Carlos Prestes
Canto I
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Estava lá, a entoar
Aquele canto de Belém
O mestre que mora no Maguá
Onde de tudo um pouco tem...
Essa história é longa por demais
Pois sim, que é
É a história de quem faz
De quem não perde a fé...
É professor, sim, é professor!
Nunca deixa de ser
Pois que o ideal de um educador
No peito há de sempre bater...
Como que andou esse homem
Pelas estradas do Pará
Conheceu as vicinais de ontem
Navegou no Tocantins e no Guajará...
Canto II
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Olha que cultura sem par
Que vai descobrindo o cavaleiro andante
É o mundo dentro do Pará
Que vai memorizando o professor itinerante...
Costumes de falares
Falares do sul e do norte
Que às vezes trazem pesares
Se da língua materna causou a morte...
Aquelas cenas de hábitos e crenças
Que se acenderam no passado
Vêm agora como sentenças
De um memorial registrado...
Ouviu-se em Baião as histórias de visagem
Em Santa Cruz do Arari o cavalo da meia noite
Vigi Maria! É preciso coragem
Êta! Que superstição medonha como açoite...
Canto III
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar
E lá se vai o itinerante
Maleta de um lado, maleta de outro
Álcool e estêncil são seus amantes
Vai seguindo rumo ao porto...
O porto foi ficando pra traz
Aeroporto de cima já não se vê
O ônibus se perdeu nas vicinais
Isso tudo pra aula ter...
Tenha o aluno muito prumo
Pois é certo que precisa vencer
O estudo é sua bússola e rumo
É estudar e estudar pra crescer...
Crescer pra quê?
Pra se tornar um cidadão!
Cidadão de quê?
Desse teu tão usurpado chão!...
Canto IV
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
O chão que passa por usurpação
Quem ousa usurpar?
Com certeza é um fanfarrão
Que a tudo quer lograr...
Lograr é coisa de cidadão?
Não! Não! Pois que rouba a dignidade
E deturpa a tão cara formação
D’um caráter educado de verdade...
Verdade verdadeira é o que o país precisa
E pra ser honesto não tem limite de idade
O bom aluno aprende o que o professor ensina
E este, mesmo sendo mestre, não tem popularidade.
A popularidade é pra poucos, artista, ator
E alguns, mesmo sem faculdade
São chamados de doutor
Coisa que enobrece do tolo a vaidade...
Canto V
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Onde a vaidade irá levar o cidadão
Se o livro não quiser abrir, não folhear?
Ao céu, ao mar, ao Paquistão?
Impossível saber navegar...
Navegar no sonho
Sonhar de olhos abertos
Não será nunca medonho
Se o caminho for o caminho certo...
Certeza do caminho do aluno
Pode ter o professor?
Sabe-se que cada pisada é um assunto
E o aluno terá que ser o seu descobridor...
Descobrindo ele segue do fundamental pro médio
Como o Dom Quixote do Pará
Um personagem etéreo
Como que das lendas do Muaná...
Canto VI
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Oh, Muaná, cujas águas banham teus pés
Tanta coisa de ti pra contar
De são Miguel de Pracuuba, dos igarapés
No trapiche contam lendas de arrepiar...
Arrepiar quem? o professor
Que veio lá das bandas de Belém
Do outro lado do rio deixou o seu amor
Como um médico... Só pra salvar alguém...
Alguém que grita um grito mudo
Que o mundo não escuta
E aparenta se fazer de surdo
Enquanto o professor vai à luta...
Lutar com palavras é a luta mais vã?
E se luta, se luta com livros e ideias
Noite após noite até romper a manhã
Pois que a educação é uma panaceia...
Canto VII
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Oh! Panaceia, deusa grega da cura
Filha de Asclépio, filho de Apolo
Que não fez da medicina uma usura
Mas a ciência cresceu em bom solo...
Solo da Terra de Santa Cruz
Que nunca foi uma pequena ilha
Nem mesmo de Vera Cruz
Mas este solo inspirou o autor de Marília...
Marília bela, das Minas Gerais
Onde o ouro reluzente abundava
Cujo pastor não veria jamais
Pois Moçambique o degredava...
Degredaram o artista de Marília
O cantor dos versos líricos
À boa terra não mais retornaria
Pra traz ficaram o amor e amigos...
Canto
VIII
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Amizade é uma planta rara
Que se semeia em terra fértil
Como regava o Nascimento em balada
Se assim for, nunca será estéril...
A esterilidade está no homem público
Que quer manipular o eleitorado
Com linguagem mansa como se fosse de púlpito
Ludibria o voto do pobre com papel passado...
Um passado que se mostrou sovina
Pois que de tudo nas mãos tem angariado
Nem admira que se vendeu por propina
Pois, com voto comprado, se fez deputado...
Deputado pra representar a quem?
Belém, Pará, ou o povo de Javé?
Com os olhos se vê que não representa ninguém
Muito menos que não tem sandálias no pé...
Canto IX
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Com pés descalços anda o povo do interior
Seu Riba bem que sabe disso
Que é gente simples, que nem pensa em ser doutor
O querer deles é ter junto: pai, mãe e filhos...
Filhos são pra posteridade
Pra cuidar de quem nasceu, cresceu e trabalhou
E agora passou também da idade
Mas o seu legado deixou...
Deixou o quê de valor?
A educação pra uma nova geração
E se o filho não deixar em penhor
Certamente há de ter uma boa instrução.
A instrução vem com o professor
Que trabalha... e teima... e lima
E sofre... e sua... mais que um benfeitor
E isso se confunde com idas e vindas, lida e vida...
Canto X
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Assim é a vida do professor beija-flor
Que invade a porta da casa, dá um beijo e parte
Mas é só pra matar o desejo do seu amor
Que cai no choro, quando, na manhã, o amante parte...
Parte pra onde o amante das ribeiras de Belém?
Pros furos dos rios, pras entranhas das vicinais
Pra Bujaru, Melgaço, Uruará, Ourém
Vai também pra Gurupá, Porto de Moz, bom por demais...
Demais... como os diálogos livres ao luar
Pois que pensava em ir pra um tal de Canadá
Mas quando estava já a me arrumar
Olhei n’água o luar. Então disse: vou ficar.
Ficar sim! Não vou sai daqui nem ir embora
Pois tenho a cara do Saci, sabor de taperebá
Cheiro de patichuli, lenda do caipora
Sou folclore, carimbó, siriá! Êta, meu Cametá!
Canto XI
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Cametá, terra de gente nativa
Onde aportou o modular
Ali tem gente que escreve, muito criativa
Ali tem Gaia, tem João, poeta popular...
Popular na poesia, nos versos de cordel
Que misturam história, filosofia, pedagogia
Qual cantor da idade média, o menestrel
Qual trovador que derrama aos pés da senhora a poesia.
Poesia de versos livres, decassílabos ou sonetos
Que vão sendo construídos, passo a passo
Como que escritos em folhetos
Sem desandar no seu compasso...
Com passo rijo e sem vacilar
Vai o poeta, o professor ensinador
Pras bandas de Vigia se enlaçar
E dar folga pro seu amor...
Canto XII
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Amor que é fogo que arde e não se sente
Como o soneto de fidelidade
Quem inventou esse contentamento descontente
Como o José de Carlos Drummond de Andrade...?
Andrade de Itabira de Mato Dentro
Que tirou a pedra do meio do caminho
Que criou a Rosa do povo e não do vento
E em mil novecentos e setenta e três o menino antigo.
Antigo como os casarões da belle époque
Que marginalizou nordestinos, indígenas e caboclos
Onde só o comerciante e elitista tiveram a boa sorte
Onde os soldados da borracha recebiam minguados soldos...
Soldos, sol dos desafortunados
Que vivem dum punhado de sal
Salário em balança pesado
Como no tempo feudal...
Canto
XIII
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Feudalismo medieval moderno
Que tem o nome inventado de capitalismo
Faz da lida do trabalhador um inferno
Homem livre Que vive como no tempo do escravismo...
Escravidão! Quem diria?
Em país republicano e democrático
Porque aqui se trabalha pro pão de cada dia
Eis um governo que tem deixado o povo apático...
Uma apatia que deixa sem cor
De tirar o sangue derramado nas ruas
Ruas onde sobrevoava o beija-flor
Flor sem laranjeira, sem pluma...
Plumas brancas, leves, suaves
Como a andorinha de ferro no ar
Voando como voam as aves
Até que um tiro te impeça de voar...
Canto XIV
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Voar, arre égua que deu na telha!
Pra onde? Pra que lugar?
Pra Pasargada de Manuel Bandeira
Onde o amigo do rei não tem que lutar...
Lutar a luta de quem?
Porque as baionetas francesas
Não pouparam ninguém
E a revolução guilhotinou cabeças...
Cabeças que iluminaram o mundo
Um Brasil que se vestiu de positivismo
Cujos republicanos influenciou fundo
Com ordem, progresso e ismos...
Ismos, patriotismo, fundamentalismo
Que inventou a ordem e o progresso
Travestido de um falso civismo
cuja elite enricou a céu aberto...
Canto XV
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Abertura nunca teve o professor
De falar e cobrar melhoria
Pois sendo o governo seu provedor
Dizia que era tudo fantasia...
Fantasia? Como fantasia?
Se não tem o aluno computador
Vai pra escola de barriga vazia
Que dói tanto no professor...
E o professor, quando é professor de verdade
Faz das tripas coração
Pra ver no rosto do aluno felicidade
E saber que educar não era uma ilusão...
A ilusão não está no dia-a-dia do mestre Riba
Que luta com palavras e com voz
A batalha do que aprende e do que ensina
E é exemplo pro velho, pro novo, pra nós.
Ah!
Em Riba
do mar
Há mar
Do mar de
rio
Do
rio-mar...
Joinville
(SC), 31 de março de 2021
OBSERVAÇÂO:: Obrigado, meu amigo Prestes, pelo presente antecipado.
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