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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

DE SÃO FELIX DO XINGU A BELÉM: CAMINHOS DA MEMÓRIA


 

        É incrível como o tempo mais que depressa, consome nossa carne, nossa pele, o rosto fica enrugado e os olhos com olheiras. Mas também é incrível a capacidade que temos de guardar recordações, aqui, na caixinha da nossa cabeça, onde repousa toda uma vida vivida, histórias escritas e contadas, imagens, paisagens, olhares, rostos, lutas, conquistas, derrotas, alegrias, gargalhadas, tristezas, vídeos K-setes, gravadores à pilha, Toca discos (lembram?)... Tanta coisa que ficou pra traz, tantas impressões visuais, subjetivas, emotivas. Tudo bem guardadinho como se estivesse dormindo o sonho das mil e uma noites. Mas essas impressões, essas memórias, podem despertar de uma hora pra outra, se forem provocadas. Sim, provocadas, despertadas, como se acordassem de um sonho, um belo sonho. E elas foram, meus caros senhores e minhas caras senhoras. Ah, se foram!



        Quero chamar a atenção, com isso, para a velha guarda do Sistema Organização Modular de Ensino - SOME, os chamados carinhosamente de “Jurássicos”. Atentem para o relato, meus amigos. Esta é apenas uma pequena parcela do que todos nós já vivemos nos anos áureos do Sistema Modular. Com certeza, cada um de vocês vai lembrar de alguma aventura que viveu durante sua caminhada como professor ou professora do SOME nos anos 80 ou 90. E começo meu relato assim: durante o período em que desenvolvi minhas práticas educativas, através do Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, vivenciei momentos interessantes e marcantes durante essas viagens pelos rincões do Estado do Pará. O SOME é uma política pública idealizada no ano de 1979 e que começou a funcionar em território paraense a partir de 1980, em quatro municípios, descritos a seguir: Igarapé Açu, Igarapé Miri, Curuçá e Nova Timboteua. Portanto, há 42 anos o SOME se encontra atendendo os filhos dos indígenas, camponeses, quilombolas, assentados e o povo interiorano.



        Apresento-me aqui, com um nome fictício. Atenderei pelo nome de Abir Arievilo. Nessas andanças, darei ênfase a um momento de aprendizagem quando estava em São Félix do Xingu, um município bastante longe, no sudeste paraense, com aproximadamente 1.052 km de distância da capital Belém, e, naquele tempo, a duração da viagem era de, aproximadamente, 48 h, e eu estava viajando com uma equipe de sete profissionais da educação. Depois que chegamos ao município, procuramos a escola na qual iríamos dar aulas; apresentamo-nos como professores do SOME e, durante as semanas seguintes, colocamos em prática nossas atividades com os alunos, cumprindo um período curricular que duraria, em média, dois meses. No entanto, para surpresa nossa, numa quarta feira, ao chegarmos à escola para ministrar aulas pelo turno da noite, a diretora chama a equipe e faz o seguinte comunicado:



        - Prezados professores! Na quinta-feira, em virtude das festividades de comemoração do Santo Padroeiro do município, não haverá aula. E na terça feira, devido ser o aniversário do município, também não haverá aula. Portanto, estou liberando vocês de suas atividades, e só retornarão na próxima quarta-feira, quando vocês terão aulas.  



       Neste momento, todos nós nos olhamos e ficamos, em parte, satisfeitos e alegres, já que ficaríamos de folga durante esses dias e teríamos momentos de lazer e tempo pra conhecermos mais o município, já que recebemos diversos convites dos pais e alun@s para almoços, nas comunidades.



        Durante o intervalo de 15 minutos das aulas, nesta mesma noite, um dos colegas saiu perguntando prós professores quem gostaria de visitar sua família em Belém. De inicio, ninguém se interessou, todos tinham vontade de rever seus familiares, mas, pela distância que tinha que ser percorrida, desanimava qualquer um. Diziam que, logo, cumpririam todo o calendário escolar de 50 dias letivos em São Félix e, assim, poderiam voltar de uma vez para suas casas, para suas famílias. Por isso, pensavam, era melhor esperar o término das aulas. Além disso, pesavam as despesas com as quais teriam que arcar, embarcando numa viagem pra Belém.



        Esse colega, que eu vou chamar de Expedito, não se deu por vencido e, como que num último esforço, virando-se para mim, disse:



        - Vamos, meu amigo Abir! Sei que estás com saudades de sua esposa e de seus filhos. Logo, não vais perder esta oportunidade.



        Fiquei pensativo, parecia uma boa oportunidade para rever a família. Afinal, a diretora da escola mesmo havia nos liberado até terça-feira. Por que não aproveitar esses dias de folga? Eu pensava e pensava, balanceei um pouco, pensando os prós e os contras, e, finalmente, respondi:



        - Sabe que você tem razão! Quem é o ser humano que não sente falta de seus familiares?


        - Sim, claro professor! - Respondeu com um ar de vitória o meu caro colega Expedito.



        - E sabe o que é incrível? Continuei - É que, no módulo passado, eu estava no último município da Ilha do Marajó e, agora, cá estou eu no último município do sudeste paraense. No próximo módulo, estarei em Terra Santa, e sei que não terei mesmo chance de ficar um pouco mais perto dos meus amigos e familiares, então vamos.



        Após as aulas, corremos para a casa dos professores para pegar nossas mochilas e, depois, pernas pra que te quero, voamos pro terminal rodoviário, já que o ônibus sairia às 23 horas. Durante o retorno da escola para a casa dos professores, os outros cinco colegas diziam não acreditar que faríamos essa viagem. Quando chegamos à casa, os colegas não paravam de fazer brincadeiras sobre a gente querer fazer uma viagem de tão curto espaço de tempo, tão poucos dias, pegando uma estrada muito ruim, uma longa distância de trechos e horas e horas de viagem.



        Não teve jeito, as brincadeiras vinham aos montes, mas não demos bola, merendamos e partimos para o terminal, chegando poucos minutos para a partida do transporte coletivo da Transbrasiliana. Neste tempo, recebíamos a passagem de avião da SEDUC até Marabá e, depois, tínhamos que pegar um teco-teco até o município de destino e a outra passagem de volta, no final do módulo. Portanto, durante o módulo, mesmo quando havia dias facultados pelo município, não tínhamos direito de vir até a capital do Estado. Quando insistíamos nisso, as despesas tinham que ser pagas do nosso próprio bolso. E lá, na sede da SEDUC, ninguém podia saber dessas nossas saídas do munícípio onde estávamos trabalhando.



        Com a adrenalina a mil, nem havia parado pra pensar direito nos percalços que encontraria tanto na ida para Belém, como na volta para São Félix do Xingu. Foi só depois que entrei no coletivo, que fui perceber que a viagem seria cansativa, e que teríamos que ter muita calma durante toda aquela longa e inesperada viagem, já que, naquele tempo, início da década de 90, a estrada estava completamente cheia de atoleiros. Porém, mesmo o município tendo mais de 10.000 km de estradas, as autoridades públicas pareciam não ter nenhum interesse em mandar pavimentar o principal meio de deslocamento das pessoas e, principalmente, de escoamento de mercadorias e produtos produzidos pelos comerciantes locais, que sofriam muito com a deficiência do transporte, do qual tinham total dependência, pois era o único meio de escoamento dos produtos com o qual podiam contar, a fim de que pudessem negociar com outras regiões e localidades. O mesmo acontecia com as vendas de outros produtos que vinham de outras cidades.



        Como sempre, quem pagava o famoso “pato” eram os comunitários que tinham necessidades da via, da qual, já comentamos, apresentava as condições mínimas de trafegabilidade. Tudo isso, vinha na mente, como um flash. Como se não bastasse, ainda tinha o problema da segurança pública. Os números de assaltos eram altos, durante aquele período. Os colegas falavam pra gente, tentando nos intimidar, meter medo mesmo:



        - Cuidado, professor! Não se meta nessa enrascada, não! Nessa época, tá cheio de ladrão, parecendo rato de asfalto na beira da estrada, só esperando o ônibus passar com passageiros cheios de grana no bolso. Eu ouvi falar uma vez que mandaram todo mundo tirar a roupa, homem e mulher, e ficou todo mundo nu no ônibus. Isso foi pra dar tempo dos bandidos fugirem.



         Eu achava graça, me divertia, mas no fundo, bem lá no fundo, eu sabia que essas coisas aconteciam mesmo, com frequência, naquela região. A viagem durou 48 horas; saímos na quarta-feira com previsão para chegarmos, portanto, na sexta. Durante esses dois dias, paramos em alguns lugares para almoçar e jantar ou merendar. Passamos por Xinguara, Marabá e Goianésia do Pará. Lembram os filmes de faroeste que assistíamos na televisão em preto e branco? Pois é! Esses lugares lembravam as cenas desses filmes. Pareciam cidades de bang-bang. Passamos muitos aperreios durante a viagem, muita chuva que deixava a estrada ainda mais difícil de trafegar. Com isso, eram inevitáveis os sacolejos do ônibus que se equilibrava aqui e ali pra não cair em atoleiro. Dormir era quase impossível naquelas poltronas de couro duro, cujo calor era insuportável porque as janelas do ônibus tinham que ser fechadas em decorrência da chuva, e esse mormaço fazia a gente agonizar de suor. Também passamos por Moju e Alça viária, até chegarmos ao nosso destino, a nossa querida cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, a cidade das mangueiras, dos poetas e seresteiros do Bar do Parque.



        Eu e meu colega Expedito ficamos o sábado e o domingo com os nossos familiares. Aproveitamos todo o tempo possível para paparica-los e sermos paparicados. Ficamos apenas dois dias na moreninha cidade de Belém, nem deu pra dormir a noite de domingo na minha caminha quente e confortável. Tínhamos viagem marcada para as 23 horas. O senso do dever lutava intimamente numa luta feroz com a vontade de ficar, mas o senso do dever venceu aquela luta épica e, um pouco antes das 11 horas da noite, chegamos ao terminal rodoviário de Belém, entramos no ônibus da Transbrasiliana e pegamos a estrada para São Félix do Xingu. Na terça, depois de todos os aperreios que a viagem causou, como se fosse uma repetição da primeira, finalmente, por volta de meia noite, chegamos ao nosso destino, inteiros, porém, “mortos” de cansados e com dores nas colunas, mas muito felizes por termos visitado familiares e amigos. Foram apenas dois dias, mas dois dias memoráveis.



        A hora da despedida nunca é boa, nem alegre, pois parece que algo é arrancado de dentro de nós sem anestesia, como que puxassem e, naquele lugar, ficasse apenas um buraco jorrando sangue. Que o diga Milton Nascimento na sua canção Encontros e despedidas, de 1985, uma mistura de letra e melodia que diz que “a hora do encontro é também despedida”. Isso faz a gente parar para refletir sobre as coisas, sobre a brevidade da vida e, por isso, a sua importância. Portanto, uma das coisas que valorizam sobremaneira a vida, essa breve existência, é estar com os amigos e com a família. Recomendo que ouçam essa bela canção.



        Essas experiências e aprendizagens que tivemos durante esta viagem, me fazem lembrar dos diálogos com os condutores do transporte, das paradas para almoçar, jantar e merendar, e das conversas informais em nosso redor, já que o meu parceiro do lado era muito brincalhão e conseguia aglutinar as pessoas com os mais diversos tipos de assuntos.



        Valeu a pena a viagem pra rever familiares e amigos? Alguém pode perguntar, e, até eu mesmo cheguei a me indagar. Essa mesma pergunta eu faço a você, meu caro colega das décadas de 80 e 90. Você, que é um Jurássico. O que você faria? Eu já tenho a minha resposta: faria tudo de novo, mesmo com a idade que estou hoje. Sabem por quê? Por que as pessoas que mais nos entendem e, por essa razão, nos valorizam, estão do outro lado do Pará nos esperando para dar um grande e apertado abraço. Por eles, vale a pena fazer tudo de novo.


Crônica dos ex Professores do SOME: Carlos Alberto Prestes e Ribamar de Oliveira.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DA ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR


 

 

PRESTES, Carlos Alberto Trindade

 

 

 

 

VERSO

 

Meu verso não é nenhuma tela rara

Exposta na parede pré-moldada

Para saciar os olhos de algum

Excêntrico colecionador de objetos...

Não pertence a nenhum mecena

Não tem forma fixa

Não virou livro editado em gráfica

Não tem o sabor adocicado

Da imaginação criadora

Nem presta para fazer suspirar

As raparigas enamoradas...

Porque é fome

Angústia

Revolta

Nem sei se é poesia.

 

 

(Carlos Prestes)

 

 

 

Afinal de contas, o que é Arte? Essa pergunta vem martelando, naturalmente, a cabeça de estudantes e professores nas mais diferentes camadas sociais e escolas, quer sejam públicas ou privadas de nossa sociedade. E não é de se espantar, pois até mesmo grandes autores e intelectuais vêm tentando responder a essa pergunta já a algum tempo, e, pelo visto, sem muito sucesso. Por que a dificuldade? Veja o que diz Hênio Tavares.


Os antigos já diziam ser toda definição difícil. E o problema se agrava quando intentamos definir ou conceituar certos abstratos, que, pela sua própria natureza imprecisa, aturde-nos com uma polissemia imprevisível, Tal ocorre com termos como Vida, Verdade, Amor... A grafia inicial maiúscula procura suprir, no relevo da forma, a deficiência do conceito (TAVARES, 1991, p. 17).


A ARTE é uma dessas palavras com uma poderosa carga de abstração e subjetividade que faz com que o conceito dependa do modo como a vemos ou sentimos. E é por esta razão que Benedetto Croce a indefiniu numa passagem famosa, quando escreveu: “Arte é aquilo que todos sabem o que é.” Também podemos ressaltar aqui a observação ou reflexões do professor Geraldo Rodrigues:


A Arte, qualquer que seja a sua definição, é uma causa profunda, mais inconsciente do que consciente, mais instintiva do que racional, qualquer coisa que repercute no lado noturno e desconhecido de nós mesmos, que lança ecos e ressonâncias desde as profundezas de nosso oceano interior (RODRIGUES, 1949, p. 155)


No entanto, ressaltemos, aqui, dois conceitos que nos são impostos por razões didáticas:


Conceito Amplo ou geral: Neste conceito a arte é a aplicação do conhecimento à ação. Sob este aspecto, a Arte opõe-se à natureza, pois é uma criação. Opõe-se também à ciência, já que esta é um conjunto de conhecimentos fixados por leis e estabelecidos por princípios. A aplicação desses conhecimentos, o “modo“ de pô-los em prática, é que é arte. Assim, é lícito falar em “arte da medicina”, “arte do direito”, “arte de viver”, etc.


Conceito Filosófico ou Estético: Arte é superior forma do conhecimento intuitivo. É a representação sensível da beleza, através da intuição.


Há em todos nós duas formas de conhecimento: O intuitivo e o conceptual. O Intuitivo é um conhecimento de 1º grau, de natureza pessoal e individual, pois intuir é “compreender”. Duas pessoas ao observarem um mesmo objeto, intuem-no de maneira diversa, reagem de diferentes formas.


O conhecimento conceptual, Lógico ou Intelectual é um conhecimento de 2º grau exercido sobre os dados do conhecimento intuitivo através de operações da razão. Se adquire pelo estudo e pelo esforço, sendo de natureza impessoal e universal, enquanto que a intuição é inata, gratuita.


Bem, podemos perceber que no conceito geral de arte a cultura é adquirida na dependência e possibilidade de cada um. Já no conceito filosófico, a arte desponta apenas no indivíduo aquinhoado de maior densidade do conhecimento intuitivo, como se observa no texto a seguir:


Os professores que, por comodismo e não poucas vezes por ignorância, exigem de seus alunos trabalhos escritos para os quais deram apenas o título, incorrem no erro gravíssimo de pressupor em todos a mesma densidade de conhecimento intuitivo, e nada ensinam. A Arte não pode ser exigida de quem não a possui e, consequentemente, não pode pesar fundamentalmente no julgamento de simples trabalhos escolares. O estudante não é necessariamente um artista, e nem o ensino do vernáculo ou mesmo da literatura visam essencialmente “formar artistas” (TAVARES, 1991, p.18).


O que descobrimos? Que numa redação o que se pode exigir de um aluno é coerência, coesão, correção e adequação do texto ao tema central, porque isso eles são capazes de aprender. Não compete ao professor “criar artistas.” Ele pode, no máximo, através de seu trabalho em sala de aula, orientar o aluno, incentivando aquele que traz em si o dom da criação, ou despertando o outro que traz latente a força misteriosa da intuição.


Voltemos um pouco no relógio do tempo e, verificaremos que na antiguidade, as artes dividiam-se basicamente em dois grupos: as Liberais, que eram assim chamadas por serem dignas do homem livre, e as artes mecânicas, que eram compatíveis com as pessoas de classes inferiores ou escravos. Na sociedade grega e romana o trabalho não era considerado uma ocupação honrosa e dignificante, mas uma imposição humilhante às classes menos favorecidas. Daí um forte motivo para a separação entre as artes desse período.


Na Idade Média as Artes Liberais foram o único objeto de estudo, porém, a sua divisão remonta à antiguidade, tendo o sofista Hípias como sistematizador das famosas sete artes. Estas artes chamavam-se Artes Maiores e se contrapunham às Artes Menores ou ofícios. A divisão da arte era adotada por um critério social e confundiam-se com a profissão ou posição ocupada pelo homem na sociedade.


Na sociedade moderna, podemos nos deter em dois pontos básicos do que vem a ser arte: as Artes Utilitárias e as Belas Artes... Serão as duas intocáveis, incontamináveis, totalmente puras?... Na verdade, as belas artes não deixam de ser utilitárias; e as utilitárias também, em certos momentos, impregnam-se de características das belas artes, como atesta Tavares (1991) no fragmento abaixo:


Um marceneiro e até um carpinteiro podem talhar a madeira de tal forma a ponto de produzir verdadeira obra de bela arte: será ao mesmo tempo artesão ou artífice e artista. Um arquiteto, um pintor, um músico, um literato podem ser, ao mesmo tempo, artistas e profissionais (TAVARES, 1991, p. 20).


O que caracteriza uma arte como sendo bela ou utilitária é o seu elemento preponderante. Veja, por exemplo, que a arquitetura é uma profissão, uma carreira, mas é antes de tudo uma bela arte. Quando cantamos, utilizamos a palavra e o som. Consequentemente, ela é uma arte idiomática e acústica, porém, o seu elemento primordial que lhe dá sustentação é o som. Portanto, podemos dizer que o canto é uma arte acústica. Assim, também, a literatura que se serve da mente e da palavra (língua como meio de comunicação) é uma arte idiomática e psíquica.


Em meados do século XIX há uma interpenetração de uma tendência chamada Liberal-Idealista nas diversas disciplinas de educação escolar, inclusive em arte, cujo preconceito já era visível no ensino diferenciado por classes. Observe como Barbosa (2001) se reporta a esta temática:


Afastando-se a arte do contato popular, reservando-a para the happy few (os poucos felizes) e os talentosos, concorria-se, assim, para alimentar um dos preconceitos contra a arte até hoje acentuada em nossa sociedade, a ideia de arte como uma atividade supérflua, um babado, um acessório da cultura (BARBOSA, 2001, p. 22). (grifos nossos).


Essa tendência corresponde a três divisões pedagógicas que veremos a seguir:


1. A pedagogia tradicional: essa tendência induz o indivíduo à sensação de “libertação” pelos conhecimentos adquiridos... Eu pergunto: que libertação? A arte, nesse período, funcionou como uma cópia ou imitação do original, e, sendo uma imitação, é isenta de criatividade. Por outro lado, não seria a arte uma imitação da realidade? Não procuramos imitar o que já existe, mesmo empregando outras formas, linhas, relevos ou pensamentos? Não queremos mostrar de alguma forma alguma coisa que já existe, seja qual for o sentido que queremos dar a ela? Assim como as outras disciplinas, a arte segue um conteúdo controlado pelos professores, o aprendizado é mecânico e direcionado, preso a quatro paredes de uma sala de aula, muito distante dos ruídos das ruas, dos olhares das pessoas. O filme Sociedade dos poetas mortos (1990) aborda com propriedade esta temática, em que professores de uma escola conservadora instruem os alunos a memorizarem conceitos e orientações sobre construção de poemas e outros assuntos, através da leitura de livros. Com isso, acaba por caracterizar-se uma arte tipicamente de conteúdo conceptista, onde predominam os valores científicos e a razão.


Essa frieza calculista deverá ser, realmente, considerada uma arte?   Não estaremos confundindo arte com o aprender a dirigir um carro? Não estará ela sendo relegada a um simplismo muito cômodo? No mesmo filme Sociedade dos poetas mortos, um jovem professor, com pensamentos e conceitos pedagógicos avançados, inovou no uso da didática ao mandar os alunos rasgarem as páginas do livro (na sua concepção, “ultrapassado”) que ensinava conceitos de poesia com leituras mecanizadas, frias, longe de provocar emoção, e se dirigissem até a frente da lousa para recitarem o que estava preso dento de si, sem se importarem com convenções formais ou com o que as pessoas iriam achar. Eles tinham apenas que vomitar (colocar pra fora) aquilo que seus olhos captavam e liam, como eles entendiam, como percebiam o mundo e as coisas ao seu redor. Isso mudou o pensamento de muitos deles e passaram a fazer uma nova leitura do que viria a ser o ato de criar, do conceito mais amplo de poesia. E não somente em relação à poesia, mas à arte de atuar, bem como de colocar em prática aquilo que temos vontade de realizar, de fazer com que a nossa vocação, os nossos sonhos, ideais se transformem em expressão viva, admirada por quem conhece os seus fundamentos. Viver uma vida submissa a regras e normas sociais que amordaçam o direito do ser humano de se emocionar, chorar, cantar, criar, é não conhecer o verdadeiro sentido da vida, como se fôssemos apenas um ser mecânico, sem nome, sem coração, criado apenas para obedecer ordens sem questionar. A arte, ao contrário, liberta o ser humano dessas amarras.


O poema a seguir, talvez seja um típico exemplo desse soltar-se, dessa liberdade no ato da criação:


Na inconstância do sentimento humano

O mundo metamorficamente edificou-se

     E o repente fez-se em anos-luz

     Mas a história, com passos medidos,

Caminha para uma verdade relativa.

Tenho ânimo de gargalhar, mas minha face é pedra...

     O sorriso pode apagar-se de uma pintura...

     Arte é um triste sorrir     (Paradoxo - Carlos Prestes).


É isso, o poema analisa o paradoxo da vida “nem sempre bela, nem sempre triste”, e a arte retrata o lado obscuro e claro da vida, o fato concreto, as emoções, dificuldades, lamentos, risos e gargalhadas, tudo misturado num único recipiente. É a história de cada um de nós desde quando nascemos e aprendemos a respirar, até quando descemos ao fundo da terra e o fôlego da vida se esvai. Não há uma pré-moldagem para a arte. O artista capta detalhes, pedacinhos de coisas da vida que se mexe e se remexe. Os olhos do artista tragam todas essas coisas percebíveis e impercebíveis no mundo real, traz isso pra dentro de si, da mente e do corpo, onde se misturam sentimentos com estados de razão e emoção, onde a mente, que quer guiar as decisões, se mistura com estados d’alma. Daí o artista coloca pra fora uma releitura da vida, muito mais profunda do que a que nós enxergamos, mas nunca deixando de ser a própria vida. Ele coloca pra fora a arte. Ele é um criador.


Se eu faço o seguinte comentário: “São Paulo é uma metrópole tão grande, com prédios tão altos, que quase não podemos enxergar as nuvens no céu. Mas o céu também não é mais azul e branco, porque a poluição tomou conta do espaço, a fumaça preta tomou conta da cidade, as pessoas vivem enfileiradas pra poder pagar suas contas, e do outro lado dos prédios luxuosos, pode-se ver as favelas, onde moram, amontoados, pessoas simples e com poucos recursos, expulsos para a periferia dos bairros, por causa de seus poucos recursos”. Isso é um texto comum, informal, que fala de uma realidade vivida em São Paulo: a poluição, a pobreza, a periferia, um contraste social provocado por outro contraste: o econômico. Isso não é poético, é apenas uma impressão realista da cidade. Mas quando Caetano Veloso canta “alguma coisa acontece no meu coração / que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João / é que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi / da dura poesia concreta de tuas esquinas / das deselegâncias discretas de tuas meninas / ... do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas / da força da grana que ergue e destrói coisas belas / da feia fumaça que sobe apagando as estrelas...”, ele está se referindo à cidade de São Paulo numa linguagem poética, e mesmo sendo uma linguagem sensível às emoções, ele não deixa de mostrar seu senso crítico àquilo que dá um sentido negativo à cidade, como “da feia fumaça que sobe apagando as estrelas”, referindo-se à poluição gerada pelas indústrias e carros e coletivos urbanos, ou quando diz “do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas”, em que, andando pelas ruas da cidade, encontra a mesma realidade que possivelmente havia na sua cidade natal: pobreza e pessoas do povão metidas por horas a sol e chuva em filas de bancos, de lotéricas, morando em favelas sem nenhuma infraestrutura, com a ausência do poder público, mas com a presença das milícias e traficantes (quando atualizamos essa leitura). É interessante também comentar a frase “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”. São Paulo é uma das maiores metrópoles do mundo, tem uma das maiores populações também, em se tratando de cidade, e, por, isso, talvez, com a grande quantidade de imigração das diversas partes do Brasil e até de outros países estrangeiros, a cidade tenha se tornado uma selva de pedras, com prédios imensos e calçadas que substituíram o verde das matas, das plantas. É um paradoxo. A grana ergue coisas belas, artificiais, mas também, ao mesmo tempo, destrói coisas belas, naturais, que dificilmente serão admiradas novamente. Perceberam a diferença entre o primeiro texto e o texto de Caetano Veloso? Viram como a linguagem poética dá um sentido muito mais profundo e questionador a uma mesma temática?


É importante ressaltar que através do decreto de 1816, D. João VI criou o ensino artístico no Brasil, fato relacionado com a fundação, no Rio de Janeiro, de uma escola de Ciências, Artes e Ofícios, cujo objetivo era difundir e promover a instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens para aproveitamento nos diversos setores administrativos não só do estado, mas da economia de modo geral. Segundo cartas escritas por D. João VI, isso era essencial para suprir a falta de mão de obra especializada na época, pois o território era muito grande e a mão-de-obra disponível era pouca. “O texto legal caracteriza a arte como um acessório, um instrumento para modernização de outros setores e não como uma atividade com importância em si mesma” (BARBOSA, 2001, p. 21).


2. Na Pedagogia renovada que surge por volta de 1930, o papel centralizador do ensino deixa de ser a atuação do professor para fixar-se no aluno. Sai da sala de aula para as ruas, do técnico, científico e racional para visualizar o social. O estudante passa a querer experimentar o lado sensível, estreitando as relações com o meio que o cerca, numa tentativa de compreensão do outro. Aqui, perde-se de vista a estrutura racional e lógica dos conhecimentos como no ensino tradicional, pois o aprendizado ocorre de maneira progressiva, levando-se em consideração as motivações, iniciativas e as necessidades individuais dos alunos. O ensino e a aprendizagem tornam-se, basicamente, individualizados. E, assim, desenvolvem o “aprender fazendo” pelas experiências cognitivas.


O fato é que esta tendência mostra o aluno voltado para si mesmo, para sua subjetividade e individualidade. Expressa sua criatividade sem importar-se com a consequência, o resultado de seu trabalho. Entendo que esse método deixa o aluno meio à deriva, pois lhe permite criar livremente, sem regras ou normas que possam conduzi-lo a um fim consciente, palpável e satisfatório. Como ele poderia atuar cooperativamente numa sociedade que lhe exigiria um mínimo de planejamento, técnica e objetivos? Esta tendência talvez peque pela falta de mediação dada ao aluno; pelo excesso de liberalismo, pois liberdade tem a ver em fazer a escolha correta, e libertinagem implica em fazer só o que nós gostamos de fazer, por mais que não estejamos esteticamente ou moralmente corretos. Enfim, existe uma preocupação apenas com o processo e não com o seu resultado. Olhando deste ponto de vista, toda a produção feita por um estudante seria arte.


Esse método funcionava da seguinte forma:

- Propunha-se um assunto que fosse do interesse dos estudantes e, em seguida, elaborava-se uma atividade;

- Essa atividade teria que acarretar um determinado problema;

- Esse problema provocaria um levantamento de dados;

- Tendo em mãos o levantamento de dados, partia-se para a formulação de hipóteses que explicassem o problema;

- A partir da explicação do problema se desenvolvia a experimentação, que era realizada em conjunto por professores e alunos;

- Por fim, essas hipóteses poderiam ser confirmadas ou rejeitadas.


As teorias e práticas estéticas passam a funcionar segundo este modelo, valorizando os estados psicológicos das pessoas onde se concebe ‘uma estrutura de experiências individuais de percepção, de integração, de entendimento sensível do meio ambiente: da expressão, revelação de emoções, insigths, desejos, motivações experimentadas interiormente pelos indivíduos’. Note que o ensino da arte passa a ser influenciado pela psicologia cognitiva (orientação pragmática) e pela psicanálise (orientação expressiva) além da teoria gestáltica (centraliza-se na pessoa, como um analista perceptivo e objetivo das obras de arte).


O que temos? Um deslocamento da questão pedagógica do intelecto para o sentimento, do lógico para o psicológico, do conteúdo cognitivo para o método pedagógico, da imitação para a criatividade, da centralização do ensino no professor para o aluno, do estudo baseado na lógica científica para a experimentação sensível.


3. Pedagogia Tecnicista: surgiu no Brasil em meados de 1960 a 1970 para suprir as exigências do mercado que necessitava adaptar-se às novas tendências econômicas vindas da Europa e Estados Unidos, cujo ensino voltava-se para a formação de mão-de-obra especializada. No início, visava um acréscimo de eficiência da escola, com o objetivo de preparar indivíduos mais competentes e produtivos para o mercado de trabalho.


Na escola tecnicista, os elementos curriculares, mesmo estando interligados, destacam-se pela organização racional e mecânica. O comportamento dos alunos deve corresponder aos objetivos preestabelecidos pelos professores que, por sua vez, devem atender aos interesses da sociedade industrial.


A lei nº 5692/71 que introduziu a Educação artística no currículo escolar transformou os conhecimentos de música, desenho, canto coral, etc., em meras atividades artísticas, ou seja, generalizou o que era específico, e o professor passou a ter que dar conta de todos esses assuntos sem ter a devida preparação para tal fim.


Nessa tendência, fala-se na importância do “processo” de trabalho e estimulação da livre expressão. Contrariando essa informação, os professores explicitam os planejamentos de suas aulas, com planos de cursos bem organizados.


Por que os professores eram despreparados e inseguros no ensino da Arte?... Por que diziam não apoiar suas aulas em livros didáticos, mas os utilizavam na preparação de suas aulas?... A resposta é que eles conheciam poucas obras de fundamentação teórico-metodológicas de ensino e aprendizagem, além das precárias condições de trabalho, formação universitária insuficiente que deixava o profissional inseguro, além da fragilidade metodológica, principalmente quanto ao uso inadequado de aparelhos audiovisuais.


 Depois dessa lei, os problemas no ensino da Arte se aglomeram: os métodos e conteúdos se misturam: ao mesmo tempo que enaltece a técnica orientada pelo professor, incentiva a livre expressão que passa a centralizar-se no aluno, valoriza o conhecimento científico ao mesmo tempo que o estado psicológico, o qual abre espaço para o criar. Temos, dessa maneira, uma arte diluída, pouco fundamentada.


Até que ponto isso interessava para o ensino da arte?... O ensino da arte polarizou-se entre o técnico e o espontâneo, entre o saber ”construir” artístico e o saber “exprimir-se”. Acabamos conhecendo uma tendência com pouco conhecimento teórico-metodológico, onde é enfatizado o desenho, particularmente, o industrial. Sobre este assunto, Barbosa (2001) faz a seguinte declaração:


O desenho geométrico é a única base verdadeira do desenho artístico ou industrial. Um bom sistema de desenho, ainda quando não tem por fim senão o resultado artístico, deve tornar a geometria por guia desde o princípio até o fim (WALTER SMITH in BARBOSA, 2001, p. 54).


O que muda de lá para cá no ensino de arte nas escolas? Algumas coisas com certeza mudaram, mas muitas coisas ficaram até hoje das três tendências apresentadas: a tradicional, a escolanovista e a tecnicista em maior ou menor grau.


Posso citar, por exemplo, algumas experiências pessoais quando uma professora de educação artística, amiga minha, do Sistema de Organização Modular de Ensino da SEDUC-PA, ao passar atividades da sua disciplina para os alunos, ensinava-os a reproduzirem em forma de maquetes as principais instituições, órgãos, prédios, ruas e praças do município, trabalho feito geralmente com isopor, cartolina, cola, tinta e outros. Uma outra professora ensinava a construir peças em cerâmica, indo com os alunos até determinado local em busca de argila para a produção de peças de artesanato, separando o que continha areia, da argila pura. Pergunto: o trabalho artesanal é ou não é uma arte? Será bela ou utilitária? Que tipo de arte ela estaria ensinando? Será que ela tinha consciência disso?... Bem, uma outra professora procurava prender a atenção dos alunos na explicação dos conteúdos e metodologias, sem, no entanto, aproximá-lo de uma experiência mais pessoal. Contudo, ela participou comigo do projeto “Terra Alta: o teatro da vida e do fantástico” em que desenvolvemos oito peças teatrais com alunos do 1º, 2º e 3º ano do curso de magistério, visando a interdisciplinaridade entre as séries do ensino médio, professores e professores, professores e alunos, demais funcionários da escola e entre as disciplinas.  Aí nós temos uma representação da arte baseada em fatos da vida, em que o corpo discente, organizado em equipes de quatro a cinco pessoas, ouviam palestras com debates sobre um tema específico, escutavam músicas com a mesma temática enquanto acompanhavam a letra escrita no papel, possibilitando-lhes desenvolver o senso critico. O próximo passo era que, após explorarem com mais profundidade o tema da sua equipe, reuniam-se em outro espaço, fora da sala de aula, fora da escola, criavam uma história, as personagens e as falas de cada um. Ou seja, criavam uma peça teatral, escrita por eles mesmos, e, depois, ensaiavam e se apresentavam para a comunidade escolar e o público em geral. Se o ato de criar é o que diferencia a arte do que é vulgar, como eu posso dizer quem é artista e quem não é?!


Vamos adiante... A partir de 1960 começa a ser discutida pelos professores a real contribuição das escolas para o ensino no país, principalmente, o público, que era regido, até então, pela influência do pensamento liberal. Desejava-se mudar as práticas sociais. Desejava-se mudar os rumos da educação. Depois dos efeitos bombásticos da Semana de Arte Moderna, desde 1922, com a ruptura das influências europeias não só culturais, mas linguísticas, em que a arte brasileira reivindicava autonomia e anunciava um novo modo de se fazer arte, consequentemente, a educação não poderia deixar de caminhar junto com a influência desses novismos que procuravam mostrar o porquê da arte e da educação. Havia que ter um sentido. E era esse sentido que estava sendo buscado.


Surgem, então, novas teorias inspiradas em uma tendência Realista-Progressista da educação. Uma delas é a PEDAGOGIA LIBERTADORA que tem na figura de PAULO FREIRE, o seu maior expoente. O objetivo dela era a transformação da prática social das classes populares, em que se tinha a intenção de conduzir o povo para uma consciência mais clara dos fatos vividos. Nela, professor e aluno dialogam em pé de igualdade, sem formalismo, sem autoritarismo, sem diretivismo, uma educação do povo, sem imposição de normas e regras disciplinares.


Pretende-se que o povo tenha uma consciência clara do meio em que vive, que aprenda a refletir sobre o estado das coisas, da vida, do mundo, do seu próprio estar no mundo. Daí Paulo Freire concentrar seu trabalho na alfabetização de adultos. Alfabetizar aqui significa ensinar a refletir, pensar, questionar, indagar. Ele considera também que é importante uma nova elaboração da teoria do conhecimento para que o indivíduo possa formar conceitos e reelaborar seus próprios conhecimentos. Assim, o indivíduo se dá conta de sua situação de oprimido, marginalizado numa sociedade onde poucos se beneficiam dos direitos que a Constituição Federal deveria garantir aos cidadãos. Só com isso, ele já teria aprendido um bom bocado.


Para o educador progressista coerente, o necessário ensino dos conteúdos estará sempre associado a uma ‘leitura crítica’ da realidade. Não queremos nem o ensino dos conteúdos em si nem o exercício do ‘pensar certo’ desligado do ensino dos conteúdos. Nem elitismo teoricista nem basismo praticista (NOVA ESCOLA, 1989, p.22).


O homem é um ser político por natureza. Aliás, tudo o que faz está relacionado com política: quando vai à feira, ao supermercado, apanha o ônibus, vai à escola, trabalha, fica em casa, almoça, janta ou dorme, e até mesmo quando não tem nada para fazer. Porém, na maioria das vezes, o povo entende que ser político é privilégio de algumas pessoas que nasceram com o “Dom” da palavra e do convencimento. Para essas pessoas, o que seria mais fácil: ensinar a ler e escrever ou ensinar a pensar?


Pedagogia libertadora é um nome cheio de significados enfáticos, pois se opõe à tendência idealista-liberal de educação, aos métodos impostos por professores quanto ao direcionamento dos assuntos, à imitação, à falta de compromisso com os resultados, à educação que forma o homem apenas como força de trabalho para o mercado capitalista, à arte utilitarista dos desenhos industriais que limitam a ampla concepção do seu significado. Pedagogia libertadora significa libertar a mente da opressão dominante que controla os desejos do povo, seus sonhos, seus ideais, sua vontade.


Por fim, dentro desta tendência Realista-Progressista surge, em fins de 1970, um grupo de professores em busca de novos caminhos para a educação pública, já que esta vinha apresentando um rendimento fraco, desinteressante e desestimulante em relação ao ensino-aprendizagem.


E como começou essa retomada por um melhor ensino público? Bem, num primeiro momento, sofreram a influência das teorias crítico-reprodutivistas que anunciavam a escola como reprodutora das desigualdades sociais, e que causou uma atitude pessimista de negação do trabalho da escola. Afinal, para que servia a escola?... E que reprodução era esta?


Em A reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino (não tenho os dados completos) verificamos que as escolas e universidades eram orientadas para matérias técnicas, visando a integração com as atividades produtivas da economia, que havia uma série de recomendações políticas e seleção de estudante baseada no mérito (BORDIEU & PASSERON, 1992).


Segundo Bordieu & Passeron (1997, 1992), o capital cultural, que é a competência cultural linguística socialmente herdada e que facilita o desempenho na escola, não é distribuído efetivamente entre os grupos e classes sociais, de tal modo que as possibilidades de sucesso nas escolas são também desiguais. A escolaridade se torna a base para uma mobilidade social limitada, que é um dos mais importantes pontos de apoio da meritocracia.


Para Bowles e Gintis o QI e as notas disfarçam o fato de que o sucesso está fortemente relacionado à classe social, e que tais critérios servem à legitimação da ordem social. E ainda afirmam que:


O capitalismo é a fonte de todos os males, não a educação. Quando a estrutura da produção muda, mudanças paralelas ocorrem ao nível da educação. Um sistema educacional mais igualitário não cria uma sociedade igualitária. Escolas livres são impossíveis em sociedades repressivas (BOWLES & GINTIS, 1977, p. 43).


No início dos anos 80, parte desses professores que passam a propor uma pedagogia sociopolítica, percebem que o mero denuncismo não era suficiente para modificar o panorama histórico-cultural em que se encontrava a educação no Brasil. Para mudar as estruturas “podres” era preciso mais atitude do que simples palavras, um maior compromisso com o ensino do que mero formalismo classista para se chegar à síntese de uma escola realmente democrática.


Os educadores conscientizaram-se de que necessitavam de uma escola pública competente; que a escola é direito de todo cidadão; que a escola não é única responsável pela melhoria de vida na sociedade; que a escola não é, sozinha, a reprodutora das relações sociais; e que, apesar de a escola ser influenciada por uma série de determinantes, ela também pode influenciar, intervir, para que mudem e se transformem e melhorem realmente.


Nesta tendência, o saber do aluno é confrontado com o que vem de fora, que está além dos muros da sala de aula; não com simples teorias. O professor é o mediador desse saber, insubstituível, pois contribuirá imensamente para o desenvolvimento das experiências dos estudantes face ao realismo social.


Posso dizer que, pelo menos na minha visão, ao visitar uma galeria de arte no ano de 2003, tenho visto, desde então, exposições de arte em galerias que se espalham por toda a Belém. Arte moderna... Contemporânea, que se apresentam a nós em formas de pinturas em grafite e nanquim sobre papel (Osvaldo Goeldi); Guernica nordestina, xilogravura de Nice Álvares; calcogravura (Milton da Costa); Guerreira de frente, serigrafia de Marcelo Grassmamn; litografia (Lasar Segal); As quatro estações, misto sobre tela de Rosane Cantanhede; Nove de setembro de 1989, acrílica sobre polytóide de Célia Luvaldo. A arte também se manifesta através de painéis fotográficos que retratam o cotidiano, olhares, rostos, paisagens mudas que, de alguma maneira, expressam uma significativa carga de comunicação, além de trabalhos em madeira, vidros, pólvora de fósforos, chicletes que de alguma forma simbolizam a epiderme e nos mostram a nossa temporariedade de vida, etc. Essas citações, são referências da exposição na galeria de arte da casa das onze janelas. Pude perceber em conversa informal com uma monitora que a arte não tem fronteira, ela está quebrando barreiras convencionais. Daí se deduzir que, a partir do momento em que se cria uma coisa nova, incomparável, insubstituível, única... é arte. Portanto, o artista está dentro de casa, anda nas ruas, frequenta a escola pública, trabalha para sobreviver. Porém, a arte ainda está distante do povo, está nas galerias fechadas, monitoradas para poucos privilegiados.


Pois é, a arte tem um pouco de tradicional, de nova, de liberal, de progressista. São tendências que vão e vêm e se misturam e se encontram no tempo, no espaço, e, inclusive, em galerias.


Então, o que é arte? “É aquilo que todos sabem o que é”. Obrigado Benedetto Croce.

 

  

REFERENCIAIS TEÓRICOS

 

BARBOSA, Ana Mae, Arte-Educação no Brasil, série debates, 4a edição, Perspectiva, São Paulo, 2001.

 

BOURDIEU, P. Capital Cultural, Escuela y Espacio Social. México: Siglo Veinteuno, 1997.

 

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

 

BOWLES, Samuel; Gintis, Herbert. Escolaridade na América capitalista. Nova York, Basic Books, 1977.

 

REVISTA NOVA ESCOLA, ano IV, nº 30, 1989, “Por uma escola séria e alegre”, p. 22.

 

RODRGUES, Geraldo. Introdução Estética ao Estudo da Literatura. 1 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1949.

 

TAVARES, Hênio Último da Cunha. Teoria Literária. 10a ed. Villa Rica, Belo Horizonte-Rio de janeiro, 1991.

 

CADERNOS DA TV ESCOLA. A escola vai ao artista (p, 84), o artista vai à escola (p. 90), ano 1998.