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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS NO S.O.M.E.: desafios, aprendizados e superações




                                                 * Raimundo do Rosário



                        A educação escolar paraense (formação de 2º e 3º graus), até a década de 1980, estava concentrada na capital – Belém. Assim, se alguém de outros municípios, desejasse continuar os seus estudos, teria que mudar-se para a capital do Estado. Essa condição forçava muitas pessoas desistirem de prolongar os seus estudos, sobretudo por não terem como se instalar e se manter na cidade - grande.



                     O desenho demográfico paraense crescia de modo vertiginoso e desordenado, com o advento do movimento migratório ora programático e falho - criado pelo governo federal; ora espontâneo e autônomo, para diversas mesorregiões do Pará, contribuindo para o aumento dos conflitos agrários no campo. À medida em que se organizavam vários povoados e currutelas, surgia a necessidade da construção de infraestruturas urbanas, que mais adiante contribuiriam para a criação de novos municípios. 



                      O Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, surge como uma proposta   emergencial de Educação Pública, para atender demandas de estudantes existentes nos municípios. Do ponto de vista pedagógico, o seu perfil identitário se coaduna com a Pedagogia  da Alternância, porque em linhas gerais, o seu perfil de atuação, se coaduna com   processo ensino-aprendizagem  construído a partir da realidade  do meio sociocultural discente, projetando-se para dimensões regionais, nacional e global, pautado em uma linha filosófico-pedagógica crítico – reflexiva e progressista, e portanto, contribuindo para a formação de atores sociais ativos e transformadores qualitativos da sua realidade. Além de que, a formação discente no seu locus, contribui para que o mesmo continue na sua terra de origem, e participe do desenvolvimento daquela.



                      Coube a Fundação Educacional do Pará – FEP, em 1980, sob a coordenação do educador Manoel Moutinho, criar uma equipe interdisciplinar de técnicos em educação e docentes, construir, e dar os primeiros passos na aplicação do SOME, em municípios relativamente próximos a Belém. Após o primeiro ano da experiência-piloto ter sido positiva, nos anos posteriores cresceu a solicitação para que o SOME se instalasse em tantos outros municípios. E como o escopo acadêmico da FEP era o 3º grau, o Projeto SOME foi transferido para a responsabilidade da Secretaria de Estado de Educação e Cultura – SEDUC, salvo engano, a partir de 1983.       




Minhas Vivências Profissionais no SOME     




                        Utilizarei a primeira pessoa do singular para fazer este relato, e como metodologia, utilizo a história de vida.



                        Recém graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Pará – UFPA, em 1986 e desempregado, encontrei na página de Classificados do Jornal A Província do Pará, um anúncio pequeno e discreto, que comunicava o cadastramento de professores que desejassem dar aulas no interior do estado, via Sistema Modular. Não hesitei e de imediato, procurei o Departamento de Ensino de 2º Grau, da SEDUC, na Rodovia Augusto Montenegro. Ouvi detalhes da proposta de trabalho e fiquei interessado, mesmo porque a remuneração era boa. Fiz meu cadastro e fiquei aguardando ser convocado.



                        Uma semana depois, fui convocado para fazer um treinamento sob a coordenação da equipe pedagógica do SOME, nas instalações do então Colégio Lauro Sodré, na Avenida Almirante Barroso. Fiquei entusiasmado com a proposta do trabalho e sobretudo porque trabalharíamos em quatro localidades distintas, em forma de rodízio, durante um ano letivo. 


  
                        Para facilitar a minha vivência profissional no SOME, divido-a em três momentos ou fases.  O primeiro momento eu chamo de Fase Áurea (de 1980 a 1989); o segundo, denomino como Fase de Expansionismo Acelerado (de 1990 a 1999); e o terceiro momento, chamo de Fase de Contingenciamento Estrutural e de Incertezas (a partir de 2000 aos dias atuais).  


  
  # 1º Momento:  Fase Áurea (de 1980 a 1989).  



              O meu ingresso no Sistema Modular de Ensino se deu em um contexto conjuntural peculiar daquela época. Senão vejamos:  



a)       Em nível global, o Estado do Bem-estar Social já cumprira o seu papel de restaurador econômico-financeiro do epicentro capitalista. E o Toyotismo se apresentava como o novo paradigma produtivo capitalista. O Estado Neoliberal (articulado por Ronald Reagan e Margareth Tatcher), se apresenta como modelador geopolítico pragmático para atender as demandas estruturais da nova ordem mundial emergente, cujas medidas viriam se refletir no cotidiano brasileiro nos próximos anos;



b)      Em nível nacional, vivenciávamos a transição política do regime de exceção para o regime democrático; pois, do ponto de vista institucional estávamos saindo do regime militar;  



c)       O Brasil era regido por uma Constituição Federal encomendada pelo Presidente Artur da Costa e Silva, ajustada pelo Congresso Nacional, outorgada em 1967 e que foi reformada em 1969; 



                d) José Sarney assumira a Presidência da República em caráter excepcional, em março de 1985, face a morte de Tancredo Neves; tendo sido este o último presidente da República eleito de modo indireto, pelo colégio eleitoral, com mandato de seis anos; 



                e) O Sistema Educacional Brasileiro – SEB era regido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 5.692/71;



                f) Com a redemocratização do país, Jáder Barbalho – apoiado pelo   ex governador dissidente do regime militar - Alacid Nunes, se elegeu para este cargo, em 1982. A partir do governo jaderista, o Sistema de Organização Modular de Ensino, não só paulatinamente se expandiria, como também se consolidaria enquanto proposta educativa alternativa e eficaz; 



                g) Portanto, pelo prestígio adquirido, o SOME tornou-se moeda de troca concernente as relações de poder, dominação e prestígio, entre os grupos políticos e empresariais municipais, e o governo do Estado. E que tal constatação influenciaria negativamente na estrutura logística e operacional do SOME, posteriormente.



                        Após oito dias de intensivo treinamento sobre a dinâmica operacional do SOME, eu e cerca de quarenta e oito (48) docentes - sem saber - fomos avaliados de diversas formas (escrita, oral e sensoriais). Ao termos sido selecionados, fomos indicados para sermos contratados como serviços prestados, para atuar como professores nas diversas habilitações profissionais que o SOME ofertava para os municípios (Técnico em Administração, Contabilidade e Curso de Magistério). 



                         Fui indicado para atuar no Curso de Formação em Magistério para professores de 1ª a 4ª séries do ensino de 1º grau, para lecionar a disciplina Fundamentos da Educação II, cujo conteúdo programático compunha-se de Filosofia, História e Sociologia da Educação, com três horas/aula por turma em uma semana.  Fui destacado para atuar no circuito formado pelos  municípios de Portel, Irituia, Oeiras do Pará e Limoeiro do Ajuru.  E após ter sido apresentado aos meus colegas de equipe de minha disciplina-mãe, passamos a planejar o ano letivo de 1987. A nossa equipe docente era composta por Sociólogos e Filósofos, que naquele ano foi composta pelos seguintes   professores: Agostinho Araújo, Carlos Lima, Estelita Pantoja, Jerônimo Cruz, Lúcia Melo, Raimundo do Rosário e Sílvia Lemos.   



                          O entrosamento com os colegas veteranos da equipe de Fundamentos da Educação II, com a equipe técnica do Departamento de Ensino de 2º Grau – DESG, e com a Equipe de Coordenação do SOME, foi rápido pois, todo mundo estava focado no trabalho a ser desenvolvido nas localidades para as quais viajaríamos. Essa empatia tinha um forte motivo para acontecer porque a Diretoria de Ensino – DEN, foi assumida por uma educadora que fizera parte da equipe que criara o Sistema Modular, na FEP, a Pedagoga Aldalice Wotherloo.  Já o DESG foi assumido pela sua assessora direta, a Pedagoga Albene Lis Monteiro.



                        Por isso, o DESG em conjunto com a Coordenação do SOME trabalhavam com afinco no sentido de dar o suporte necessário para os professores viajarem, com todas as condições possíveis, no desempenho de seus trabalhos. E isso era evidente diante da estratégia de gestão e da logística que fora criado para o funcionamento qualitativo do SOME, pois:      



a)       A simetria administrativa entre a DEN, DESG e Coordenação do SOME facilitava, sobremaneira, a retroalimentação de recursos de toda a ordem para o funcionamento do Projeto;



b)      Compra de passagens aéreas (ida e volta), para localidades distantes e ou de difícil acesso;


c)       Criação no DESG, de um acervo bibliográfico e de recursos tecnológicos para subsidiar as atividades educativas dos professores. Esse acervo podia ser emprestado por tempo determinado;


d)      O DESG dispunha de uma equipe interdisciplinar de professores, que orientavam e auxiliavam pedagogicamente os docentes do Módulo, nas suas respectivas disciplinas;



e)      A Coordenação do SOME possuía uma equipe técnica que, todo ano fazia uma assessoria nos municípios, no sentido de verificar como as equipes de professores do Módulo tinha trabalhado. Entretanto, essa visita técnica poderia ser excepcional, caso houvesse algum problema nesse ou naquele município. Caso o problema não fosse resolvido com a visita técnica, o mesmo era transferido para ser analisado pela Coordenação do SOME, em Belém;



f)        O Sistema Modular de Ensino só funcionava nos municípios, mediante a celebração de um convênio entre a Governo do Estado, representado pela SEDUC e o Município solicitante. Nesse convênio, a SEDUC entrava com o corpo docente, vencimentos e ajuda de custo para cada professor. Já o município entrava com uma casa digna para os professores se alojarem; uma funcionária para cuidar da manutenção da casa; alimentação e, eventualmente a cedência ou o ressarcimento de passagens rodoviárias e/ou fluvial. De modo que, financeiramente, compensava trabalhar no Sistema Modular;



                g) Cada equipe docente do Módulo tinha a liberdade de produzir e reproduzir material didático em Belém (textos mimeografados ou xerocados); solicitar material didático auxiliar, como: caixa de giz branco e/ou multicolorido, resma de papel A4, cadernos de borrão, cadernos de papel pautado, cartolinas, apagadores, tubos de cola plástica, grampeadores, réguas, garrafas de álcool para stencils, folhas de stencil’ a álcool, folhas de stencil’s a tinta, fita crepe, fita durex, etc;



                h) A permanência da equipe docente no município era de 46 dias letivos, caso não houvesse alunos em recuperação, e de 54 dias quando houvesse.



                i) Enfim, com essa estrutura, era possível se trabalhar no SOME com motivação, compromisso e prazer. 


                         O governador Jáder Barbalho (MDB), conseguiu derrotar o PDS e elegeu o seu sucessor Hélio da Mota Gueiros, cujo mandato foi de março de 1987 a março de 1991, que por sua vez, nomeou a sua esposa, como Secretária de Educação - Profa. Terezinha Gueiros.



Ano Letivo de 1987



                          O primeiro local que atuei como Professor do Módulo foi a cidade de Portel, a partir do dia 09 de março de 1987. Apesar de ter iniciado a vida de professor um ano antes, no Colégio Anchieta (Av. Almirante Barroso, onde funcionou recentemente o Colégio e a Faculdade Ypiranga). Confesso que inicialmente fiquei meio inseguro diante do desafio, que era lecionar para uma clientela que tinha grande expectativa do trabalho a ser desenvolvido com ela, nos municípios que iríamos atuar. 



                          Além de uma mala com roupas e uma valise com pertences pessoais, levei uma caixa de papelão cheia de livros. E como dava aulas somente à noite para duas turmas de 2ª série e uma de 3ª série do Curso de Magistério, sobrava todo o dia para estudar e elaborar as aulas. Era um trabalho intenso, que em média durava duas semanas por avaliação intervalar; o equivalente a um bimestre para o ensino regular. 



                     Embora desse aulas de reforço, em casa, para os alunos necessitavam de reforço de aprendizagem, a ociosidade me incomodava e ficava pensando que tipo de atividades eu poderia fazer para ocupar o resto do dia. Assim, eu e meu colega de História José Nicolau Leite, articulamos duas atividades extras-classes: 



1ª) Realização de um Domingo Alegre, com um Torneio de Futebol de Salão, com vários times da cidade, seguido de um Bingo e Leilões, nas dependências da quadra de esportes do “Camel” (um dos Clubes da época). Essa atividade foi amplamente divulgada, inclusive com propaganda volante e pelo serviço fixo de publicidade. Essa ação foi realizada pela turma dos alunos do 3º ano, que continuava arrecadando dinheiro para a realização de sua colação de grau;



2ª) Realização de uma atividade de Integração Cultural Poliesportiva, entre os alunos e professores do Sistema Modular   de Portel e Breves. Essa atividade durou três dias e se deu na cidade de Breves. Foi um sucesso. Cabe destacar que o Sistema Modular já começara a ser substituído, paulatinamente, pelo sistema regular de ensino, no município de Breves.



                          Concluído os trabalhos em Portel, a nossa equipe rumou para a cidade de Irituia, onde deu-se o segundo Módulo de 1987. Além de mim e do colega José Nicolau Leite, a nossa equipe aumentou com a presença da Pedagoga Maria Rosa Abreu e, de passagem (apenas duas semanas), o colega de Educação Física, Lomelino – o Loló. Em Irituia eram três turmas: uma de 1ª série, uma de 2ª e outra de 3ª série, todas à noite.



                            Enquanto equipe, o nosso trabalho sempre foi articulado como forma de os alunos não perderem o foco das atividades desenvolvidas intra ou extras-classes. E sob esse espírito, a nossa equipe docente se articulou com os alunos do 3º ano, e colaboramos na organização e realização de uma megafesta junina, para angariar fundos para a formatura deles. Essa foi realizada na principal praça da cidade, frontal a Igreja de Nsa. Sra. da Piedade, padroeira local.  



Reativação da Associação dos Professores e a APSOME   


           
                      Ao entrarmos de férias, no mês de julho, todos os professores regressavam a Belém. E no afã de todo mundo se reencontrar, marcamos algumas reuniões, nas dependências do Colégio Orlando Bitar. O primeiro ponto de pauta dessas reuniões, sempre se focava em dinheiro, pois:



1º a maioria dos professores modulenses era do Quadro Suplementar do Magistério Estadual, ou seja, eram serviços prestados (contratados e sem estabilidade funcional), e isso gerava um desdém, da parte dos professores do Quadro Permanente do Magistério (os efetivos – com estabilidade funcional);



2º os professores serviços prestados não tinham contracheque. Recebiam na Tesouraria da SEDUC, por meio de uma lista nominal;



3º a Ajuda de Custo, também era paga na Tesouraria da SEDUC, tanto para os serviços prestados quanto para os efetivos. Porém, havia um problema comum: raramente a ajuda de custo era paga em tempo hábil. Às vezes a demora era tanta que, viajávamos com pouquíssimo dinheiro para os municípios. E quem a recebia, eram os nossos procuradores;



4º quando os serviços prestados iam ao comércio fazer um crediário, eram impedidos por não terem como comprovar a sua renda.



                    Os professores modulenses antigos e do quadro funcional efetivo, criaram uma Associação. Segundo relato dos mesmos, essa entidade voltava-se para fins lúdico-culturais (passeios, festas, almoços/jantares, empréstimos emergenciais (caixinhas), adesão a consórcios para compra de carros, etc. Com o decorrer do tempo, essa associação diluiu-se.



                            Um aspecto interessante que merece registro, é o fato de que os demais funcionários da SEDUC-sede viam os professores modulenses com uma certa inveja, por conta de esses serem bem remunerados em relação àqueles.


 
                       Diante desse cenário, a massa docente de serviços prestados (a maioria) puxou a criação de uma entidade que lutasse por melhores condições de tratamento por parte da estrutura Seduquiana. E após diversas reuniões, conseguimos criar a Associação de Professores do Sistema de Organização Modular de Ensino – APSOME. E elegemos uma Coordenação Provisória (com cerca de 12 professores), da qual fiz parte. Diga-se que nenhum professor efetivo, teve a coragem de se candidatar para a composição de coordenação de nossa entidade.



                          Pela dinâmica laboral do SOME, a APSOME só conseguia se reunir em Belém, quando entrávamos de férias, ou de recesso. Na verdade, a APSOME era uma entidade meramente política (na essência da palavra), porque nunca conseguimos redigir um Estatuto e registrá-lo em cartório. Mas mesmo assim, ela foi legitimada por todos os professores (as) do SOME, mesmo por àqueles (as) que “odiavam política”. Pois, sempre que recebíamos denúncias de coação contra professores, ou mesmo as determinações da SEDUC que considerávamos discrepantes ou abusivas, procurávamos o respectivo setor competente da Secretaria e solicitávamos audiências para intermediar ou conflito ou negociar os impasses.



                              Começávamos a nos organizar politicamente para reivindicar junto a SEDUC, tudo o que julgássemos essenciais para o bem-estar de nossa categoria. E, em uma Assembleia Geral da APSOME, ocorrida em julho/87, redigimos um documento contendo uma pauta reivindicativa, encaminhado a Sra. Secretária de Educação Terezinha Gueiros, no qual solicitávamos uma audiência, como forma de negociarmos diretamente com ela (e sem intermediação da DEN ou do DESG), porque desconfiávamos que se assim o fosse, eles tentariam abafar o nosso movimento pleito; que aliás sempre o fora, em prol da nossa categoria.



                             A Profa. Terezinha concedeu a audiência e fomos recebidos em seu gabinete. Claro, com presença dos representantes da DEN, do DESG e da Coordenação do SOME. Para essa histórica audiência, convidamos para assessorar a APSOME, o recém-chegado em Belém, o DIEESE, leia-se Roberto Sena. Fomos convidá-lo porque vivíamos uma ciranda inflacionária galopante. O nosso salário todo mês era reajustado, como forma de evitar uma defasagem maior. Porém, a Diretoria Financeira da SEDUC não reajustava a nossa ajuda de custo, na proporção da inflação mensal. Com a sua competência técnica, Roberto Sena consegui convencer a Sra. Secretária e o seu estafe, de que era necessário atualizar os valores da nossa ajuda de custo, no ritmo inflacionário.



As principais deliberações dessa emblemática audiência, foram:



1ª A partir de setembro/87, todos os professores, na condição de serviços prestados, receberiam os seus vencimentos em contracheques. Isso ocorreu, mas os mesmos vinham com um carimbo “serviços prestados”. Retornamos com a Profa. Terezinha Gueiros que, ordenou a retirada daquele carimbo preconceituoso dos nossos contracheques;



2ª As nossas ajudas de custo passaram a ser atualizadas pelo percentual inflacionário do mês anterior; porém, a demora no seu pagamento na Tesouraria continuava. Daí a mesma ser pejorativamente chamada de “Ajuda que custa”.



                           Enfim, as lutas da APSOME continuaram nos anos posteriores, até o momento em que os professores do SOME se transformaram em uma sub sede do SINTEPP; o que particularmente penso que foi um erro crasso da nossa categoria, porque o tipo de trabalho do SOME difere radicalmente de quem trabalha fixo; por isso as suas reivindicações possuem uma demanda de temporalidade diferente, dos trabalhadores de educação lotados nas escolas de ensino regular.



Continuação do Ano de 1987



                           O nosso 3º Modulo foi na cidade de Oeiras do Pará. Lá, trabalhamos uma turma de 2ª e outra de 3ª séries à tarde; uma 1ª , uma 2ª e uma 3ª séries à noite.



                            O diferencial desse Módulo foi uma articulação e a realização de ações pedagógicas que envolveram os alunos de todas as turmas, a participarem do I Congresso de Educadores do Baixo Tocantins, coordenado pelo recém-criado Sindicato dos trabalhadores (as) em Educação Pública do Pará – SINTEPP. Esse evento contou com a participação do Deputado Estadual Edmilson Rodrigues, Padre Savino – do CIMI, Luís Araújo - Coordenação Estadual Sintepp, etc.



                             Fechamos o 4º Modulo de 1987 em Limoeiro do Ajuru. Trabalhamos uma 1ª, uma 2ª e uma 3ª série pela manhã e, a mesma quantidade de turmas e séries à noite. Foi um módulo comum, sem nada além das atividades pedagógicas programadas.



                             Ao concluirmos o ano letivo de 1987, voltamos para Belém, entregamos o Relatório de Atividades para a Coordenação e entramos de recesso.



                             Em seguida, todos os professores foram convocados para uma avaliação geral do que ocorreu no ano anterior de trabalho. O ponto positivo dessa atividade foi a troca de experiências que pude fazer com outros colegas, ora da nossa disciplina, ora de outras e de outros circuitos. 



                              Particularmente fiz as minhas reflexões sobre as experiências vividas no meu primeiro ano, enquanto docente do SOME, que ora enumero: 



1ª Que embora fôssemos acompanhados por uma coordenação modular local, a mesma não intervinha nos nossos trabalhos. Tínhamos autonomia total para desenvolvermos as nossas atividades;



2ª Era comum termos alunos - funcionários de diversos níveis administrativos do município, vereadores e em alguns casos, até mesmo o prefeito local, estudarem conosco.  Talvez de modo involuntário, mas éramos vigiados nos municípios. Por isso, não podíamos extrapolar as regras convencionais de sociabilidade, sob pena de recebermos sanções, ou mesmo, sermos denunciados ao deputado ou ao senador daquele território político. Se a denúncia fosse branda, ficava a nível de SEDUC. Em outras palavras, fazíamos jogo de cintura, sem adulterar a proposta pedagógica do SOME, como forma de não gerar conflitos nos municípios;



3ª Naqueles tempos não se usava os termos construtivismo, multi, inter e transdisciplinaridade. Mas, se analisarmos com profundidade as atividades educativas que desenvolvíamos nos municípios, atuávamos sob esse viés pedagógico;



4ª Que em vez de ficar ocioso até a hora das aulas, eu usava esse tempo livre para estudar, caminhar por pontos estratégicos da cidade, visando identificar a cultura local, os seus valores. Adotei a metodologia da escuta e do diálogo e perspectiva da austeridade. Com isso, adquiri saberes com diversos atores sociais com quem conversava (marítimos, pescadores, caçadores, agricultores, sindicalistas, religiosos, poetas, músicos, artesãos, etc);



        5ª sempre que possível, mantinha contato com outros colegas professores, que trabalhavam nas diversas escolas, e/ou repartições públicas em Belém, como forma de me atualizar.



                               A partir dessas reflexões pessoais, iniciei os trabalhos nos anos letivos seguintes, um pouco mais lúcido politicamente e compromissado com o meu trabalho e as minhas reações interpessoais. E, buscando novas a realização de novas atividades pedagógicas extra-classes, nos próximos anos letivos, sempre em conjunto com a equipe do Módulo que eu estava, articulávamos com a coordenação local do SOME, prefeitura, Câmara Municipal, etc. atividades como:  


  Ano de 1988.



- Participação na elaboração e na realização do II Encontros de Estudantes do SOME do sul e do sudeste do Pará: Bom Jesus do Tocantins – última semana de maio. Municípios Participantes: Bom Jesus do Tocantins, Rondon do Pará, Abel Figueiredo, Xinguara, Rio Maria, Brejo Grande do Araguaia e, Vila Palestina; 



- Integração Cultural Intermunicipal dos Professores e Alunos do SOME em Igarapé – Miri  - últimos dias de Junho e primeiros dias de Julho. Municípios Participantes: Igarapé – Miri, Moju, Muaná, Limoeiro do Ajuru. Nessa época, a coordenadora local do Módulo, era a Profa. Ester (...?...), que mais adiante, viria ser a Coordenadora Estadual do SOME por longos anos.


- Rodada de estudos preparatórios para os exames do Vestibular/89 da UFPA- Núcleo Cametá. Município: cidade de Oeiras do Pará. Essa experiência teve como saldo, cinco (05) candidatos aprovados no Vestibular, sendo todos ex-alunos modulenses.



  Ano de 1989.  



- Curso de Capacitação Para Professores de 1ª a 4ª Séries do 1º Grau (redes municipal e estadual de ensino). Local: Cidade de Limoeiro do Ajuru – última semana de abril.  Duração do Curso: 8 horas-aulas/dia - carga horária: 40 horas. Essa proposta foi audaciosa para a época, porque causou ‘estranheza’ para a Coordenação Estadual do SOME (Maria da Glória Paixão), a nossa equipe procurar o DESG para pedir ajuda na execução dessa atividade. Apesar da resistência inicial, com a ajuda da equipe técnica do DESG/SOME (Glória Rocha, Rosa Gomes da Costa, Léia, Regina Celi, Ana Conceição, Benedita Amaral, Guilherme Carvalho, Orlando Melchíades, Raimundo W.Júnior, etc.) conseguimos apoio,  recursos humanos e materiais, para a execução dessa proposta. A Diretora do DESG cedeu a Pedagoga Ilsanelma como representante daquele  Departamento, bem como uma das instrutoras do curso para   o CTRH Prof. Arthur Porto, também nos ajudou nessa ação, cedendo seus instrutores para compor a equipe docente do Curso de Capacitação, certificados para os participantes que foram entregues aos mesmos, pelo representante da diretoria daquele Centro de Treinamento, o Prof. João Luis. Esses cursos envolveram professores atuantes nas escolas da cidade, quanto de alguma parte da zona rural;



- III Congresso dos Educadores do Baixo Tocantins. Município – sede: Limoeiro do Ajuru – penúltima semana de junho, Municípios participantes: Limoeiro do Ajuru, Igarapé-Miri, Moju, Muaná, Acará, Oeiras do Pará, Cametá, Mocajuba, Tucuruí. Adotamos a mesma estratégia pedagógica, aplicada em Oeiras do Pará (1987) na participação de nossos alunos;



- Curso de Capacitação Para Professores de lª a 4ª Séries do 1º Grau (redes municipal e estadual de ensino). Local: Cidade Irituia – 3ªsemana de outubro. Duração do Curso: 8 horas-aula/dia – carga horária: 40 horas. Esse curso contou com as mesmas parcerias, verificadas no curso anterior. E com o mesmo público-alvo. 


Balanço do 1º Momento ou Fase Áurea (1980 – 1989). 



                                  Chamo esse primeiro momento do SOME de Fase Áurea, por conta das circunstâncias históricas da época; senão vejamos. A disputa pela liderança política do nosso estado, entre Jarbas Passarinho (homem de confiança e porta – voz da ditadura militar de 1964 no Pará) e seu então companheiro de caserna, o Coronel Alacid Nunes, provocou a separação de ambos.  Passarinho articulou em Brasília um boicote sistêmico aos repasses de verbas federais ao nosso estado, no período do governo alacidista (1978 – 1982). E foi a partir de 1979 que o governo de Alacid Nunes solicita a FEP que criasse um projeto para atender a carência da educação rural paraense. E todos os convocados para construir o Projeto SOME, acreditaram no mesmo, pois era uma oportunidade de se propor algo, em termos de educação, com liberdade e autonomia técnica e pedagógica. E, os governos seguintes (de Jáder Barbalho de 1982 – 1986) e de Hélio Gueiros (1987 - 1991), continuaram com o compromisso de garantir todas as condições, para que o Projeto Modular desse certo.  



                                     Os primeiros municípios onde o SOME se instalara, já começavam a aderir ao Ensino Regular. O Projeto modular, cada vez mais se distanciava de Belém e das cidades – sedes municipais.



                                     Assim, desde o seu início, até a permanência da Profa. Aldalice Wotherloo  na Diretoria de Ensino e, Albene L. Monteiro, dirigindo o Depto. De Ensino de 2º Grau, o SOME vivenciou o seu melhor momento, em todos os sentidos. Fato esse que se diluiria nos próximos momentos, por conta do esvaziamento progressivo daqueles profissionais que atuavam na DEN, DESG e Coordenação do Projeto. 



                                    Um fato histórico significativo merece ser registrado: a promulgação da Constituição Federal Brasileira, em 06 de outubro de 1988. Esse fato, contribuiu para que as propostas pedagógicas do SOME se sedimentassem nas diversas atividades desenvolvidas pelos seus professores. Além de fortalecer a redemocratização do país, reativar a atuação dos movimentos sociais e a política dos direitos humanos. 


 
 #2º Momento: Fase do Expansionismo Acelerado (1990 – 2000).   



                      Em 1988, houve uma greve estadual dos educadores e, certo dia, a concentração do movimento grevista, se concentrou no prédio – sede da SEDUC, pois a Coordenação do movimento (SINTEPP), tinha audiência para negociar com a Sra. Secretária Terezinha Gueiros. Houve impasse, a ponto de chamarem a cavalaria da Polícia Militar, para dispersar o movimento. A Profa. Aldalice apoiou os grevistas. Isso foi a “gota d’água” para ela ser exonerada da DEN. Aos poucos, os membros de sua equipe de trabalho que estavam no DESG e na Coordenação do SOME, começaram a pedir transferências de lá. 



                       Assumiu a DEN, a Profa. Sílvia Santos (pessoa de confiança de Terezinha Gueiros), para o DESG, foi nomeada a Profa. Maria da Glória Paixão. Ambas, meras tecnocratas. O ensino de 2º grau do Pará, a partir daí, passou a reproduzir uma linha de educação conservadora, acrítica e reprodutivista.



                        Com a morte de Glória Paixão, o DESG passou a ser dirigido pelo Prof. de Matemática, José Maria, recém-chegado do Curso de Mestrado, mas que não tinha uma visão sistêmica e progressista de educação.  


     
                        Impulsionado pelo crescimento migratório e pela “indústria de novos municípios”, nessa década o SOME se expandira não como antes, com estudos criteriosos, mas em nome dos compromissos políticos entre as lideranças locais e os políticos com mandatos (vereadores, prefeitos, empresários, deputados, senadores e governador). Isso contribuiu para que o Sistema Modular, cada vez mais se distanciasse de Belém, cidades – sedes dos municípios e fosse atingindo rincões inóspitos, expondo os professores modulenses a condições precárias de trabalho e começasse a sofrer o sucateamento logístico. 




Balanço do 2º Momento ou Fase do Expansionismo Acelerado.



                       Em 1993, o governador Jáder Barbalho transformou a Fundação Educacional do Pará - FEP, em Universidade do Estado do Pará – UEPA. 


                       No fim de seu mandato – tampão, o Presidente Itamar Franco - PMDB lançou em 1994, o Plano Real e com ele, a ciranda inflacionária que predominava no país, desapareceu. Fernando Henrique Cardoso, PSDB se elegeu presidente da República e governaria o Brasil de 1995 a 2002. No ano seguinte, Almir Gabriel - PSDB substituiu Jáder Barbalho - PMDB, no Governo do Estado e governaria o nosso estado, no mesmo período Presidente FHC.


                       Em dezembro de 1996, foi promulgada a nova L.D.B, n} 9.394/96. Já em 1997, foi criado o Fundo de Desenvolvimento da Educação e de Valorização do Magistério – FUNDEF, que seguindo a hierarquia sistêmica da L.D.B., repassaria de dez em dez dias, verbas para os subsistemas estaduais e municipais de ensino. 


Vejamos o que aconteceria com a educação pública paraense, doravante:


   
1º Com a vigência da nova L.D.B. todos os municípios ficariam responsáveis pela manutenção dos subsistemas municipais de ensino. A União começou a repassar para os municípios paraenses as verbas do FUNDEF, seis meses (06) antes que o resto do Brasil (“acordo de cavalheiro entre o ninho tucano – FHC, Paulo Renato de Souza -Ministro da Educação e, Almir Gabriel – Governador do Pará);



2º Salvo engano, em 1998 o Governo Federal desativou todas as Delegacias Regionais do MEC, deixando ativas somente as dos estados do Rio de Janeiro e a de São Paulo;



3º Em 2004, o governador Simão Jatene (sucessor de Almir Gabriel – também PSDB), extinguiu o Centro de Treinamento de Recursos Humanos “Prof. Arthur Porto”.  



                         Com o repasse regular dos recursos financeiros pela União aos municípios, e estes, seguindo as diretrizes da L.D.B. e legislação correlata, surgiu a necessidade de todos os professores se graduarem em Licenciatura Plena, como forma de erradicar a figura do professor leigo, que aliás predominava nas escolas municipais, porque as nossas Universidades ( seja a UFPA,  UNAMA ou mesmo a UEPA), não atentaram para a criação de programas específicos para a formação de professores,  para  suprir as diversas carências nas redes municipais de ensino. Ocorre que para isso, nem o MEC e muito menos a SEDUC orientou os municípios para esse fim. E, aproveitando esse vacilo institucional, a Universidade Vale do Acaraú – UVA, veio lá do Ceará, formar centenas de professores e ganhar essa fatia expressiva do FUNDEF municipal.



                          Não sei se por incompetência ou proposital, o governador Almir Gabriel que, ganhara de presente do Governo Federal, seis (06) meses de FUNDEF,  em relação aos outros estados da União; por que não barganhara, também com àquele, a permanência da DEMEC-PA, para que essa orientasse tecnicamente os municípios, no sentido de se organizarem institucionalmente para desenvolver com qualidade, o seu trabalho de gestão escolar?  



                           E os erros continuaram. Obcecado com a política neoliberal, o governo de Simão Jatene, deu o ‘tiro de misericórdia’ na educação pública paraense, ao extinguir CTRH “Prof. Arthur Porto”, em 2004. O CTRH, desde a sua criação na década de 1960, com a denominação de Centro de Estudos Pedagógicos do Pará – CEPEPA, por meio de convênio com os diversos municípios, executava Cursos de Capacitação em Educação Fundamental, com recursos oriundos do Salário Educação (verba existente no MEC para esse fim).



                           Com o fim do CTRH, as diversas redes municipais paraenses ficaram órfãs do órgão que lhes ajudavam na formação continuada de educação. E o que o SOME tem a ver com isso? Muita coisa, pois, se a FEP o criou e depois o repassou para a SEDUC; por que “na febre de erradicação dos professores leigos” a SEDUC não fez parceria com a UEPA e esta, faria uma formação acadêmica aplicada ao corpo docente do SOME, para atuar na formação dos professores municipais? Ou por outro lado, os próprios professores do SOME teriam feito um projeto de transformação, em um “Instituto de Formação de Educação Continuada” e  o negociariam com a UEPA (Universidade da casa) ou via Assembleia Legislativa Estadual, na busca de parceiros internacionais,  como a UNESCO?



                            No meu ver, não há   ninguém melhor que os docentes atuantes no SOME, com o seu vasto cabedal pedagógico, para atuar na formação continuada dos professores municipais.



                            Quando o SOME tornou-se uma Subsede do SINTEPP, ele perdeu o foco de sua luta, perdeu a sua alteridade, o seu poder de pertencimento. Por que afirmo isso? É porque o seu perfil de atuação não prevalece na capital, nas escolas regulares; o SOME é uma modalidade de educação presencial e itinerante e por isso, as suas demandas logísticas e laborais são inerentes a sua prática profissional. 



#3º Momento: Fase do Contingenciamento Estrutural e Incertezas (a partir de 2001 aos dias atuais)                  
                     


        Seguindo fielmente as orientações de gestão neoliberal, a partir do surgimento do FUNDEF, o governo do estado aumentou o contingenciamento de recursos materiais, financeiros e logísticos do SOME, pois, agora, a L.D.B. define a quem cabe manter o Ensino Médio: os estados membros da União. Assim, o Convênio entre a SEDUC e as Prefeituras Municipais, sofreram mudanças. A ponto de os professores terem que alugar casas para se alojarem e comprarem a sua alimentação, durante as suas estadas nos municípios.  Se no passado, trabalhar no SOME, valia a pena; hoje, essa premissa é relativa, porque além de o local de trabalho estar mais distante, houve uma redução drástica, no que tange a oferta de recursos didáticos para se levar e usá-los nos municípios.



                              Enfim, com a intensificação das redes virtuais de informação, estou convencido de que o SOME, aos poucos se extinguirá, ora pelo seu custo; ora pela redução progressiva de discentes, ora pela concorrência da Educação do Campo, etc...



* O autor é Sociólogo e ex Professor do SOME.

Um comentário:

  1. Realmente o relato do professor Rosario é muito interessante sobre o SOME. Isso porque ele busca sempre estar atrelando o momento histórico com as suas próprias vivencias no Sistema Modular. Uma forma de esclarecimento e que prende a atenção do leitor.
    Embora ai final não Concorde com a extinção do Modular. Não pra agora.
    Ainda falta muita maturidade para o Estado do Pará para lidar de Uma forma satisfatoria com a grande extensão e complexidade da população amazônica, sobretudo no que diz respeito a democratização da educação. Ainda não temos condiçöes, em nosso Estado de proporções Continentais de garantir o acesso a Educação regular em todos os municipios. Fora que ainda estamos longe de ter um Quadro satisfatoria de docentes até mesmo na cidade, que dirá no campo.
    Então penso que o SOME ainda tem muitos anos para sanar essa deficiencias de nosso Estado na area educacional.

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