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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Educação na Amazônia em Repertório de Saberes: O Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME em Poesias (Canto IV)

 




















Viagens pelos rincões do Estado do Pará

 

Tipos de estradas no Pará


Uma das viagens interessantes que fiz, enquanto educador da área de História do ensino médio e pertencente ao Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, uma das políticas públicas gerenciada pela Secretaria Estadual de Educação do Estado do Pará – SEDUC/PA, foi quando fiz uma reposição de aula na localidade de São Joaquim de Ituquara, pertencente ao Município de Baião, no Baixo Tocantins.

 

No inverno amazônico características de nossas estradas


Com, aproximadamente quatro horas e meia de viagem, creio até mais, pois a Alça Viária, que dá acesso a esses municípios, mais parecia uma extensa tábua de pirulitos, pelos incontáveis buracos que a mesma apresentava e a travessia dos dois rios, o Rio Igarapé-Mirim que margeia a cidade do mesmo nome, e o Rio Meruú-Açu, outro belo rio que serpenteia essas terras tocantinas.


E a estrada que nos leva de Igarapé-Mirim até Baião era precariamente asfaltada, e de Baião até Ituquara era pura estrada de chão, o que tornava a viagem mais demorada e cansativa. A lentidão fazia pensar e repensar em outras dessas viagens por esse nosso imenso território chamado Pará, que é o 2º maior estado em extensão territorial. Viagem como a de ônibus para São Félix do Xingu, mais conhecido pelos professores moduleiros, que trabalhavam por essa região, como “São Felão”,  pela quantidade de horas gastas de Belém, até este município durava, aproximadamente, 48 horas e com o todo os entraves possíveis: trechos esburacados e difíceis de transitar, ameaças de assalto, muita chuva e portanto muita lama, entre outros tantos. Viagens também pra Terra Santa, Juruti, Xinguara, Brejo Grande do Araguaia, Canaã dos Carajás, entre outros. Essa viagem seria “fichinha” diante dessas pro sul do Pará. 


 

Balsa também complica o deslocamento dos moduleir@s


Deixando as lembranças de lado, cheguei a São Joaquim de Ituquara, onde seria meu local de reposição localidade pertencente a um dos maiores distritos de Baião e localizada às margens (direita) do Rio Tocantins. Fui o primeiro a chegar para o trabalho; logo depois, chegou outra professora que completaria a equipe para as séries do ensino médio, sendo que eu iria trabalhar com as turmas do primeiro e segundo anos, enquanto a professora trabalharia com as três turmas.

 

Transporte típico dos alunos ribeirinhos amazônicos


Nesta primeira experiência, fui de embarcação da sede (Baião) para a localidade, com  todos apetrechos  necessários para esse "trabalho aventura". A localidade tem uma característica interessante: ela é dividida em dois planos, a parte baixa, podemos dizer assim, que fica bem às margens do rio, e a parte alta, cujo acesso se dá por dois lances de escadas altíssimos que poderiam servir de exercício para um atleta de qualquer modalidade. A parte ribeirinha é bem pequena e composta por poucas casas, pois a encosta é muito íngreme, um verdadeiro "outeiro". Já a parte de cima era bem extensa com largas ruas e nem parecia que estávamos à beira de um rio, escondido pela robusta vegetação.


De 15 em 15 dias eu ia até Belém, visitar a família, e nessas idas e vindas, fiquei revezando entre a viagem pela estrada, o que não era muito bom por todas dificuldades já descritas, principalmente, nos meses de janeiro e fevereiro, período de fortes chuvas na região amazônica, e por barco que fazia linha para Tucuruí, que não deixava de ter suas dificuldades, e certamente muito mais demorada, porém mais prazerosa pelo cenário que se apresentava diante de nossas vistas, principalmente o alvorecer em pleno Rio Tocantins consagrando mais uma obra da natureza, e ainda passávamos  por cidade históricas como Cametá, Mocajuba e Baião.

 

Na entrada da Alça Viária já enche neste período


A Reposição foi feita durante os dois primeiros meses de 2014, apesar de todo aguaceiro eu tive a oportunidade vivenciar durante esse período a fase áurea da pesca do "filhote", um dos peixes de minha preferência que é predominante da região e, além da pesca, claro, saborear essa iguaria muito própria dessa rica e farta região, e esse fato representou um encerramento bem deleitável, de mais um "trabalho aventura" de extensa vida moduleira. Quem quiser aprofundar essa minha viagem, tem neste Blog as postagens de São Joaquim de Ituquara (Baião): História e Memória, Parte I, II, III, IV e V.


Revisão dos Professores Carlos Alberto Prestes e Flávio Filho.

Educação na Amazônia em Repertório de Saberes: O Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME em Poesias (Canto III)

 
























segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

II Feira Cultural e de Ciências




Alun@s organizando a II Feira da Comunidade

 

Na localidade de São Raimundo, no município de Bujaru, Pará, no ano de 2012, os professores executaram o projeto II Feira Cultural e de Ciências, onde foram expostas as produções dos alun@s orientadas pelos professores do município, do ensino fundamental e do Sistema Organização Modular de Ensino - SOME, do ensino médio. O evento foi um sucesso, principalmente, com a participação da comunidade escolar e comunidade em geral. As imagens retratam a importância da Feira para aguçar  o conhecimento.


































segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O assassinato do Deputado Estadual do Pará, João Batista, há 33 anos: Relato do Professor Leonardo Pantoja

 


Com as postagens de hoje, no Blog do Riba, sobre o assassinato do Deputado Estadual do Estado do Pará, João Carlos Batista, que aconteceu há 33 anos, o que tudo indica, a mando das oligarquias rurais e urbanas, recebi do Professor de História, da Secretaria Estadual do Pará - SEDUC, Professor Leonardo Pantoja, de São João de Pirabas, que na época, desenvolvia suas atividades pedagógicas, nos rincões deste Estado, fez o seguinte relato, daquele dia: 


                             - Estava em Belém nesse dia fatídico no intervalo de um módulo, já que , trabalhava no Sistema de Organização modular de Ensino - SOME, politica pública da Secretaria, que atende os filhos dos camponeses, quilombolas, indígenas e ribeirinhos. Pela parte da tarde, resolvi dar uma volta no Ver-o-Peso e depois fui assistir a Sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Pará - ALEPA. Lembro como se fosse hoje, assisti e ouvi o Deputado Estadual João Batista fazer diversas denúncias que estavam acontecendo no estado. Interessante e prestei muito atenção, os parlamentares achavam graça, rindo a toa uns para os outros, buscando desqualificar o orador. Feito a denúncia, sair em seguida e voltei para Ver-o-Peso para aproveitar o tempo. Após um bom tempo, resolvi retornar para casa, tomei um ônibus e quando o veículo atingiu a Av. Serzedelo Correa deparou com um grande engarrafamento, todos os presentes ficaram abismados e preocupados com o que estava acontecendo. Depois de algum tempo, o motorista desceu do ônibus e voltou com a notícia de que tinham assassinado um deputado estadual na Gentil. Tomei um espanto por saber que o Deputado Estadual João Batista morava em  conjunto naquela rua. Desci do ônibus e corri até o local. Lá estava, o corpo do Deputado, ainda no seu carro, na entrada do conjunto. O local já estava tomado por amigos, políticos, estudantes, militantes, secundaristas e religiosos, uma multidão. O corpo estava protegido pela polícia civil que aguardava a chegada do Instituto Médico Legal - IML "Renato Chaves" para remover o corpo. Foi uma noite de tristeza para a esquerda paraense. Muito triste. Assassinaram o atuante e corajoso defensor do homem do campo. Não lembro o dia da semana. Quando o corpo foi colocado no carro do IMl, um coro de camaradas cantavam o hino da Internacional Socialista. Foi emocionante.

JOÃO BATISTA: A ETERNA RESISTÊNCIA

 


                            * José Raimundo Trindade

 

Faz 33 anos, numa sexta-feira nublada, com leves pingos caindo nas ruas de Belém, uma moto parava em frente ao pequeno carro em que se encontrava a família do Deputado estadual e militante socialista João Carlos Batista. Sete tiros foram disparados, três alvejaram um dos mais significativos lutadores pela reforma agrária e direitos sociais do povo brasileiro, um episódio que até hoje, a exemplo de muitos outros como o assassinato de Paulo Fonteles, Irmã Dorothy Stang, João Canuto e tantos outros, como o recente assassinato de Marielle Franco, continuam sem os verdadeiros culpados e mandantes dos assassinatos serem presos.


A luta de João Batista correspondia a defesa por bandeiras históricas do povo brasileiro, especialmente a Reforma Agrária. A própria origem desse “combatente do povo” era campesina. Ainda com 13 anos ele chega com sua família em terras paraenses para viver e trabalhar como camponeses, sendo já marcante o envolvimento do jovem com as comunidades e, numa época, de reconstrução democrática no país, participa ativamente da reconstrução da União Nacional dos Estudantes, assim como do debate nacional em torno das políticas de reforma agrária e de direitos sociais aos trabalhadores e trabalhadoras rurais.


O campo no Pará sempre foi um espaço de opressão e de domínio dos latifundiários, seja as oligarquias históricas, como os “Mutrans” e “Pinheiro e Almeida” na região do atual município de Marabá, ou as novas oligarquias surgidas no pós-golpe de 1964, como os “Fonsecas”, proprietários da empresa JONASA. João Batista tinha, portanto, uma disputa de fogo e ferro com as oligarquias novas e velhas que “grilavam” e “grilam” as terras no Estado do Pará e, assim como domínio sobre terra é poder, contestar o poder é lutar pela socialização das terras e pelos direitos daqueles que vivem e produzem em seu pequeno pedaço de chão.  A contestação do poder requer riscos, requer coragem, requer resistência permanente, requer colocar sua vida na defesa da causa maior: a vida dos trabalhadores paraenses do campo e da cidade.


Ao se eleger deputado estadual em 1986, a segunda legislatura pós-processo de redemocratização, João Batista compôs ao lado de poucos deputados da esquerda socialista e democrática (Paulo Fonteles, Edmilson Rodrigues, Valdir Ganzer) uma pequena e aguerrida vanguarda na luta pelos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais no Pará.


A irrequieta e combativa ação de João Batista sempre foi para as oligarquias paraenses um estorvo a ser retirado, em diversos momentos sua vida ficou por um fio e mesmo familiares, como o seu pai, foram alvos das balas assassinas e da covardia do latifúndio.


Naquele 6 de dezembro de 1988, já próximo do final do ano e, inclusive, já retirado para os afazeres domésticos tão comuns a todos nós quando chega o final do ano, após levar suas crianças e a combativa companheira Sandra Batista para um passeio, os sinistros membros da burguesia rural paraense se aproveitam da condição de pai e esposo amoroso do nobre lutador para impetrar mais um crime nunca desvelado e, pior, protegido pelos podres poderes que controlam a justiça e os interesses mais nefandos da sociedade brasileira e paraense.


Lembrar João Batista e sua luta é lembrar de que a opressão e o latifúndio são irmãos siameses, em novos tempos de fascismo e neoliberalismo autoritário como esses que agora estamos vale denotar que o nome João Batista hoje chama-se resistência permanente ao capital e ao latifúndio.


João Batista vive e resiste!


*O autor é Doutor em Economia e Professor da Universidade Federal do Pará - UFPA


33 anos do assassinato de João Batista

 


Em tempos de fascismo e ameaça a democracia no Brasil representado pelo Governo de Bolsonaro lembrar a luta de João Batista, incansável combatente pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e lembrar da bravura e resistência do povo brasileiro.


Vivemos um retrocesso civilizatório no Brasil como incentivo ao armamento de jagunços à serviço de mineradoras, do agronegócio, dos latifundiários que remonta no Pará aos idos da década de 60 quando o assassinato e despejos violentos de lideranças era a política da luta pela terra 


Apesar de pouco ter mudado devido a resistência dos Sindicatos e Movimentos dos Sem Terra a impunidade ainda grassa no Pará. Hoje mais do que nunca fomentada pelo Governo genocida de Bolsonaro.


Há 33 anos, em 6 de dezembro de 1988, às sete e meia da noite, o advogado dos trabalhadores João Carlos Batista, deputado estadual no Pará, chegava em sua residência, estava com a esposa Sandra Batista e seus filhos Renata, Dina e João, quando recebeu um tiro fatal na cabeça. Sua filha Dina foi baleada na perna esquerda e por pouco Sandra também não recebeu um tiro, pois o pistoleiro para fugir, deu um terceiro tiro e a bala passou por dentro do carro atingindo o muro do edifício Urca.


João Batista era natural de Votuporanga/ SP, chegou ao Pará com seus pais que eram camponeses e fixou residência em Paragominas nos idos de 60 quando a ditadura incentivou a vinda de agricultores do Sul do País para a Amazônia.

Lá conheceu a atuação perversa dos grileiros e pistoleiros que aterrorizavam a região.


Em Belém, estudou Direito no antigo CESEP, hoje UNAMA e logo se tornou líder estudantil lutando contra as altas mensalidades e a qualidade no ensino chegando a liderar a primeira greve estudantil em uma faculdade em 1978. Participou do Congresso de fundação da UNE em Salvador em 1979.


Era um homem firme e tenaz, mas amoroso e solidário.

Como advogado Batista se dedicou totalmente a defesa dos trabalhadores rurais e urbanos. Sua atuação lhe possibilitou sua eleição como deputado estadual. Fez de sua tribuna uma trincheira da luta do povo o que lhe rendeu o ódio dos latifundiários à época organizados na UDR entidade paramilitar que assassinou e perseguiu muitas lideranças de trabalhadores e trabalhadoras na década de 80.


Mesmo com um mandato breve Batista é lembrado por sua tenacidade e coragem na  defesa da Reforma Agrária e Urbana , da democracia e do socialismo.


Sabia que sob o capitalismo os agricultores não teriam terra para morar e trabalhar dignamente. Também na cidade percebeu que os trabalhadores eram obrigados a ocupar áreas nas condições mais precárias  e mesmo assim perseguidos com os despejos violentos.


Presenciou antes de ser assassinado, ameaças, torturas, expulsões e todo tipo de crueldade pelos " senhores das terras" contra a população mais pobre.

Ele mesmo teve sua casa invadida e revistada por diversas vezes.


Mas nunca se intimidou, ao contrário, seguiu em frente com seus ideais de liberdade e solidariedade inspirado empatia com os trabalhadores.


Antes do golpe fatal de seus algozes, João Batista sofreu 3 atentados. Em 85, na rodovia Belém Brasília quando retornava para Belém foi atacado por um carro que ao emparelhar com o seu 3 pistoleiros atiraram em sua direção e acertaram seu pai que recebeu um tiro de cartucheira em seu rosto ; em 86, na altura do município de Santa Izabel do Pará sofreu um acidente de carro propositalmente quando seguido e perseguido por pistoleiros  que lhe rendeu internação na UTI e várias sequelas, em 1987, uma grande manifestação em Paragominas no 1º de maio, pela Reforma Agrária na Constituinte, os pistoleiros avançaram sobre a multidão e tentaram assassiná-lo, houve tumulto, e reação e resultando em feridos e morto de ambos os lados. Até que em 1988 sua voz foi calada de forma covarde de tocaia em frente ao edifício que morava na Av. Gentil Bittencourt. 


João Batista defendeu mais de 60 ocupações de terra rurais e urbanas, ajudando trabalhadores e famílias no direito de morar e trabalhar nas diversas regiões do Pará em especial as áreas das rodovias Belém Brasília ( região do Capim) e Pará Maranhão ( região do Caeté), Sudeste e Oeste do Pará e Região Metropolitana.


João Batista é um dos mártires do povo e será sempre inspiração  para todos e todas que lutam contra o fascismo e o autoritarismo. 


Sua bravura, determinação e coerência na defesa da democracia e do socialismo em dias tão difíceis para o povo pobre de nossa Pátria nos anima a acreditar que venceremos os títeres que hoje massacram o povo brasileiro.


João Batista sempre presente!


Recordação de Sandra, Renata , Dina e João Batista. E seus netos que não o deixaram conhecer neste plano terreno.






OBSERVAÇÃO: Texto das redes sociais.

PARA SEMPRE, UM LUTADOR!

 

                                          *Humberto Cunha

 

  Estou chegando de Paragominas, Humberto. Tenho uma denúncia gravíssima! Ali estava o João Batista de sempre: apressado, tinha que seguir adiante, levar sua denúncia a outros espaços.


  Ouvi seu breve relato e propus fazer diferente: eu precisava entrar no plenário. Eu pediria a palavra e, então, Batista entraria. Ele aceitou e assim fizemos: fiz a denúncia à Câmara Municipal de Belém, com ele ao meu lado. Era a primeira lista de que se tinha conhecimento, organizada por fazendeiros e grileiros do Sul do Pará, para o assassinato de líderes de posseiros, seus defensores e apoiadores.


  A denúncia foi feita amplamente, na Assembleia Legislativa, na OAB, à imprensa local e do Sul do País. Isso não impediu os assassinatos. Uma a uma, as pessoas da lista foram sendo mortas.


  Batista elegeu-se Deputado Estadual Constituinte, onde continuou a fazer a defesa dos posseiros paraenses. Não esperaram que ele terminasse o mandato, nem o pegaram de tocaia dentro das matas do Pará. Batista foi morto numa das principais ruas de Belém, em pleno exercício do mandato, escrevendo a Constituição do Estado. Era 1988, no final do meu mandato de Vereador de Belém.


  Ele não se intimidou com a ameaça de morte, seguiu na luta em que sempre estivera.


  Fica entre nós o exemplo. Aquele Batista do movimento estudantil, da Sociedade de Direitos Humanos, dos sindicatos, da defesa do direito à terra para quem nela trabalha. Aquele Batista lutador, o mesmo Batista Constituinte, que não recuou diante da certeza da morte.


  Para sempre, em nossa memória!


*O autor foi ex vereador em Belém do Pará e possui o Mestrado e Doutorado em Educação - UFRGS.


SEMINÁRIO: "Um olhar Amazônico e Cabano para a Independência do Brasil"

 



A coordenação do Grito das Excluídas e Excluídos em Belém convida todas e todos para o seminário "Um olhar Amazônico e Cabano para a Independência do Brasil", que tem como objetivo a construção de uma posição coletiva sobre os 200 anos de pseudo Independência do Brasil, completos em 2022, cujo debate segue na historiografia nacional ignorando o sofrimento imposto ao povo Amazônico, tendo a Cabanagem como principal expoente trágico.


O Grito dos Excluídos e Excluídas é um ato popular supra partidário e inclusivo, que ocorre a 27 anos no feriado de 7 de Setembro, marcando posição contra o autoritarismo, fascismo e todas as formas de opressão. Por ser mobilizado nacionalmente, representa ainda uma oportunidade de levantar temas urgentes e levá-los ao conhecimento geral através das várias organizações que se prontificam em realizar seus  atos em diversas cidades do Brasil e do mundo.


Após o evento, uma carta manifesto será encaminhada para a coordenação nacional do Grito das Excluídas e Excluídos, para a inclusão da temática na pauta de construção dos temas e eixos a serem debatidos em todo o Brasil ao longo de 2022.


Esta iniciativa se dá por compreendermos que as referências à colonização do Brasil, seja a portuguesa, seja a de outras nações ou elites colonialistas, não podem passar ao largo dos questionamentos, denúncias, reparações e justiças históricas necessárias em relação à Região Norte como um todo e à Cabanagem em especial.


Por ser o Grito dos Excluídos e Excluídas uma plataforma legítima para tal posicionamento, o seminário é um chamado para que nossas vozes amazônidas sejam cada vez mais escutadas.


SEMINÁRIO: "Um olhar Amazônico e Cabano para a Independência do Brasil"


Local: Solar da Beira (Complexo do Ver-o-Peso, Belém/PA)


Início: 18:30hs


Realização:


Coordenação local do Grito das Excluídas e Excluídos


Apoio:

. Prefeitura de Belém

. Instituto Idade Mídia

. Instituto Viver Periferia

. FEQUIPA - Federação de Comunidades Quilombolas e Povos Tradicionais do Pará

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

REGRESSIVIDADE TRIBUTÁRIA E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL



                                            Por Prof. José Trindade


O Brasil é um dos países no mundo mais desigual social e economicamente, porém no caso brasileiro a desigualdade social também se relaciona a forma como o Estado brasileiro se financia, os tributos são em grande parte cobrados dos mais pobres e os ricos e muito ricos não pagam tributos, algo que chamamos de regressividade tributária.


Segundo observações do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), no Brasil, quem ganha até dois salários-mínimos paga 48,8% da sua renda em tributos, já quem ganha acima de 30 salários-mínimos, paga 26,3% da sua renda em tributos, ou seja, o processo é altamente regressivo. Além disso os ricos e capitalistas no Brasil são isentos da tributação do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos, enquanto, por exemplo, os trabalhadores contribuem com 300 bilhões de reais de Imposto de Renda todo ano, os Banqueiros contribuem somente com 50 bilhões, segundo estudos divulgados pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).


A regressividade tributária refere-se a contradição de que aquela parcela da população que dispõe de menor rendimento, justamente os que vivem de salários, acabam sendo os maiores financiadores das receitas do Estado.


Na maior parte dos chamados países capitalistas centrais, principalmente aqueles vinculados a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a chamada carga tributária, ou seja, a relação entre os tributos (impostos) recolhidos pelo Estado e o Produto Interno Bruto (PIB) se baseia na tributação direta, a cobrança de impostos de renda e patrimônio, chamada de direta por conta de que quem paga é o mesmo que recolhe os tributos ao Estado, assim na Europa temos o caso da Dinamarca onde mais de 50% da carga tributária deve-se a cobrança de Imposto sobre a Renda e Patrimônio, mesmo no caso dos Estados Unidos das Américas, nas terras do Tio San, temos que quase 40% da carga tributária deve-se a tributação direta sobre renda e patrimônio. Bem diferente do caso brasileiro onde os tributos diretos são a menor parte da carga tributária, representando algo em torno de 20%.


A chamada tributação indireta é aquela que incide sobre o consumo, comercialização e produção de bens e serviços, denomina-se indireta por conta de que quem paga os impostos (os consumidores e trabalhadores em geral), não são os mesmo que recolhem, geralmente empresários que são denominados de substitutos tributários.


Como se refere o professor Fábio de Oliveira os empresários brasileiros sofrem de uma espécie de “fetiche tributário”: falam que pagam algo que não pagam. Assim o tal “impostômetro” da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) é uma farsa, enquanto os trabalhadores e consumidores pagam os tributos, como ICMS, IPI, os empresários são meros recolhedores e repassadores para o Estado, portanto não são os verdadeiros pagadores dos tributos e o que se tem é uma falácia no discurso dos empresários.


Muito pelo contrário, no caso brasileiro se observa a isenção (não pagamento) do Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos e, ainda mais grave, legislação ainda da década de 1990 possibilita deduzir do lucro real das empresas o pagamento de impostos sobre juros, portanto beneficiando triplamente os detentores de grandes rendas no país.


A regressividade tributária constitui mais uma forma de aumentar a desigualdade social e a pobreza no Brasil. Por isso medidas como regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), cobrança do Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos, bem como passar a taxar os juros sobre capital próprio e, fundamental, rever a legislação de desoneração (não cobrança) de tributos para exportação, a chamada Lei Kandir, são medidas fundamentais para pensarmos o financiamento de políticas públicas tão necessárias ao povo brasileiro.


*O autor é Professor de Pós Graduação em Economia, Universidade Federal do Pará -UFPA.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Cerimônia de Entrega da Medalha ICAP 60 ANOS ao MBSC de reconhecimento dos atos de Solidariedade do Brasil a Cuba




Paulinho Rodrigues recebendo a medalha de Dôra 


O Movimento Brasileiro de Solidariedade a Cuba - MBSC recebeu, ontem, representado através do Movimento Cabano em Apoio a Autodeterminação dos Povos - MOCAP - PA, este sendo representado pela liderança de Paulinho Rodrigues, a comenda de Distinção do Instituto Cubano de Amizade entre os Povos - ICAP, representado pela Dra. Maria Auxiliadora Cesar, mais conhecida com Dôra.



Os presentes atentos a palestra de Dôra


A cerimônia de entrega da medalha aconteceu no Auditório do Sindicato dos Trabalhadores Judiciário do Pará - SIDJU, em Belém do Pará, com a participação dos membros do MOCAP, convidados e convidadas. 


Juventude Presente


Após a entrega da medalha, aconteceu a palestra "Cuba do Bloqueio a Pandemia: Desafios de um País Soberano", proferida pela Professora Doutora Maria Auxiliadora Cesar. Com o término da palestra, a palavra foi franqueada para perguntas e considerações, proporcionando um debate franco, aberto e produtivo sobre diversos temas da sociedade cubana e sociedade brasileira, como política, religião, adolescência, justiça, educação, saúde entre outros. 



A Ma. Adréia Rodrigues interviu no debate sobre religião


O evento iniciou por volta das19 h e concluído as 21 h, com muito sucesso e estimulando a juventude presente. Segundo a jovem Fernanda: "Foi sensacional! Só me animou ainda mais pra seguir na luta e resistência"



Tema em debate chamou atenção da juventude


Lembrando que em 2023, teremos em Belém do Pará, o 26º Encontro Nacional de Solidariedade a Cuba. O blogueiro esteve presente participando dessa importante ação do MOCAP - PA, como coordenador da roda de conversa. 


Membros e convidad@s do MOCAP - PA



terça-feira, 2 de novembro de 2021

CRÔNICA DE UMA POESIA-ESTRADA

 


 

Há muitas coisas que podemos fazer na vida, e há muitas coisas que poderíamos ter feito e não fizemos, ou simplesmente não fazia parte de nossas prioridades. Uma resposta simples para uma pergunta talvez não tão simples, quando indago a mim mesmo. Por quê? Eu perguntaria. E, talvez alguém se pergunte também. Eu não sei. Só sei que nem tudo está sob nosso controle. E é melhor que seja assim, por que, caso contrário, nos tornaríamos pessoas profundamente metódicas, sistemáticas, exageradamente meticulosas, preocupadas com tudo o que poderia acontecer daqui a um minuto, uma hora, um dia, uma semana. Pra tudo há um limite diante da natureza que nos envolve, e com o ser humano não é diferente, pois correríamos sérios riscos de nos transformarmos em máquinas programadas para cumprir tarefas. O homem não é assim. Não pode ser assim. Não é formado por fios, nem baterias, nem parafusos. Nosso sangue não é composto de graxa nem óleo. Somos seres pensantes, com livre arbítrio, liberdade de pensamento, transformamos a natureza em cultura, produzimos conhecimento. Então, o homem não pode se deixar dominar por desejos perfeccionistas. Das vinte e quatro horas que temos em um dia completo, oito horas, aproximadamente, passamos dormindo, outras oito horas gastamos trabalhando. O que sobra? Um resto de tempo entre intervalos de horas quando nos encaminhamos para o local de trabalho, o intervalo do almoço, e o tempo que temos depois das seis da tarde até a hora de dormir. Fora isso, tem também os finais de semana e feriados.


Mas tem um tempo em que chegamos num momento da vida, naquela encruzilhada, que passamos a nos perguntar se o que fizemos da nossa vida realmente valeu a pena, se nos arrependemos de ter feito ou não algo, se nos arrependemos de ter tomado certas decisões, atitudes, de palavras ditas ou não ditas.


Percebem como é interessante e melancólico refletir sobre a vida? Sua brevidade ou longevidade? A vida poderia ser um conteúdo filosófico exposto e debatido em sala de aula, tratando de algo existencialista – quem sou, de onde vim, pra onde vou? Ou quem sabe poderia ser abordada sob a ótica de uma pedagogia conceitual que pode parecer mais abstrato que um sentimento amoroso de uma cantiga de amor medieval, entre um trovador e uma senhora? É assim que enxergamos a vida enquanto seres pensantes e dinâmicos?


A vida se assemelha a uma vela acesa que vai se desgastando aos poucos, numa luta constante contra a impetuosidade do tempo e do vento que tentam apaga-la. A vida é breve? Pra uns sim; pra outros, brevíssima; e pra tantos outros, nem tanto. O tempo de vida do homem hoje, em média, é de 70 a 80 anos. Um tempo em que a vida pode ser dividida em alguns ciclos: nascimento, infância, pré-adolescência, adolescência, vida adulta (juventude), maturidade, velhice, morte. O que dá pra fazer durante esses ciclos? Talvez muitas coisas, ou talvez quase nada. Depende do ponto de vista do próprio autor que deu vida ao seu autobiográfico. E aí se incluem as oportunidades, a imaginação e a criatividade. Cronologicamente, pra alguns a vida pode ser curta, mas psicologicamente pode ser bastante longa.


E tudo tem a ver com a passagem do tempo. O tempo Chronos e o tempo Kairós, que saíram da mitologia pra vir bagunçar a vida do homem pós-moderno. Onde eu estava anteontem? E ontem? E hoje? Onde estarei amanhã? Pobre homem que pensa que pode decifrar o futuro numa simples leitura da palma da mão, ou com pedras jogadas na mesa por algum guru, ou consultando as cartas. Tudo isso, feito por seres comuns, mortais, como todo mundo, na lida diária de levar pra casa o seu ganha-pão. E, assim, vamos nos iludindo, porque queremos comprar ilusões do vendedor de ilusões, que está aí pelas esquinas pronto para nos atender.


E, assim, os ciclos da vida vão se desdobrando, e vão deixando, também, rastros profundos, talvez inapagáveis. E, assim, foi comigo e com muitos outros professores do Sistema Modular de Ensino. E, assim, vai-se resgatando um ciclo: as décadas de oitenta e noventa. Períodos áureos do SOME, em que um professor teve a oportunidade única de conhecer, se não todo, mas uma boa parte do território paraense, sua gente, seus costumes, hábitos, rituais, festas populares, crendices, gostos, cultura, culinária, flora, geografia, história, sociedade, lendas, falares, etc. Mergulhamos num território miscigenado e saímos de lá enriquecidos culturalmente e como seres humanos. Tenho certeza de que aprendemos mais nestas comunidades - com essa gente que esperava tanto de nós - do que ensinamos. Nossas experiências de sala de aula, de tantos conceitos e teorias aprendidos aos pés de grandes educadores, pensadores, sociólogos, filósofos, intelectuais de todas as eras, certamente, foram enormemente complementados com os ensinamentos simples, do dia-a-dia, de nossos alunos e alunas, de seus familiares, da comunidade escolar, do dono da quitanda, do açougueiro, do atendente da padaria, da secretária que cuidava da casa dos professores, do seu Zé pescador, do Antônio feirante, enfim, de toda essa gente do interior. Uma troca de aprendizagem: levamos e recebemos conhecimento. Um misto de ciência e senso comum. Eu poderia dizer que isso é viver; é saber aproveitar a vida ou aquilo que ela nos oferece. Porque ela existe nas coisas mais simples... E as coisas mais simples, nos tornam pessoas melhores.


Num passado recente, lá estava eu percorrendo estradas e rios, comunidades e vicinais do território paraense. Sim, eu era professor do Sistema de organização Modular de Ensino, que todos conhecemos por SOME, da SEDUC, um projeto que, depois de tantas lutas, árduas lutas, dos professores, se transformou em política pública na área da educação. Uma educação que tem custado o sangue, a mente, o coração, o tempo de vida de cada professor que fez ou faz parte dessa história, catalogada no norte do Brasil. Respondam se puderem: que outra política pública uniu tantos professores em defesa da educação, ao ponto de se reencontrarem mesmo depois da aposentadoria? Mesmo depois de tantos anos passados? Mesmo depois de serem transferidos pra capital, pra escola regular e ficarem tantos anos, aparentemente, incomunicáveis? Em que outra esfera da educação aconteceu isso, a não ser no SOME? Sim, somente no SOME iremos encontrar essas deliciosas histórias reais de vida.


Ah, a mente!... A mente é o nosso tempo psicológico, uma caixinha de surpresas onde estão guardadas as nossas memórias, todas as memórias, sejam boas ou más. Não há computador de última geração que alcance, pelo menos, 1% da capacidade da mente humana. Quem programa o computador é a mente humana. Quando abro essa caixinha, ela me leva pra onde eu quero. Porque o tempo, ali, ao contrário do tempo Chronos, fica estagnado, à minha disposição.


Então, me vejo viajando pelos municípios do baixo Amazonas. Parto das docas de Belém, no navio Rodrigues Alves, subindo o rio Pará. Passo por Breves, Gurupá, Porto de Moz. Peço uma atenção especial para o que presenciei no município de Breves. Quando a embarcação estava para aportar naquele município, a fim de carregar e descarregar mercadorias e gente, eu e todos os passageiros nos deparamos com uma cena que eu jamais poderia chamar de espetáculo, pois aquilo só me fez enxergar de forma crua e contundente, os dramas reais da miséria social que nossa gente ribeirinha enfrenta no dia-a-dia. De um lado e de outro do navio, vinham ribeirinhos, homens, mulheres, crianças, adolescentes, mulheres com crianças no colo, todos em pequenas canoas a remo, outros em rabetas com motor, arriscando suas próprias vidas na tentativa de receber as migalhas de objetos e alimentos jogados nas águas por passageiros. Eram pacotes de bolacha, frutas, roupas, biscoitos que aqueles ribeirinhos disputavam, como se daquilo dependesse a sua própria sobrevivência. Eles se apegavam de tal forma à embarcação, como se fossem filhos à espera do pai que saiu pra buscar o almoço do dia. Quando nos deparamos com uma cena assim, não tem como não nos perguntarmos: o que essa gente tomou no café da manhã? Será que tomou alguma coisa? Será que comeu um pedaço de pão? E o que teria para o almoço de hoje? E pra janta? E pra amanhã? Perguntas sem respostas que fazem cicatrizes profundas no coração, principalmente diante da incerteza no que virá no dia seguinte.


Todos os municípios têm as suas individualidades, as suas tradições, as suas histórias reais e crendices, suas festas populares, suas paixões, uma hospitalidade típica de paraense nato, que não se melindra em abraçar, apertar a mão, dar boas vindas, oferecer uma rede pra gente deitar e descansar depois de uma longa viagem. Sim, o paraense típico não se envergonha de soltar um grande “paid’égua” de contentamento, de dizer “porreta” quando algo dá certo, de chamar um estranho de “parente”. Essa é a nossa rica linguagem que só se aprende aqui. É isso o que fascina nas nossas andanças; é isso que nos faz querer ficar mais tempo; é isso que nos faz querer dar o melhor de nós em favor da educação deste povo.


Que riqueza que é esse estado, que mais parece um país dentro do Brasil, com cultura própria, mas também com cultura imigrante, de gente que veio lá do sul do país e fincou raízes aqui, trazendo suas crenças, seus costumes, sua cultura, sua culinária, suas danças e músicas com ritmos regionais que lembram suas raízes. São esses encontros entre culturas diferentes que fazem do Pará um estado tão diversificado.


Certa vez, em Gurupá (da junção do tupi guru (boca) e pa (larga), ou seja, boca larga), município localizado perto da confluência dos rios Amazonas e Xingu, a oeste da Ilha do Marajó, eu e o professor Jorge Tostes, fomos almoçar, como acontecia todos os dias, em um restaurante da família de uma aluna nossa, que ficava à beira-mar, de onde podíamos vislumbrar uma típica paisagem de cidadezinha do baixo Amazonas: um rio imenso de perder de vista, e barcos ancorados no trapiche, com movimento de pessoas que iam e vinham, vendedores, marreteiros e moradores que estavam ali pra fazer a feira, muita gente falando e gesticulando. No restaurante, aguardávamos o nosso almoço: peixe frito, feijão com charque, arroz branco, farinha d’água e açaí, prato típico da região. Ah! Não posso esquecer de registrar que o almoço era por conta da prefeitura, de acordo com o convênio que existia entre ela e a SEDUC.


Logo depois, chegou ao local um jovem rapaz com sua jovem esposa. Ele tinha sido aluno do curso de contabilidade do SOME em Uruará, município pertencente à mesorregião do Sudoeste paraense, perto de Altamira, na rodovia transamazônica. Ela havia sido minha aluna do curso de magistério. Conheci-os, durante as aulas, quando ainda namoravam. O rapaz era funcionário dos Correios. Como ele havia recebido uma carta de seus superiores, transferindo-o para Gurupá, e, não querendo ficar tão distantes um do outro, os dois apressaram o casamento e bateram asas. Conversei com eles um pouco, foi um encontro prazeroso que rendeu belas recordações de Uruará. Quando deixaram o restaurante, outra aluna, filha da proprietária do restaurante, foi me perguntar se eu era poeta, assim, de cara. Fiquei surpreso e perguntei quem havia dito isso a ela. A resposta foi: o jovem casal dos Correios. Disse que eu escrevia muitos poemas, que pendurava na parede da sala da casa dos professores; que eu havia feito um poema para Uruará, e que me chamavam de o poeta da Transamazônica.


Que bom – pensei – que nossas palavras são lidas e nossas vozes são ouvidas, mesmo quando pensamos que escrevemos e falamos pra nós mesmos; mesmo quando pensamos que ninguém está escutando ou lendo, devemos acreditar que, no meio do burburinho da multidão, sempre há alguém que nos ouve, que nos lê.


Naquele tempo – décadas atrás – a poesia embelezava as paredes da casa dos professores. Era uma poesia itinerante, com temáticas que abrangiam o tempo do autor, o ambiente, o contexto social, histórico, geográfico e cultural. Por que não falar da Amazônia? Das estradas de rios e igarapés, das crendices, das superstições, dos falares únicos? Por que não falar da miséria social, da grilagem de terras, do desmatamento das florestas, da politicagem do “toma lá, dá cá”, do amor, da família, da separação, da distância? Tudo isso cabe na poesia. A poesia itinerante é um registro vivo das mazelas e bonanças encontradas nos vários rincões do estado do Pará. Oh, como é glamorosa a literatura! Como ela entra no cotidiano das pessoas, transformando a história em arte, a sociologia em pensamento crítico rebuscado, a filosofia em texto literário tão simples e tão imponente, que leva o ser humano a enxergar a si e ao âmbito social como figuras que se completam e se harmonizam entre si.


Naquele tempo, o atelier do professor-poeta eram as paisagens, as pessoas, o lugar, a comunidade; e o seu salão de exposição, as páginas do livro, eram as paredes da casa dos professores, fossem elas de concreto ou de madeira, não importava, a poesia estava lá, pendurada numa folha de papel chamex, escrita a lápis ou caneta.


Ah, saudade dessa poesia-estrada! Que rico material histórico, literário, antropológico, social e cultural ela nos deixa como legado; que momentos inusitados na vida da comunidade preencheram o dia-a-dia do professor-poeta.


Uma vez, quando nos despedíamos dos alunos e amigos no trapiche de São Miguel de Pracuúba, uma vila do município de Muaná, quando eu e o professor Jorge Tostes, já nos agasalhávamos na proa do barco que nos levaria de volta a Belém do Pará, a diretora da escola, esposa do agente distrital e cunhada da prefeita, nos idos de junho de 1998, apareceu, de repente, correndo pela rua de ponte de madeira – como que palafitas que teimam em resistir aos ataques das águas – trazendo um papel chameguinho na mão, gritando: Peraí! Peraí! Gente, o professor é um poeta! Ele compôs um poema pra nossa comunidade!


Foi assim a nossa despedida de São Miguel de Pracuúba. Aquela voz ecoava em meio ao barulho do motor e, enquanto o barco começava a se afastar do trapiche, a diretora acenava pra gente, dizendo: “Obrigada!” Aquele seu gesto simples, espontâneo, pagava todo o nosso salário. Era assim que eu pensava.


O poema a que ela se referia era este:

           São Miguel”

Ó ditadura das águas!

    Mareja... Mareja

      Sob as palafitas heroicas

        Encravadas no teu Marajó...

 

                Vem! Tortuoso rio

            De lendas e furos...

      Emporreia com tuas vagas

O caipira acabrunhado

    Margeando os icebergs

         Folheados de verde cor.

 

            Vai! Leva o imponente gaiola

                   Atado de redes e de gente

                          Como amontoado de roupa

                    Estendida no quarador

            Do teu quintal...

 

Lua, raios, trovões!

      Clareai os campos de São Miguel,

            Inundados de orvalho,

             Derramando o lirismo melancólico

       Que se desprende do fundo da alma

Da alma do poeta.

 

Como não se deixar influenciar pelo lugar que Deus te deu oportunidade de conhecer? Como não escrever sobre essa gente, essa comunidade, esse rio? Se eu não tivesse ido ali, o poema de São Miguel jamais existiria, jamais seria escrito, nem ele, nem outros tantos que refletem a existência dessas comunidades, muitas vezes desconhecidas do povo da capital paraense.


Quem eram e quem são esses poetas sem nome, que ajudaram a construir a poesia estrada? Eis o professor Medeirinho que canta a Amazônia, os falares e conversas caboclas, a fauna e a flora paraense; eis o professor Nonato Bandeira, cujos versos viram poemas musicados; eis o professor Arnaldo Rodrigues, que enobrece Belém e a bucólica Mosqueiro com seus versos talhados; eis a professora Cristiane Margareth, que cantava e decantava o tema do amor, da paixão; eis o mestre Edgar Castro com seus versos filosóficos que emitem uma reflexão necessária; eis a professora Eulália Vieira, que engrandece o tema da família, do amor; eis o professor Cláudio Paixão, que vem trazendo cantos mitológicos, influenciados pela sua própria formação acadêmica; eis o professor Ariosnaldo Andrade, que nos deixou seu legado in memoriam; eis o professor Silvio dos Anjos, que tem nos blindado com seus poemas e romances; eis o professor Eládio Delfino que, além de poeta, dirige o jornal do SOME; eis o professor João Furtado, que canta e nos encanta com seus versos realistas, abstratos, e outros que enaltecem a figura feminina; eis o professor Arodinei Gaia, cametaense da gema, que canta, conta, cria e recria com seus relatos amazônicos cheios de costumes e historicidade; eis o professor Nelson Fonseca, da disciplina Língua Portuguesa que, mais que mestre, era poeta; eis a professora Valdineia Rocha, que criava versos sensíveis, doces que nem ela, e reflexivos; eis o professor Jorge Paulino que dava vida aos versos e o mais fino trato; eis as professoras Antônia Negrão e Maria do Carmo, professoras da velha guarda, mas também poetisas, cujos versos estão por aí, a esvoaçar.


Onde estão estes poetas e essas poetisas da velha guarda? Por onde caminham? Pois muitos deles estão na primeira lista do projeto de Antologia Poética do SOME, o primeiro livro com participação dos antigos e novos professores. Um projeto que começou seus primeiros passos lá, na década de 1997, e aí já se vão vinte e quatro anos, mais de duas décadas.


Depois que começaram a cortar direitos dos professores que atingiram diretamente seus salários, muitos pediram transferência pra capital, ou foram forçados a pedi-la; outros se aposentaram; outros foram se aperfeiçoar na pós-graduação; outros morreram; outros permaneceram no SOME, e ainda estão até hoje, como é o caso do professor Antônio Medeiros, o Medeirinho, de Língua Portuguesa, que continua produzindo belas poesias, com um acervo incontável. Mas e os outros? Os tantos outros? A professora Eulália foi fazer o seu pós-doutorado em Portugal; o professor Nonato Bandeira aposentou-se e mora no bairro do samba e do amor, e continua compondo sua poesia de amor e de amigo musicalizada; o professor Arnaldo continua trabalhando em Belém e produzindo músicas e poesias; a professora Cristiane Margareth aposentou-se e lutava contra um câncer; o professor Edgar Castro estava atuando em uma escola pública no Tenoné, mas continua produzindo poesia; o professor Cláudio Paixão ainda atua em escolas na Região Metropolitana de Belém; o professor Ariosnaldo faleceu a alguns anos; o professor Nelson Fonseca pegou o Ita e sumiu, não se tem notícia; a professora Valdineia Rocha também sumiu pelas paragens de Belém; sobre as professoras Antônia Negrão e Maria do Carmo não se tem notícia.


Um dia, essas mentes, essa gente se encontrou e se identificou entre si, e surgiu a vontade de juntar os pensamentos, as ideias, os versos, e essa vontade foi crescendo, crescendo até virar um projeto de vida dos professores-poetas do SOME. Então, surgiu a ideia de juntar numa coletânea a poesia-estrada produzida nessas andanças dentro e fora do SOME. A ideia está se concretizando, está tomando forma, e quando isso acontecer os poetas não serão mais sem nome, sem identidade, não serão mais como que uma sociedade de poetas mortos, porque o legado deixado por cada um deles ou delas, estará sendo declamado na sala de aula da capital e do interior; estará inspirando alunos e professores a lutar por aquilo que acreditam; estará sempre pregado na parede da casa do professor em algum lugar do interior, como em Açaiteua, distrito de Viseu, quando deparei-me com uma aluna em meu quarto, na casa dos professores, com papel e caneta na mão, olhos fixos na parede, copiando um poema pendurado e rascunhado em oito folhas de papel chameguinho, que dava quase do teto até o chão. Ela olhou-me rapidamente e disse: “concordo com tudo!”


O poema que ela estava a copiar era “O viseuense”. Mas isso, isso fica pra uma outra vez.

 

Marudá, 1 de novembro de 2021

Carlos Alberto Prestes

(Professor-poeta)