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quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

QUEM NÃO É PRETO, NUNCA VAI ENTENDER!

 



      *Carlos Prestes

 

O leopardo não pode mudar a pinta da pele

Nem o papagaio a cor da pena

Nem a mangueira pode gerar uvas ou maçãs...

As cores do arco-íris lembram a aliança

Entre o infinito e o finito.

Cores mágicas, perfeitas

Que riscam o céu em dias de chuva.

Todas imponentes, únicas

Trazendo beleza e graça

A um mundo caído... Sem cor...

Mas a raça que era uma – a raça humana

Se rebelou e se dividiu

Bateu pernas pelo mundo

Atravessou continentes

Percorreu milênios de tempo

Tempos, tempos e tempos...

E se isolou

E se fez império

E se tornou sangue azul...

Tudo o mais foi esquecido

Toda a história de sua trajetória

A origem

Os primórdios

Tudo foi enterrado no dilúvio...

De onde vim?

Pra onde vou?

Tudo decerto tem um início

Um princípio...

Como não deixaria de ter a cor da minha pele?

Essa cor preta que o dito império branco

Quer esconder nos calabouços dos seus castelos...

Ah, um dia fomos irmãos!

Andávamos de mãos dadas

Porque éramos do mesmo pai...

Mas tu te tornaste mercenário, altivo,

Egoísta, porque querias o planeta todo

Pra ti,

Grileiro te tornaste porque esta terra

Que pego com minhas mãos

Nunca foi tua, nem será.

Nada mais és do que posseiro

Latifundiário metido a moralista

Com as mãos sujas de sangue

Sangue vermelho que brota da terra

Como olho d’água – aos montões.

O poder te fez orgulhoso

E maltrataste o teu irmão de pele preta

Submeteste-o a teus vis propósitos

Algemaste-o com grilhões de ferro

Amordaçaste-o a boca com ferraduras

Cortaste-lhe a língua tirando-lhe a liberdade

Até de cantar

E até me tornei escravo numa pátria

Que não era a minha...

Ah! O que fizeste com teu coração

Que já não tem entendimento?

Nem com animais selvagens podes ser comparado

Porque teu guia não é a fome

Nem a sobrevivência

Mas a ganância que te foi tornando uma coisa

Uma criatura indescritível sem comparação.

Por acaso, ainda bate em teu peito um coração?

Ainda pulsa o sangue em tuas veias?

Dos teus olhos algum dia brotaram lágrimas?

A culpa alguma vez invadiu tua consciência?

Que pena! Que pena!

Tempos e tempos passaram

E eu me sinto ainda preso em séculos

Passados...

Nenhum direito trabalhista

Nenhum direito social

Nenhum direito à aposentadoria

Nenhum direito de viver...

Quando passo perto de ti,

Me xingas de macaco,

Mostras banana com a mão

Fazes gestos com o corpo,

Tudo isso por puro prazer de machucar

Sem nunca querer experimentar o meu lugar

Como se fosse o dono da vida e da morte.

Ledo engano...

Quando tenho profissão e tento trabalhar

Dizes que não sou apto,

Que em ambiente de branco não posso entrar...

Ah, de que é feito teu coração?

Esse coração corrompido pelas miragens do mundo

Há de descer ao solo sem tesouro,

Desgastado e só.

Quem terá saudade de ti?

Quem irá, em dia de finados

Visitar teu túmulo,

E te deixar flores?

Logo, não passarás de um nome esquecido

Numa lápide.

A arrogância, o orgulho e o egoísmo

Serão sepultados junto contigo

Sem aplausos, sem vivas, sem canções

Sem saudades.

O homem é como a flor perfumada

Que murcha no seu tempo de vida,

Mas quando o fôlego sai do corpo

Não há quem suporte.

Só os vermes te farão companhia

Comerão tua pele, tua carne, teus ossos

Serás humilhado, e não poderás

Fazer nada.

Voltarás ao pó de onde vieste.

Tua nova casa não terá glamour

Nem luxo, nem calor, nem frio

Nem terá muitos quartos e banheiros

E salões, e carros na garagem.

Não! Estarás morto, no fundo da terra

E tudo que era teu será desfrutado por outro...

O meu coração desfalece e se desfaz

Em mil pedaços, quando a língua preconceituosa

Me invade a casa sem pedir licença...

Arromba a porta

Me tira da cama

Porque não tenho direito de dormir...

Ah, que dor!

Que aflição na alma!

Pedaços de mim que arrancam

Como canibais...

Quem não é preto, nunca vai entender!

Não! Não! Nunca!

Esse planeta não é o meu

Não! Não é o planeta azul!

O planeta do arco-íris

Onde todas as cores são iguais

Se encontram, se dão as mãos e

Brincam brincadeiras de roda...

Eu sonho com esse planeta

Com flores de mil aromas e mil formas

E belezas incomparáveis.

Com frutos dos mais diversos sabores

E as mais diversas espécies de aves

Que passeiam no imenso azul e branco do céu...

Sim, eu sonho um sonho vivo e acordado

Apenas querendo ter direito de viver

De ir e vir com sorriso no rosto

Porque quero ser feliz outra vez

Ou pelo menos essa vez

Antes que a palavra maldosa

Me apunhale pelas costas.


O professor Carlos Prestes é poeta e escritor.

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