TIESE TEIXEIRA JR,
Minha mãe era servente naquela
escola. No turno da noite. Eu devia ter uns dez anos de idade, e a acompanhava
todas as noites no seu turno de trabalho. Às vezes, até ajudava com a limpeza
das salas de aula. Minha mãe era semianalfabeta. Conseguiu ser contratada para
o trabalho através da ajuda de uma grande amiga. Eram duas naquele horário, nos
dias em que havia merenda pra fazer, o trabalho dobrava. Por sorte morávamos
próximo da escola e isso facilitava muito.
A escola vivia um grave problema
de falta de água. Por isso era comum levarmos as panelas grandes, em que era
feita a merenda, pra serem lavadas em casa. Eu passava boa parte da manhã
puxando água do poço pra ajudar no trabalho. As mãos de minha mãe viviam cheias
de calo, da corda do poço. Eu era a filha mais nova, de um total de 5 irmãos. A
escola tinha sido inaugurada há pouco tempo. Era toda bem pintada. Houve uma
grande festa de inauguração. Até o governador do estado esteve presente.
Deveria ter umas 12 salas de aula. Um dos blocos era de dois andares. Sempre
que era possível eu dava uma escapadinha e subia lá no andar de cima e ficava
olhando pra baixo, me sentindo gente grande. Me perguntava se um dia eu estudaria
numa sala daquelas.
No dia da inauguração foi dito
que lá funcionaria apenas o segundo grau Modular. Entendi que era mais ou menos
assim. Os professores vinham da capital, pois não havia professor formado na
cidade. Eles ficavam alguns meses, depois iam embora e vinham outros
professores. Eu pensava como deveria ser interessante a vida deles. Viviam
viajando de um lado pra outro, conhecendo lugares e pessoas diferentes. Eu queria
ter uma vida assim. Minha irmã era aluna do curso de contabilidade, certo dia
eu fui com ela à casa dos professores. Ficava no centro da cidade, era uma casa
grande e cheia de gente. Gostei do ambiente. Havia um ar de liberdade.
Era o mês de junho, e no final
daquela semana aconteceria à primeira festa junina da escola, em que minha mãe
era servente, eu estava muito animada, comentava-se muito sobre como seria a festa.
Na minha escola também haveria festa, mas em nada se parecia com a da escola do
segundo grau. Lá, sim era que as coisas boas iriam acontecer. Não via a hora de
chegar à sexta-feira.
Mas bem, chegou o dia da festa na
escola. Minha irmã seria a noiva do “casamento na roça”. Passou o dia montando
o vestido. Uma correria só. Eu do meu lado passei o dia com a minha mãe na
escola, afinal a diretora, carinhosamente pediu que todas as serventes
ajudassem na organização, mesmo aquelas que não eram do turno. Afinal, a festa
era de toda a escola. Sempre gostei da forma como aquela diretora falava com
todos da escola. De forma calma. Até mesmo quando chamava a atenção de alguém.
Lembro como se fosse hoje, quando
entrei na escola, havia várias barracas com comidas diferentes pra vender, uma
barraca do beijo e até uma “cadeia”. Não entendi nada na hora. Depois me
explicaram. Achei estranho. Devia ser coisa de gente da cidade grande, sei lá.
Eu queria mesmo era ver a quadrilha dançar. Primeiro a diretora fez a abertura
da festa, leu a programação da noite e claro, agradeceu às pessoas que estavam ali
trabalhando pela escola.
Fui chamada pra ir à cozinha com
a minha mãe. Não queria arredar o pé da quadra da escola, mas por fim, eu fui.
Lá chegando, ganhei uma porção de arroz doce! Humm que delicia! Comi
rapidamente, e logo voltei pro local principal da festa. A primeira atração foi
da quadrilha da minha escola, veio dançar como convidada especial. Confesso que
me senti orgulhosa! Eles foram aplaudidos no final da apresentação. Mas então,
a quadrilha dos alunos do sistema modular foi chamada. Nossa! A miss caipira
estava linda! Primeiro dançou sozinha um carimbó, trazia um leque vermelho, que
ora estava na mão direita, ora na mão esquerda. Eu não sabia pra onde olhava.
Depois, entraram os outros
participantes da quadrilha e apresentaram mais duas danças. Na sequência, veio
a o casamento na roça. Aí, foi riso geral. Uma professora da minha irmã entrou
puxando ela pelo braço, e ao mesmo tempo em que se reclamava da vida, brigava
com a noiva, dizendo que sua vida estava acabada, pois ela estava grávida e
teria que casar-se imediatamente. Em seguida entraram os pais do noivo, um
delegado, um juiz, um padre... E por fim um aluno vestido de mulher dizendo que
era namorado do noivo. A cada nova entrada, as gargalhadas só aumentavam, e
assim foi até o final da apresentação.
A essa altura já deveria ser umas
dez horas da noite, então minha mãe se aproximou de mim e disse que já era hora
de irmos embora. Ela teria que acordar cedo no dia seguinte, pra ajudar na
limpeza da escola. Por mim, tínhamos ficado mais tempo na festa. O sono passava
longe de mim naquele momento. Mas, já tinha visto a quadrilha e o casamento.
Estava satisfeita. Naquela noite, ainda fiquei boa parte do tempo acordada em
minha rede. Pensando como seria bom participar daquele casamento, ou dançar
naquela quadrilha!
DO LIVRO ESCOLAS DA AMAZÔNIA:
MEMÓRIAS
TIESE TEIXEIRA JR, BELÉM,
PAKA-TATU, 2015.
TIESE É PROFESSOR DE HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA NO PARÁ
PESQUISA E ESCREVE PARA A
DISCIPLINA DE ESTUDOS AMAZÔNICOS DESDE 2007.
Que inda lembrança, professor pena que estão executando um plano tão diabólico para acabar com o some.
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