateado.
Só de baixo cento e vinte
Botão preto bem juntinho
Como Nêgo empareado
Mas antes de fazer bonito
De passagem por granito
Foram logo me dizendo
De Itaboca a Rancharia
De Salgueiro a Bodocó
Januário é o maior (é o maior)
E foi aí que me falou meio zangado o véi Jacó
Luiz, respeita Januário
Luiz, respeita Januário
Luiz, tu pode ser famoso
Mas teu pai é mais tinhoso
E com ele ninguém vai Luiz, Luiz
Respeita os oito baixos do teu pai
*Sociólogo e Educador do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME/SEDUC.Pa.