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segunda-feira, 1 de julho de 2013

A Revolta dos Centavos




                                                            * Valdivino Cunha da Silva
  
     
Qualquer avaliação que se faça do que está ocorrendo hoje no Brasil, corre-se o risco de erro. Mas só erra quem ousa. Não sou dono da verdade, errar faz parte da tentativa do acerto. A sociologia ensinou-me a analisar os fatos, mas não me garantiu certezas em minhas análises, portanto, vamos a elas.

A situação da Presidenta Dilma ante os fatos que estão ocorrendo ultimamente no Brasil, me faz lembrar a passagem de um filme que assistir sobre a Revolução Francesa quando um súdito chega ao Palácio de Versalhes onde o rei Luiz XVI vivia enclausurado, vivendo outra realidade. O súdito veio dar a notícia dos levantes que estavam ocorrendo na França. Ele pergunta ao súdito se o que estava ocorrendo na França era uma revolta. O súdito então lhe disse “não majestade, é uma revolução”. O resto da história francesa todo aluno que já concluiu o ensino fundamental sabe. O mundo nunca mais foi o mesmo depois do ano de 1789, ano da Revolução Francesa.

Imagino que quando a Presidenta soube das primeiras noticias ou viu pela televisão a multidão em marcha, deve ter perguntado aos seus assessores se aquilo era uma revolução. Eles certamente disseram que não, que aquilo era apenas uma revolta, portanto, diferente de revolução, pois esta traz em seu bojo, mudanças radicais, estruturais, enquanto aquela, expressa apena uma insatisfação de um povo, de uma nação.

As manifestações de insatisfação custaram demais para acontecer, mas aquele dito popular que diz que “antes tarde do que nunca” se aplica ao caso brasileiro. Alguns pontos precisam ser levados em consideração para compreensão das mobilizações que vem ocorrendo, um deles diz respeito a cooptação pela qual passou as lideranças que foram formadas nas lutas sindicais, nas associações, nos movimentos sociais ao longo de muitos anos e que hoje estão nos gabinetes governamentais, viraram lideranças chapas brancas, surgindo, portanto, um vácuo de novos líderes.

O abismo entre pobres e ricos é um fato relevante, chega a indignação e contradição. Indignação pelo privilégio de uma minoria e indignação pelo contraste, pois ao mesmo tempo em que se tem transporte, saúde, educação e serviços públicos precários, o governo gasta bilhões para atender aos ditames da FIFA, Federação Internacional de Futebol sediada na Suíça, país que tem um alto padrão de vida, oposto do nosso. Esse estado de coisas funciona como combustível e motor de revolta.

Achava que a atual geração não  ia escrever sua história, mas eles dirão aos seus filhos, que diferentemente de seus pais(no qual me incluo), não precisaram usar o “boca de ferro” , as assembleias, o corpo a corpo e a panfletagem para convencer os “companheiros(a)” a ingressarem na luta. Eles dirão aos seus filhos que o meio de mobilização mais eficiente foi feito pela internet através das redes sociais, mais especificamente o Facebook. Esta ferramenta pode até ser questionada quando ao seu poder formador, mas não se discute sua instantaneidade, muito útil na era globalizada. Essa ferramenta possibilita encurtar distâncias, pluralidade de opiniões e num só clic une  o internautas do norte ao sul, cada um deles podendo opinar, sem precisar levantar um crachá ou pedir uma “questão de ordem” ao coordenador da mesa, como no tempo em que militei no movimento social e sindical.

Outro fato que merece atenção é a ausência dos partidos políticos. O povo notadamente, os jovens, rejeitaram veementemente os partidos políticos. Respeito e entendo os porquês de total repulsa aos partidos políticos. Todos sabem que eles viraram um instrumento de negócios ilícitos e fonte de corrupção. Mas o mal não está nos partidos e sim na forma de como ele é conduzido até porque a corrupção não está apenas nos partidos, muito embora alguns deles não deveriam  se quer existir. A corrupção infelizmente está presente em diversas instituições, sejam elas públicas ou privadas. O que precisa ser mudado é a sociedade como um todo. Que ela não seja conivente com esse estado de coisas.

                Também merece uma análise o comportamento das massas e da pauta. das reivindicações. As massas exerceram o principio da democracia plena, onde o povo age por si mesmo e sem intermediários (representantes). Ações dessa natureza têm méritos e desmérito. Mérito pela autonomia, desmérito por ser acéfala, sem norte. Não tem um foco específico, prova disso é que a revolta começou pelo abuso nos preços das passagens dos ônibus urbanos e pela precariedade nos serviços prestados e tomou novos rumos, todos eles justíssimos, fruto de uma indignação e não de uma ação pensada, aliás, essa é uma das características das massas.

O povo deu um show à parte, em que pese uma minoria que se aproveitou da situação, furtou e depredou o patrimônio público. Que quebrassem as vidraças das multinacionais, vá lá,  agora, danificar o que é de todos, é lamentável, mas entra na conta da indignação.

Eu não queria está na pele da Presidenta Dilma, ela está entre a cruz e a espada (ou entre Deus e o diabo, se preferirem) pelo fato de que ela é chefe de Estado e o Estado é o responsável por “garantir a ordem pública e o direito de ir e vir das pessoas e da propriedade privada, enfim, o Estado tem o monopólio da força e assim pode usar quando bem entender.  Ela está bebendo o próprio veneno. Foi assim que o partido da qual ela faz parte - PT(e que eu já defendi) ensinou a fazer, ou seja, ir às  ruas e radicalizar quando necessário fosse.

O Governo da presidenta Dilma tem falhas, mas tem também seus acertos, porém nem por isso vamos deixar de lutar por uma vida melhor, por um Brasil mais justo e igualitário. Ela ousou enquanto chefe de Estado quando foi à televisão e disse que a nação brasileira estava de parabéns ao ir às ruas reivindicar direitos; Ela foi fiel a sua história de ex-presa política.

Assim como a primavera Síria, o verão brasileiro nunca mais será o mesmo. O sol escaldante de verão, mexeu com o comodismo do povo brasileiro. Cansamos de ficar “deitado eternamente em berço esplêndido” e partimos para uma luta, um tanto quanto desigual, mas que já tem alguns significados importantes a serem contabilizados como é o caso da rejeição da PEC 37 que pretendia excluir através de Emenda constitucional o Ministério Publico das investigações criminais que iria contribuir ainda mais para a impunidade. Outro avanço importante como fruto das vozes da rua foi que entrou na pauta de votação do Congresso Nacional projeto que considera a corrupção como crime hediondo, o que destinou 75% dos  royalties do petróleo e do gás natural para a educação e 25% para a saúde, enfim, está na pauta de discussão do Congresso Nacional,  projetos importantes que pelo visto agora serão votados de maneira mais rápida e transparente  e que vão ao encontro dos anseios da população. Não se sabe ao certo até quando essas manifestações durarão, o que é certo é que podemos dividir  a dinâmicas das lutas sociais em dois momentos: antes e depois  da revolta dos centavos.

  * O autor sociólogo e professor de sociologia da rede publica estadual de ensino

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