sexta-feira, 16 de abril de 2021

EM RIBA (304 versos, 76 estrofes, divididos em 15 cantos)

                 


                                                     Carlos Prestes                                                  



Canto I

 

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Estava lá, a entoar

Aquele canto de Belém

O mestre que mora no Maguá

Onde de tudo um pouco tem...

 

Essa história é longa por demais

Pois sim, que é

É a história de quem faz

De quem não perde a fé...

 

É professor, sim, é professor!

Nunca deixa de ser

Pois que o ideal de um educador

No peito há de sempre bater...

 

Como que andou esse homem

Pelas estradas do Pará

Conheceu as vicinais de ontem

Navegou no Tocantins e no Guajará...

 

Canto II

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Olha que cultura sem par

Que vai descobrindo o cavaleiro andante

É o mundo dentro do Pará

Que vai memorizando o professor itinerante...

 

Costumes de falares

Falares do sul e do norte

Que às vezes trazem pesares

Se da língua materna causou a morte...

 

Aquelas cenas de hábitos e crenças

Que se acenderam no passado

Vêm agora como sentenças

De um memorial registrado...

 

Ouviu-se em Baião as histórias de visagem

Em Santa Cruz do Arari o cavalo da meia noite

Vigi Maria! É preciso coragem

Êta! Que superstição medonha como açoite...

 

Canto III

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar

 

E lá se vai o itinerante

Maleta de um lado, maleta de outro

Álcool e estêncil são seus amantes

Vai seguindo rumo ao porto...

 

O porto foi ficando pra traz

Aeroporto de cima já não se vê

O ônibus se perdeu nas vicinais

Isso tudo pra aula ter...

 

Tenha o aluno muito prumo

Pois é certo que precisa vencer

O estudo é sua bússola e rumo

É estudar e estudar pra crescer...

 

Crescer pra quê?

Pra se tornar um cidadão!

Cidadão de quê?

Desse teu tão usurpado chão!...

 

Canto IV

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

O chão que passa por usurpação

Quem ousa usurpar?

Com certeza é um fanfarrão

Que a tudo quer lograr...

 

Lograr é coisa de cidadão?

Não! Não! Pois que rouba a dignidade

E deturpa a tão cara formação

D’um caráter educado de verdade...

 

Verdade verdadeira é o que o país precisa

E pra ser honesto não tem limite de idade

O bom aluno aprende o que o professor ensina

E este, mesmo sendo mestre, não tem popularidade.

 

A popularidade é pra poucos, artista, ator

E alguns, mesmo sem faculdade

São chamados de doutor

Coisa que enobrece do tolo a vaidade...

 

Canto V

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Onde a vaidade irá levar o cidadão

Se o livro não quiser abrir, não folhear?

Ao céu, ao mar, ao Paquistão?

Impossível saber navegar...

 

Navegar no sonho

Sonhar de olhos abertos

Não será nunca medonho

Se o caminho for o caminho certo...

 

Certeza do caminho do aluno

Pode ter o professor?

Sabe-se que cada pisada é um assunto

E o aluno terá que ser o seu descobridor...

 

Descobrindo ele segue do fundamental pro médio

Como o Dom Quixote do Pará

Um personagem etéreo

Como que das lendas do Muaná...

 

Canto VI

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Oh, Muaná, cujas águas banham teus pés

Tanta coisa de ti pra contar

De são Miguel de Pracuuba, dos igarapés

No trapiche contam lendas de arrepiar...

 

Arrepiar quem? o professor

Que veio lá das bandas de Belém

Do outro lado do rio deixou o seu amor

Como um médico... Só pra salvar alguém...

 

Alguém que grita um grito mudo

Que o mundo não escuta

E aparenta se fazer de surdo

Enquanto o professor vai à luta...

 

Lutar com palavras é a luta mais vã?

E se luta, se luta com livros e ideias

Noite após noite até romper a manhã

Pois que a educação é uma panaceia...

 

Canto VII

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Oh! Panaceia, deusa grega da cura

Filha de Asclépio, filho de Apolo

Que não fez da medicina uma usura

Mas a ciência cresceu em bom solo...

 

Solo da Terra de Santa Cruz

Que nunca foi uma pequena ilha

Nem mesmo de Vera Cruz

Mas este solo inspirou o autor de Marília...

 

Marília bela, das Minas Gerais

Onde o ouro reluzente abundava

Cujo pastor não veria jamais

Pois Moçambique o degredava...

 

Degredaram o artista de Marília

O cantor dos versos líricos

À boa terra não mais retornaria

Pra traz ficaram o amor e amigos...

 

Canto VIII

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Amizade é uma planta rara

Que se semeia em terra fértil

Como regava o Nascimento em balada

Se assim for, nunca será estéril...

 

A esterilidade está no homem público

Que quer manipular o eleitorado

Com linguagem mansa como se fosse de púlpito

Ludibria o voto do pobre com papel passado...

 

Um passado que se mostrou sovina

Pois que de tudo nas mãos tem angariado

Nem admira que se vendeu por propina

Pois, com voto comprado, se fez deputado...

 

Deputado pra representar a quem?

Belém, Pará, ou o povo de Javé?

Com os olhos se vê que não representa ninguém

Muito menos que não tem sandálias no pé...

 

Canto IX

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Com pés descalços anda o povo do interior

Seu Riba bem que sabe disso

Que é gente simples, que nem pensa em ser doutor

O querer deles é ter junto: pai, mãe e filhos...

 

Filhos são pra posteridade

Pra cuidar de quem nasceu, cresceu e trabalhou

E agora passou também da idade

Mas o seu legado deixou...

 

Deixou o quê de valor?

A educação pra uma nova geração

E se o filho não deixar em penhor

Certamente há de ter uma boa instrução.

 

A instrução vem com o professor

Que trabalha... e teima... e lima

E sofre... e sua... mais que um benfeitor

E isso se confunde com idas e vindas, lida e vida...

 

Canto X

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Assim é a vida do professor beija-flor

Que invade a porta da casa, dá um beijo e parte

Mas é só pra matar o desejo do seu amor

Que cai no choro, quando, na manhã, o amante parte...

 

Parte pra onde o amante das ribeiras de Belém?

Pros furos dos rios, pras entranhas das vicinais

Pra Bujaru, Melgaço, Uruará, Ourém

Vai também pra Gurupá, Porto de Moz, bom por demais...

 

Demais... como os diálogos livres ao luar

Pois que pensava em ir pra um tal de Canadá

Mas quando estava já a me arrumar

Olhei n’água o luar. Então disse: vou ficar.

 

Ficar sim! Não vou sai daqui nem ir embora

Pois tenho a cara do Saci, sabor de taperebá

Cheiro de patichuli, lenda do caipora

Sou folclore, carimbó, siriá! Êta, meu Cametá!

 

Canto XI

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Cametá, terra de gente nativa

Onde aportou o modular

Ali tem gente que escreve, muito criativa

Ali tem Gaia, tem João, poeta popular...

 

Popular na poesia, nos versos de cordel

Que misturam história, filosofia, pedagogia

Qual cantor da idade média, o menestrel

Qual trovador que derrama aos pés da senhora a poesia.

 

Poesia de versos livres, decassílabos ou sonetos

Que vão sendo construídos, passo a passo

Como que escritos em folhetos

Sem desandar no seu compasso...

 

Com passo rijo e sem vacilar

Vai o poeta, o professor ensinador

Pras bandas de Vigia se enlaçar

E dar folga pro seu amor...

 

Canto XII

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Amor que é fogo que arde e não se sente

Como o soneto de fidelidade

Quem inventou esse contentamento descontente

Como o José de Carlos Drummond de Andrade...?

 

Andrade de Itabira de Mato Dentro

Que tirou a pedra do meio do caminho

Que criou a Rosa do povo e não do vento

E em mil novecentos e setenta e três o menino antigo.

 

Antigo como os casarões da belle époque

Que marginalizou nordestinos, indígenas e caboclos

Onde só o comerciante e elitista tiveram a boa sorte

Onde os soldados da borracha recebiam minguados soldos...

 

Soldos, sol dos desafortunados

Que vivem dum punhado de sal

Salário em balança pesado

Como no tempo feudal...

 

Canto XIII

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Feudalismo medieval moderno

Que tem o nome inventado de capitalismo

Faz da lida do trabalhador um inferno

Homem livre Que vive como no tempo do escravismo...

 

Escravidão! Quem diria?

Em país republicano e democrático

Porque aqui se trabalha pro pão de cada dia

Eis um governo que tem deixado o povo apático...

 

Uma apatia que deixa sem cor

De tirar o sangue derramado nas ruas

Ruas onde sobrevoava o beija-flor

Flor sem laranjeira, sem pluma...

 

Plumas brancas, leves, suaves

Como a andorinha de ferro no ar

Voando como voam as aves

Até que um tiro te impeça de voar...

 

Canto XIV

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Voar, arre égua que deu na telha!

Pra onde? Pra que lugar?

Pra Pasargada de Manuel Bandeira

Onde o amigo do rei não tem que lutar...

 

Lutar a luta de quem?

Porque as baionetas francesas

Não pouparam ninguém

E a revolução guilhotinou cabeças...

 

Cabeças que iluminaram o mundo

Um Brasil que se vestiu de positivismo

Cujos republicanos influenciou fundo

Com ordem, progresso e ismos...

 

Ismos, patriotismo, fundamentalismo

Que inventou a ordem e o progresso

Travestido de um falso civismo

cuja elite enricou a céu aberto...

 

Canto XV

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Abertura nunca teve o professor

De falar e cobrar melhoria

Pois sendo o governo seu provedor

Dizia que era tudo fantasia...

 

Fantasia? Como fantasia?

Se não tem o aluno computador

Vai pra escola de barriga vazia

Que dói tanto no professor...

 

E o professor, quando é professor de verdade

Faz das tripas coração

Pra ver no rosto do aluno felicidade

E saber que educar não era uma ilusão...

 

A ilusão não está no dia-a-dia do mestre Riba

Que luta com palavras e com voz

A batalha do que aprende e do que ensina

E é exemplo pro velho, pro novo, pra nós.

 

Ah!

Em Riba do mar

Há mar

Do mar de rio

Do rio-mar...

 

Joinville (SC), 31 de março de 2021


OBSERVAÇÂO::  Obrigado, meu amigo Prestes, pelo presente antecipado.  

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