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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

AR DE LIBERDADE

                                                             
                                                                 TIESE TEIXEIRA JR,




Minha mãe era servente naquela escola. No turno da noite. Eu devia ter uns dez anos de idade, e a acompanhava todas as noites no seu turno de trabalho. Às vezes, até ajudava com a limpeza das salas de aula. Minha mãe era semianalfabeta. Conseguiu ser contratada para o trabalho através da ajuda de uma grande amiga. Eram duas naquele horário, nos dias em que havia merenda pra fazer, o trabalho dobrava. Por sorte morávamos próximo da escola e isso facilitava muito.



A escola vivia um grave problema de falta de água. Por isso era comum levarmos as panelas grandes, em que era feita a merenda, pra serem lavadas em casa. Eu passava boa parte da manhã puxando água do poço pra ajudar no trabalho. As mãos de minha mãe viviam cheias de calo, da corda do poço. Eu era a filha mais nova, de um total de 5 irmãos. A escola tinha sido inaugurada há pouco tempo. Era toda bem pintada. Houve uma grande festa de inauguração. Até o governador do estado esteve presente. Deveria ter umas 12 salas de aula. Um dos blocos era de dois andares. Sempre que era possível eu dava uma escapadinha e subia lá no andar de cima e ficava olhando pra baixo, me sentindo gente grande. Me perguntava se um dia eu estudaria numa sala daquelas.



No dia da inauguração foi dito que lá funcionaria apenas o segundo grau Modular. Entendi que era mais ou menos assim. Os professores vinham da capital, pois não havia professor formado na cidade. Eles ficavam alguns meses, depois iam embora e vinham outros professores. Eu pensava como deveria ser interessante a vida deles. Viviam viajando de um lado pra outro, conhecendo lugares e pessoas diferentes. Eu queria ter uma vida assim. Minha irmã era aluna do curso de contabilidade, certo dia eu fui com ela à casa dos professores. Ficava no centro da cidade, era uma casa grande e cheia de gente. Gostei do ambiente. Havia um ar de liberdade.



Era o mês de junho, e no final daquela semana aconteceria à primeira festa junina da escola, em que minha mãe era servente, eu estava muito animada, comentava-se muito sobre como seria a festa. Na minha escola também haveria festa, mas em nada se parecia com a da escola do segundo grau. Lá, sim era que as coisas boas iriam acontecer. Não via a hora de chegar à sexta-feira.



Mas bem, chegou o dia da festa na escola. Minha irmã seria a noiva do “casamento na roça”. Passou o dia montando o vestido. Uma correria só. Eu do meu lado passei o dia com a minha mãe na escola, afinal a diretora, carinhosamente pediu que todas as serventes ajudassem na organização, mesmo aquelas que não eram do turno. Afinal, a festa era de toda a escola. Sempre gostei da forma como aquela diretora falava com todos da escola. De forma calma. Até mesmo quando chamava a atenção de alguém.



Lembro como se fosse hoje, quando entrei na escola, havia várias barracas com comidas diferentes pra vender, uma barraca do beijo e até uma “cadeia”. Não entendi nada na hora. Depois me explicaram. Achei estranho. Devia ser coisa de gente da cidade grande, sei lá. Eu queria mesmo era ver a quadrilha dançar. Primeiro a diretora fez a abertura da festa, leu a programação da noite e claro, agradeceu às pessoas que estavam ali trabalhando pela escola.



Fui chamada pra ir à cozinha com a minha mãe. Não queria arredar o pé da quadra da escola, mas por fim, eu fui. Lá chegando, ganhei uma porção de arroz doce! Humm que delicia! Comi rapidamente, e logo voltei pro local principal da festa. A primeira atração foi da quadrilha da minha escola, veio dançar como convidada especial. Confesso que me senti orgulhosa! Eles foram aplaudidos no final da apresentação. Mas então, a quadrilha dos alunos do sistema modular foi chamada. Nossa! A miss caipira estava linda! Primeiro dançou sozinha um carimbó, trazia um leque vermelho, que ora estava na mão direita, ora na mão esquerda. Eu não sabia pra onde olhava.



Depois, entraram os outros participantes da quadrilha e apresentaram mais duas danças. Na sequência, veio a o casamento na roça. Aí, foi riso geral. Uma professora da minha irmã entrou puxando ela pelo braço, e ao mesmo tempo em que se reclamava da vida, brigava com a noiva, dizendo que sua vida estava acabada, pois ela estava grávida e teria que casar-se imediatamente. Em seguida entraram os pais do noivo, um delegado, um juiz, um padre... E por fim um aluno vestido de mulher dizendo que era namorado do noivo. A cada nova entrada, as gargalhadas só aumentavam, e assim foi até o final da apresentação.



A essa altura já deveria ser umas dez horas da noite, então minha mãe se aproximou de mim e disse que já era hora de irmos embora. Ela teria que acordar cedo no dia seguinte, pra ajudar na limpeza da escola. Por mim, tínhamos ficado mais tempo na festa. O sono passava longe de mim naquele momento. Mas, já tinha visto a quadrilha e o casamento. Estava satisfeita. Naquela noite, ainda fiquei boa parte do tempo acordada em minha rede. Pensando como seria bom participar daquele casamento, ou dançar naquela quadrilha!


DO LIVRO ESCOLAS DA AMAZÔNIA: MEMÓRIAS

TIESE TEIXEIRA JR, BELÉM, PAKA-TATU, 2015.


TIESE É PROFESSOR DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA NO PARÁ

PESQUISA E ESCREVE PARA A DISCIPLINA DE ESTUDOS AMAZÔNICOS DESDE 2007.

Um comentário:

  1. Que inda lembrança, professor pena que estão executando um plano tão diabólico para acabar com o some.

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