Total de visualizações de página

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

DESAFIOS


                                                                               TIESE TEIXEIRA JR




           
À medida que o barco se aproximava da ponte principal, daquela pequena cidade do Baixo Amazonas, meus nervos se agitavam. Fui tomado por um medo sem explicação, parecia que aquele era o meu primeiro módulo como professor, eu que já estava naquela vida há uns dez anos. Senti uma tristeza enorme. Meu colega, professor de geografia deu um sorriso, bateu no meu ombro e disse que, no final daquele período eu iria sentir falta do lugar. Claro que resmunguei de forma negativa. Imagina saudade disso aqui, pensei comigo.



Ficamos no cais. Assisti à partida do barco, querendo mesmo seguir viagem. Caminhamos em direção à casa dos professores. Chegando lá, estava fechada. Logo, uma vizinha, daquelas portadoras de más notícias, veio nos dizer que não havia água e nem energia elétrica na casa. Ficamos uns trinta minutos esperando a diretora da escola aparecer, e confirmar as informações que já tínhamos. Naquela noite dormimos num hotel. Nossa como tinha mofo naquele quarto. O ventilador do teto rodava lentamente, e pela pequena janela, entrava mais folhas, trazidas pela ventania, que vento propriamente.



Bem, dormimos ali. Bem cedinho fui acordado por uma voz bem potente de uma mulher, que imaginei estar brigando com alguém. Estava errado. Era sua forma natural de falar. Tomamos café e fomos conhecer a escola. Saber de horários e número de turmas. Quando voltamos fomos comunicados que a casa dos professores já estava pronta para nos receber. Pegamos nossas malas e partimos. Como era quente aquela casa. Naquele módulo dormi a maior parte do tempo na área da casa. Só possível, por que morávamos no segundo andar.



À noite, começamos a trabalhar. Eu, e meu colega, os demais, ainda não tinham chegado. De cara gostei de todas as turmas. Os alunos pegavam as explicações rapidamente. O conteúdo fluía. O tempo parecia passar mais depressa. A localização da escola favorecia as aulas. Localizada numa área ampla, com salas ventiladas e uma distância adequada entre as salas de aula, aquele ambiente logo fez desaparecer meus sentimentos do dia da chegada.



Aqueles alunos carregavam uma energia, uma vontade de estar ali, que me levaram por várias vezes a extrapolar o horário das aulas. Havia uma atmosfera diferente no ar. Sempre que entrava nas aulas, parecia ser transportado pra outro lugar. Estudamos vocabulários, estruturas gramaticais, lemos, produzimos textos e cantamos, ah! Como cantamos naquelas aulas. Por vezes desafiava alguém em especial a ler ou cantar, e eu sempre perdia os desafios. Mas perdia-os com gosto. Acho que nunca dei tanta risada em toda a minha vida de professor como naquelas aulas.



Com o passar dos dias, comecei a perceber que já tinha lembranças de fatos ocorridos naquela cidade, naquela escola, com aqueles alunos. Às vezes era tomado por uma sequência delas. Eu que vivia com o calendário nas mãos contando os dias pra terminar o módulo, me peguei deixando a folhinha de lado. Mergulhado na gostosura de aulas que jamais pensei, pudessem me provocar tais sensações.



De repente, o tempo passava mais depressa e o fim daquele período se aproximava. Começaram as articulações das turmas pra realização de festas de despedida. Sempre que ouvia alguém falar algo sobre o assunto, pensava que em breve não estaria mais ali. Entre alunos tão especiais que me faziam repensar minha prática pedagógica. Experimentar coisas novas. Eu que julgava já não ter mais o que descobrir em sala de aula, me pegava como uma debutante, no primeiro dia, parecia estar descobrindo as belezas de ser professor ali, no lugar em que outrora, nem quisera desembarcar.



Mas enfim, chegou o último dia de aula do módulo. Fui pra escola fazer a entrega das provas finais e das notas. Os alunos foram todos aprovados. Tem professor que gosta de dar a nota mínima, sempre gostei de dar a nota máxima, dez, claro que tem aqueles que não a alcançam, mas nem por isso ficam reprovados. À noite, foi de fato especial. Leitura de poemas, músicas de voz e violão... Declarações carinhosas de ambas as partes, e óbvio, comilanças, se não, não seria uma festa de enceramento.



Na tarde do dia seguinte parti. Deixei pra trás alunos inesquecíveis. Levei comigo, uma mala a mais na bagagem, carregada de experiências que tornaram minha caminhada na docência, bem mais prazerosa. Dali em diante sempre que apareceu uma turma daquelas que nos desafiam, lembrei-me dos meus alunos do baixo amazonas e senti força pra me reinventar como professor.



CONTO DO LIVRO ESCOLAS DA AMAZÔNIA: MEMÓRIAS, BELÉM, PAKATATU, 2015 TIESE TEIXEIRA JR É PROFESSORA DA ESCOLA BÁSICA, NO INTERIOR DO PARÁ. PESQUISA E ESCREVE LIVROS SOBRE AS AMAZÔNIAS BRASILEIRAS.                                             

3 comentários:

  1. OBRIGADO MEU AMIGO, POR AJUDAR A DIVULGAR NOSSOS ESCRITOS!

    ResponderExcluir
  2. Vale muito a pena conferir a obra do professor Tiese Jr. Boa leitura Pará viagem de Férias bjs.

    ResponderExcluir
  3. Maravilhoso! Saudades de vc meu querido Tiese Jr. Trabalhamos juntos em Curionópolis pelo SOME. Carinhoso abraço.

    ResponderExcluir