No dia 04 de janeiro, próximo passado, completaram-se 40 anos do assassinato de QUINTINO DA SILVA LIRA, comandante da resistência armada do chamado Conflito da CIDAPAR, cuja memória foi relembrada por Francisco Vasques (Chico Barbudo), Antônio Rodrigues e Ana Selma, membros da diretoria da Associação de Colonos Atingidos pela Repressão Privada e Estatal da Gleba Cidapar - PROREPARAÇÃO, e pela direção do Movimento Camponês Popular, Denilson, Diva e Lorena, em ato simbólico em seu túmulo no Cemitério de São José do Piriá, município de Viseu.
O conflito da Gleba CIDAPAR tem uma longa história, porque a região entre os rios Piriá e Gurupi, no nordeste do Pará, era ocupada por posseiros, garimpeiros, quilombolas e indígenas do povo Tembé Tenetehara – todos ameaçados de expulsão pela empresa JOAQUIM OLIVEIRA S.A. PARTICIPAÇÕES (JOSAPAR), muito conhecida nacionalmente pelo seu produto “Arroz Tião João” e regionalmente pela sua violência contra os colonos através de sua milicia armada, sediada em sua subsidiária PROPARÁ, comandada por James Vita Lopes (mais tarde condenado por participação no assassinato do deputado estadual Paulo Fontelles).
Os colonos da Gleba Cidapar somavam mais de 10 mil famílias, organizados em dezenas de vilas e localidades, além de suas respectivas posses e resistiram à expulsão de suas terras, fazendo um amplo movimento pacífico de massas que, em várias oportunidades demandaram junto aos governos estadual e federal. Os grileiros liderados pela JOSAPAR responderam com a violência de sua milicia privada, quase sempre com apoio policial, e passaram a assassinar lideranças locais, como aconteceu em 08 de janeiro de 1981 com o assassinato de Sebastião Mearim. Sem proteção do Estado, as comunidades se organizaram em grupos de autodefesa, para proteger seus bens e familiares. Sem, contudo, jamais abandonar a luta política e sindical em defesa dos seus interesses, sendo exemplo a marcha sobre Belém de cerca de 1.500 colonos, em setembro de 1983, onde falaram diretamente ao governador Jader Barbalho; que mais uma vez prometeu retirar os jagunços e resolver o conflito fundiário. Sem resultado.
Diante da inoperância política do governo do estado, e da omissão das polícias estaduais, e até mesmo sua atuação conjunta com a milicia privada e pistoleiros, as comunidades resolveram criar um corpo de defesa armada. Para isto reuniu o grupo comandado por Abel o qual se somou ao grupo do Quintino, antigo posseiro da gleba Cidapar que tinha migrado para a Fazenda Cambará, entre o rio Piriá e o rio Guamá, onde liderou os posseiros diante da violência armada dos pretensos donos – que passaram a prover de segurança os posseiros, garimpeiros e colonos, tanto entre os rios Piriá e Gurupi, como entre os rios Piriá e Guamá, a chamado das lideranças comunitárias.
A guerra foi dura e violenta, com clara vantagem para os “gatilheiros”, como se autodefiniam os combatentes, que literalmente derrotou a milicia privada da JOSAPAR e outros fazendeiros e seus pistoleiros, em meados de 1984. Diante do crescimento político do movimento de resistência política e militar, e a ditadura militar passou a dar apoio logístico e orientar a Polícia Militar nas táticas antiguerrilha que tinha tido sucesso no combate à Guerrilha do Araguaia: ocupação de vilas, torturas, ACISO, implantação de olheiros e uso de guias locais, e não menos importante, a liquidação seletiva dos gatilheiros.
O último combate da resistência armada ocorreu no Natal de 1984, quando a tropa de militares e pistoleiros foi emboscada, sofrendo baixas. Contudo, a PM mobilizou novas tropas e cercou os gatilheiros no sítio de Maximiano, onde mataram Antônia (companheira do Quintino) e Enock, e obrigaram a dispersão dos demais; tendo Quintino optado por se refugiar em Vila Nova, como já fizera em outras oportunidades.
Com apoio de guia local, que traiu os gatilheiros, a PM chegou à casa do colono Florzinho, onde se refugiara Quintino. A PM cercou o local e Quintino tentou furar o cerco fugindo pelo quintal, onde foi alvejado.
Em 2023, o Ministério Público Federal abriu um Inquérito Civil para apurar os possíveis crimes dos quais é acusada a JOSAPAR, fruto da investigação do grupo de pesquisa da Comissão Camponesa da Verdade, apoiado pelo MPF e CAAF/UNIFESP.
Já em 2024, a CONTAG, a FETRAGRI-PA e a PROREPARAÇÃO apresentaram requerimento de Anistia Coletiva à Comissão de Anistia do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, do qual aguardam julgamento.
40 anos depois, Chico Barbudo reafirma sua avaliação de que o movimento foi vitorioso na sua principal bandeira: a garantia da terra para os seus ocupantes e, agora, o reconhecimento da natureza política do movimento, responsabilização empresarial pelos crimes cometidos, bem como reparação moral e material [Pela nota: Gilney Viana / Halyme Antunes].
* Figura 1 Quintino quando da sua primeira entrevista ao jornalista Paulo Roberto Ferreira. Foto de Raimundo Dias
* Figura 2 Da esquerda para a direita: Denilson, Diva, Antônio Rodrigues, Chico Barbudo, Ana Selma e Lorena.
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