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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Feliz 2019



O Blog do Riba deseja um ano de prosperidade, paz, luz, saúde, alegria, energia positiva e um mundo mais justo com igualdade social. 


Que continuemos firmes na defesa de um Brasil democrático, com muitas lutas e resistências. O ano que chega vai exigir de todos os trabalhadores coragem para avançar pelas suas conquistas de direitos e impedir que os retrocessos se consolidem.


Feliz 2019 para nossos colaboradores e leitores. Abraços.



quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

DESAFIOS


                                                                               TIESE TEIXEIRA JR




           
À medida que o barco se aproximava da ponte principal, daquela pequena cidade do Baixo Amazonas, meus nervos se agitavam. Fui tomado por um medo sem explicação, parecia que aquele era o meu primeiro módulo como professor, eu que já estava naquela vida há uns dez anos. Senti uma tristeza enorme. Meu colega, professor de geografia deu um sorriso, bateu no meu ombro e disse que, no final daquele período eu iria sentir falta do lugar. Claro que resmunguei de forma negativa. Imagina saudade disso aqui, pensei comigo.



Ficamos no cais. Assisti à partida do barco, querendo mesmo seguir viagem. Caminhamos em direção à casa dos professores. Chegando lá, estava fechada. Logo, uma vizinha, daquelas portadoras de más notícias, veio nos dizer que não havia água e nem energia elétrica na casa. Ficamos uns trinta minutos esperando a diretora da escola aparecer, e confirmar as informações que já tínhamos. Naquela noite dormimos num hotel. Nossa como tinha mofo naquele quarto. O ventilador do teto rodava lentamente, e pela pequena janela, entrava mais folhas, trazidas pela ventania, que vento propriamente.



Bem, dormimos ali. Bem cedinho fui acordado por uma voz bem potente de uma mulher, que imaginei estar brigando com alguém. Estava errado. Era sua forma natural de falar. Tomamos café e fomos conhecer a escola. Saber de horários e número de turmas. Quando voltamos fomos comunicados que a casa dos professores já estava pronta para nos receber. Pegamos nossas malas e partimos. Como era quente aquela casa. Naquele módulo dormi a maior parte do tempo na área da casa. Só possível, por que morávamos no segundo andar.



À noite, começamos a trabalhar. Eu, e meu colega, os demais, ainda não tinham chegado. De cara gostei de todas as turmas. Os alunos pegavam as explicações rapidamente. O conteúdo fluía. O tempo parecia passar mais depressa. A localização da escola favorecia as aulas. Localizada numa área ampla, com salas ventiladas e uma distância adequada entre as salas de aula, aquele ambiente logo fez desaparecer meus sentimentos do dia da chegada.



Aqueles alunos carregavam uma energia, uma vontade de estar ali, que me levaram por várias vezes a extrapolar o horário das aulas. Havia uma atmosfera diferente no ar. Sempre que entrava nas aulas, parecia ser transportado pra outro lugar. Estudamos vocabulários, estruturas gramaticais, lemos, produzimos textos e cantamos, ah! Como cantamos naquelas aulas. Por vezes desafiava alguém em especial a ler ou cantar, e eu sempre perdia os desafios. Mas perdia-os com gosto. Acho que nunca dei tanta risada em toda a minha vida de professor como naquelas aulas.



Com o passar dos dias, comecei a perceber que já tinha lembranças de fatos ocorridos naquela cidade, naquela escola, com aqueles alunos. Às vezes era tomado por uma sequência delas. Eu que vivia com o calendário nas mãos contando os dias pra terminar o módulo, me peguei deixando a folhinha de lado. Mergulhado na gostosura de aulas que jamais pensei, pudessem me provocar tais sensações.



De repente, o tempo passava mais depressa e o fim daquele período se aproximava. Começaram as articulações das turmas pra realização de festas de despedida. Sempre que ouvia alguém falar algo sobre o assunto, pensava que em breve não estaria mais ali. Entre alunos tão especiais que me faziam repensar minha prática pedagógica. Experimentar coisas novas. Eu que julgava já não ter mais o que descobrir em sala de aula, me pegava como uma debutante, no primeiro dia, parecia estar descobrindo as belezas de ser professor ali, no lugar em que outrora, nem quisera desembarcar.



Mas enfim, chegou o último dia de aula do módulo. Fui pra escola fazer a entrega das provas finais e das notas. Os alunos foram todos aprovados. Tem professor que gosta de dar a nota mínima, sempre gostei de dar a nota máxima, dez, claro que tem aqueles que não a alcançam, mas nem por isso ficam reprovados. À noite, foi de fato especial. Leitura de poemas, músicas de voz e violão... Declarações carinhosas de ambas as partes, e óbvio, comilanças, se não, não seria uma festa de enceramento.



Na tarde do dia seguinte parti. Deixei pra trás alunos inesquecíveis. Levei comigo, uma mala a mais na bagagem, carregada de experiências que tornaram minha caminhada na docência, bem mais prazerosa. Dali em diante sempre que apareceu uma turma daquelas que nos desafiam, lembrei-me dos meus alunos do baixo amazonas e senti força pra me reinventar como professor.



CONTO DO LIVRO ESCOLAS DA AMAZÔNIA: MEMÓRIAS, BELÉM, PAKATATU, 2015 TIESE TEIXEIRA JR É PROFESSORA DA ESCOLA BÁSICA, NO INTERIOR DO PARÁ. PESQUISA E ESCREVE LIVROS SOBRE AS AMAZÔNIAS BRASILEIRAS.                                             

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O Some nas águas da Amazônia








Cotidiano dos alunos ribeirinhos do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME. Imagens dos anos de 2006, 2007 e 2008, quando trabalhei nas Ilhas, do município de Abaetetuba.








Experiências importantes e produtivas durante os três anos que desenvolvi minhas atividades pedagógicas, como educador nas águas da Amazônia.








Fazendo a leitura das imagens, elas refletem uma realidade constante. O grande fotografo Sebastião Salgado disse tudo, que as imagens falam.
 




























quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Some e seus desafios









O Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME, é uma verdadeira escola de sobrevivência, não só pela questão salarial, porém, com desafios que enfrentamos ao longo desses 38 anos, como saltimbancos da educação, em todo o Estado do Pará, para realização de sonhos dos filhos dos trabalhadores camponeses, ribeirinhos, quilombolas e indígenas.








Essa é apenas, uma pequena demonstração dos desafios, que enfrentamos nos deslocamentos para o trabalho, nas localidades, assim como, colegas que viajam por mar e ar. Mesmo o governo do Estado, representante da política neoliberal e do grande capital, querendo exterminar o Some, política pública importante para o desenvolvimento social, econômico e político, estamos resistindo com apoio de todos os segmentos da sociedade, sendo protagonistas da construção de uma educação pública, digna e de qualidade.





segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

AR DE LIBERDADE

                                                             
                                                                 TIESE TEIXEIRA JR,




Minha mãe era servente naquela escola. No turno da noite. Eu devia ter uns dez anos de idade, e a acompanhava todas as noites no seu turno de trabalho. Às vezes, até ajudava com a limpeza das salas de aula. Minha mãe era semianalfabeta. Conseguiu ser contratada para o trabalho através da ajuda de uma grande amiga. Eram duas naquele horário, nos dias em que havia merenda pra fazer, o trabalho dobrava. Por sorte morávamos próximo da escola e isso facilitava muito.



A escola vivia um grave problema de falta de água. Por isso era comum levarmos as panelas grandes, em que era feita a merenda, pra serem lavadas em casa. Eu passava boa parte da manhã puxando água do poço pra ajudar no trabalho. As mãos de minha mãe viviam cheias de calo, da corda do poço. Eu era a filha mais nova, de um total de 5 irmãos. A escola tinha sido inaugurada há pouco tempo. Era toda bem pintada. Houve uma grande festa de inauguração. Até o governador do estado esteve presente. Deveria ter umas 12 salas de aula. Um dos blocos era de dois andares. Sempre que era possível eu dava uma escapadinha e subia lá no andar de cima e ficava olhando pra baixo, me sentindo gente grande. Me perguntava se um dia eu estudaria numa sala daquelas.



No dia da inauguração foi dito que lá funcionaria apenas o segundo grau Modular. Entendi que era mais ou menos assim. Os professores vinham da capital, pois não havia professor formado na cidade. Eles ficavam alguns meses, depois iam embora e vinham outros professores. Eu pensava como deveria ser interessante a vida deles. Viviam viajando de um lado pra outro, conhecendo lugares e pessoas diferentes. Eu queria ter uma vida assim. Minha irmã era aluna do curso de contabilidade, certo dia eu fui com ela à casa dos professores. Ficava no centro da cidade, era uma casa grande e cheia de gente. Gostei do ambiente. Havia um ar de liberdade.



Era o mês de junho, e no final daquela semana aconteceria à primeira festa junina da escola, em que minha mãe era servente, eu estava muito animada, comentava-se muito sobre como seria a festa. Na minha escola também haveria festa, mas em nada se parecia com a da escola do segundo grau. Lá, sim era que as coisas boas iriam acontecer. Não via a hora de chegar à sexta-feira.



Mas bem, chegou o dia da festa na escola. Minha irmã seria a noiva do “casamento na roça”. Passou o dia montando o vestido. Uma correria só. Eu do meu lado passei o dia com a minha mãe na escola, afinal a diretora, carinhosamente pediu que todas as serventes ajudassem na organização, mesmo aquelas que não eram do turno. Afinal, a festa era de toda a escola. Sempre gostei da forma como aquela diretora falava com todos da escola. De forma calma. Até mesmo quando chamava a atenção de alguém.



Lembro como se fosse hoje, quando entrei na escola, havia várias barracas com comidas diferentes pra vender, uma barraca do beijo e até uma “cadeia”. Não entendi nada na hora. Depois me explicaram. Achei estranho. Devia ser coisa de gente da cidade grande, sei lá. Eu queria mesmo era ver a quadrilha dançar. Primeiro a diretora fez a abertura da festa, leu a programação da noite e claro, agradeceu às pessoas que estavam ali trabalhando pela escola.



Fui chamada pra ir à cozinha com a minha mãe. Não queria arredar o pé da quadra da escola, mas por fim, eu fui. Lá chegando, ganhei uma porção de arroz doce! Humm que delicia! Comi rapidamente, e logo voltei pro local principal da festa. A primeira atração foi da quadrilha da minha escola, veio dançar como convidada especial. Confesso que me senti orgulhosa! Eles foram aplaudidos no final da apresentação. Mas então, a quadrilha dos alunos do sistema modular foi chamada. Nossa! A miss caipira estava linda! Primeiro dançou sozinha um carimbó, trazia um leque vermelho, que ora estava na mão direita, ora na mão esquerda. Eu não sabia pra onde olhava.



Depois, entraram os outros participantes da quadrilha e apresentaram mais duas danças. Na sequência, veio a o casamento na roça. Aí, foi riso geral. Uma professora da minha irmã entrou puxando ela pelo braço, e ao mesmo tempo em que se reclamava da vida, brigava com a noiva, dizendo que sua vida estava acabada, pois ela estava grávida e teria que casar-se imediatamente. Em seguida entraram os pais do noivo, um delegado, um juiz, um padre... E por fim um aluno vestido de mulher dizendo que era namorado do noivo. A cada nova entrada, as gargalhadas só aumentavam, e assim foi até o final da apresentação.



A essa altura já deveria ser umas dez horas da noite, então minha mãe se aproximou de mim e disse que já era hora de irmos embora. Ela teria que acordar cedo no dia seguinte, pra ajudar na limpeza da escola. Por mim, tínhamos ficado mais tempo na festa. O sono passava longe de mim naquele momento. Mas, já tinha visto a quadrilha e o casamento. Estava satisfeita. Naquela noite, ainda fiquei boa parte do tempo acordada em minha rede. Pensando como seria bom participar daquele casamento, ou dançar naquela quadrilha!


DO LIVRO ESCOLAS DA AMAZÔNIA: MEMÓRIAS

TIESE TEIXEIRA JR, BELÉM, PAKA-TATU, 2015.


TIESE É PROFESSOR DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA NO PARÁ

PESQUISA E ESCREVE PARA A DISCIPLINA DE ESTUDOS AMAZÔNICOS DESDE 2007.

sábado, 8 de dezembro de 2018

A MINHA PRIMEIRA VEZ NO SOME






                         *Profº AroDinei Gaia








A minha primeira vez no Sistema de Organização Modular de Ensino, foi um momento poético, que revelou-se um misto de encanto com o novo trabalho e a constatação do modo secundário que a educação é tratada no estado o que reflete o que ocorre no Brasil.








Poético por que comecei numa comunidade ribeirinha, cujo cenário, por sua natureza e beleza amazônida, já tem tudo a ver com poesia. Posso afirmar, inclusive, que as viagens moduleiras me proporcionaram inspiração e tranquilidade para escrever a maioria de minhas obras, aliás! posso considerar que todas foram fruto das vivências moduleiras.



Ingressei no SOME no final do ano de 2003, quando este, ainda era um projeto. Por sinal um ano sombrio por conta da reformulação via Rosa Cunha que acabou por trazer perdas consideradas para o seu ideal funcionamento. Então! continuando essa narrativa de aventura educacional, fui contratado nesse ano para trabalhar no município de Limoeiro do Ajurú, município este que nasceu do útero de minha amada Cametá.



Como meu contrato foi assinado final do ano, no dia 11 do mês de dezembro, fui lotado logo na reposição, iniciada logo após as festas natalinas e de réveillon. Deste modo, no começo de janeiro me apresentei na sede municipal para a então coordenadora local profª. Sônia, pela qual fui agradavelmente recebido por ela e por seu esposo e também moduleiro na área dos números professor Elson. Fiquei hospedado na residência do próprio casal até a manhã seguinte, quando me desloquei para a localidade de Rio das Flores, cujo cátedra docente me aguardava.



O casal de professores me colocava os problemas que enfrentavam no município, principalmente, pela carência de profissionais para atender as localidades. Na época Limoeiro contava com as últimas turmas de magistério do curso normal. Fui lotado para trabalhar com língua estrangeira, porém quando expus minha formação em curso de pedagogia fui quase ovacionado pelos anfitriões moduleiros. Depois me disseram que o motivo da alegria era por conta da grande quantidade de disciplinas que ficaram pendentes durante o ano, desta forma eu “caíra do céu”, pois tal problema eu poderia resolver, assim fui lotado também em estágio supervisionado, sociologia da educação, prática de ensino, etc, uma verdadeira “avalanche de disciplinas”.



Essa realidade de carência docente se contrastou com o rico e ilustre tratamento que recebi na localidade. Rio das Flores, na região da Ilha de Araraím, além de ser formado por um povo hospitaleiro, o prefeito municipal ainda custeava a hospedagem do professor no lugar. Assim, fui hospedado, juntamente com os professores Elson, Franklin e Trovão, numa vila ribeirinha de pescadores, numa residência confortável, mobilhada, com motor de luz e duas funcionárias para nos atender (uma cozinheira e outra para cuidar da casa) nos alimentando de peixe da maré, quase sempre, presenteado pelos moradores. Limoeiro, diferente de Cametá, mantinha grande parte do auxílio perdido em meados de 2003. Ali, eu e os demais colegas nos sentíamos valorizados enquanto profissionais da educação, usufruindo das benesses que todo educador deveria ter.



Fazendo adaptação de horários e contando com o brioso esforço dos estudantes, conseguimos solucionar as pendências de disciplinas e fomos recompensados com o reconhecimento do trabalho, pois mesmo com a deficiência letiva, fruto da má gestão governamental ao final foi premiado com a aprovação de vários alunos da turma do terceiro ano no vestibular. Inclusive uma das minhas alunas, Wânia Alexandrinho, acabou tornando-se também, minha colega na faculdade de história na Ufpa e hoje desponta no cenário acadêmico com o nível de doutorado, coroando o orgulho moduleiro.



Finalizo por aqui destacando que: o cafezinho da tarde, uma rodada de pôquer, banho de rio, o papo agradável no final de tarde na cabeça da ponte com os moradores, foram momentos inesquecíveis que marcaram essa primeira experiência de aventura educacional moduleira, que mais tonificante se tornava quando a noite a lua vinha nos visitar no céu de Limoeiro.



* O autor é lotado na Ure de Cametá, como educador do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME, escritor e cordelista. Suas obras retratam personagens regionais da cultura amazônida.