“Durante um tempo na história do Brasil, a elite econômica
que dirigia esse país não gostava que o povo estudasse. Só estudava aqui no
Brasil quem tinha dinheiro pra mandar pra Portugal, pra mandar pra França, pra
mandar pros Estados Unidos, pra Inglaterra. Como esse país foi um país, de
forma hegemônica, criado por índios, negros, no primeiro momento, não era
preciso que essas pessoas estudassem. Então, eu conto sempre uma história
muito engraçada: o Peru, que é um país mais pobre do que o Brasil, em
1554, já tinha a Universidade de São Marcos. Não importa de que tipo que
era a universidade, mas o Peru tinha a universidade de São Marcos. O Brasil
só foi ter a sua primeira Universidade em 1920. Quatrocentos e vinte anos
depois da descoberta, a gente foi ter a primeira universidade, que, na época,
era chamada Universidade Brasil. Mas ela não foi criada porque havia
preocupação de ter estudantes nas universidades. Ela foi criada por que na
época o rei da Bélgica vinha fazer uma visita pro Brasil, e um rei para visitar
um país era obrigado a receber o título de doutor honoris causa. Então,
criou-se a universidade para criar um título de doutor honoris causa ao rei da
Bélgica. Isso demonstra um pouco o atraso a que a sociedade brasileira foi
submetida durante tantos e tantos tempos. É por isso que muitas vezes a
gente pega os dados socioeconômicos e a gente vê o Brasil tão atrasado; é por
isso que a gente vê que, proporcionalmente, o Brasil tem menos alunos nas
universidades do que o Chile; é por isso que a gente vê que o Brasil tem menos
alunos, proporcionalmente, nas universidades, do que a Argentina. Por que em
1918, a Argentina já tinha tido em Córdova, a sua primeira reforma
universitária. Em 1918, ela já tinha feito a sua primeira reforma
universitária, e o Brasil não tinha tido a sua primeira universidade. É
só pra vocês lembrarem, quando vocês tiverem na frente do espelho xingando
alguém e falar que o país é atrasado, pra vocês saberem que alguém quis que
o país fosse assim, alguém desejou. Então, quando eu tomei posse, eu não
tinha nem diploma universitário e nem o meu vice José Alencar, mas eu tinha
adquirido consciência nas minhas lutas sindicais. Eu, no aprendizado que eu
tive, de que não existe na história da humanidade e, muito menos existia
alguma nação que tivesse se desenvolvido sem antes investir na educação. Ou
seja, a educação é, definitivamente, a base principal pela formação
intelectual, profissional e cultural de uma sociedade. E quanto melhor for
a educação, mais a sociedade será forte, firme; e a sociedade será uma
sociedade mais avançada, mais solidária, mais fraterna e mais humanista, que é
o que nós estamos precisando, nesse momento, nesse país. “
(Luís Inácio Lula da Silva – Presidente do Brasil) (discurso histórico de Lula - disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=-HACwsMSVdI)
OLHOS VENDADOS
A dinâmica
da história
Calou as
baionetas da revolução francesa
Corpo e
movimento
Alinham-se
à linguagem
E a
pré-história vira história
Esparta
vira Atenas.
O ácaro linguístico
Humanizou o
animal.
O rugir virou
voz.
Democracia!
Democracia!
Brada o
cientista visionário
Mas a
língua cala os anseios da mente.
A cegueira
não está nos olhos
A surdez
não está no corpo
Ó filosofia
sedentária!
Educare!
Educare!
Embebedaram-te
a lógica
E a transformaram
em degradação
Deitaram
teu corpo
Num mármore
duro e frio
Necropsiaram-te
as ideias
Enxertaram-te outras
E a
costuraram como roupa barata
Serás
produto científico do capitalismo
Agirás em
nome dele
Serás clone de todos
Os que te
manipularam
Do servente
ao presidente
Que fim
terás?
Que fim
terás?
A ganância
vicia como cocaína
Expurga a
ideologia
E teu
abrigo será a latrina
Sabedoria!
Ó sabedoria!
És tão
latente
Mas a
humanidade é burra
Não sabe
que a educação
É o que
transforma
Deu ao
homem a linguagem
A
inteligência
E o
civilizou.
Talvez isso
tenha sido
O seu
grande erro.
O SOME E O OFÍCIO DE EDUCAR
A palavra “Educação”, em
português, vem de “ Educar”. A origem desta, por sua vez, é do
Latim EDUCARE que é uma palavra derivada de EX, que significa
“fora” ou “exterior” e DUCERE, que tem o significado de “guiar”,
“instruir”, “conduzir”. Ou seja, em latim, EDUCAÇÃO tinha o significado literal de “guiar para fora”
e pode ser entendido que se conduzia tanto para o mundo exterior quanto para
fora de si mesmo.
A palavra “Pedagogia” tem
origem na Grécia, paidós (criança) e agodé (condução). A palavra grega
Paidagogos é formada pela palavra paidós (criança) e agogos (condutor).
Portanto, pedagogo significa condutor de crianças, aquele que ajuda a conduzir
o ensino.
O termo “Professor” tem origem
no Latim, vem de PROFESSUS que significa “pessoa que declara
em público” ou “aquele que afirmou publicamente”. Esta palavra, por sua vez, é
derivada do verbo PROFITARE. Este significa “afirmar/declarar
publicamente” e é composto de PRO, “à frente” e FATERI,
“reconhecer”. Disponível em https://www.gramatica.net.br/etimologia-de-professor/. Acesso em 12.12,24.
As palavras “Educação”, “Pedagogia” e
“Professor” estão, pelos seus significados, intimamente interligadas. São
termos que espelham a caminhada do homem, desde sua infância, para o mundo além-casa,
além-território, além da experiencia cotidiana, porque a pedagogia conduz o ser
humano através dessa estrada chamada Educação. E, para que isso aconteça, é
necessário que haja um condutor (um pedagogo, um professor), cuja função é
guiar o seu aprendiz na formação do conhecimento empírico e científico, teórico
e prático, mostrando os vários caminhos pelos quais ele poderá andar em busca
de seu futuro, e deixar com que o aprendiz exerça o seu direito de liberdade de
opção, escolhendo, por si mesmo, o tipo de vida que deseja ter e profissão na
qual almeja trabalhar, se desenvolver.
Isso mesmo: vislumbramos a atuação da
educação ao longo da nossa história. E que tipo de educação ou processo
pedagógico se materializa no dia-a-dia da sala de aula em que atuamos? Quem
metodologias utilizamos como forma de ensino-aprendizagem para nossos
aprendizes? Não são os mesmos modelos tradicionais de aprendizado? O assunto
copiado na lousa, a prova escrita que força os aprendizes a decorarem a
matéria, a inteligência e o aprendizado sendo avaliados por notas de zero a
dez, a caderneta para medir a frequência dos aprendizes. Ou seja, defendemos um
novo modelo de ensino-aprendizagem para ser aplicado em sala de aula, mas não
sabemos como fazer para sair do tradicionalismo, porque isso exige o
desenvolvimento de um plano de curso com uma proposta pedagógica objetiva,
específica, inovadora e libertadora para cada disciplina, e mudanças diárias
nos planos de aula; exige inovação, criação, que exige planejamento, que exige
aplicação, que exige preparação não apenas do professor, mas de todos os atores
envolvidos (PRESTES, 2022, p.53, apud NASCIMENTO, COSTA, OLIVEIRA,
2022).
Neste contexto, e, com tal
responsabilidade, o professor deve ter uma visão holística global no que tange
ao processo educacional. Precisa formar o aluno em toda a sua essência, segundo
os aspectos: intelectual, físico, espiritual, moral, social e cultural. Mas,
para fazer isso, o educador tem que passar também por esse processo de
aprendizagem, de absorção desse conhecimento holístico e, não é injusto dizer
que não bastam quatro anos de graduação, ou um ano e meio de especialização, ou
dois anos de mestrado e quatro de doutorado e mais pós-doutorado, buscando
plenitude de conhecimento, porque isso não existe e, enquanto sabemos muito de
uma coisa, sabemos pouco de outra. O conhecimento científico é apenas uma das
facetas da educação, porque esta está impregnada tanto na pesquisa científica,
na sala de aula, no ensino formal, padrão, didático, literário, quanto no
cotidiano, na aprendizagem informal das ruas, das experiencias pessoais, uma
vez que a educação está intimamente ligada à cultura de um povo e não podemos
criar muros para encarcera-la no interior de uma escola. A escola é apenas uma
das facetas da educação, apenas a sua formalização, a gramática da língua que
aprendemos nos livros, sujeita a regras e normas, não a linguagem popular das
ruas, livre, leve, solta, e esse contraste é percebível nas falas, nas ações,
na aculturação dos hábitos e costumes que influenciam o ato de educar, conforme
ilustra o poema “A minha escola”:
“Eu não
vivo de quimeras
Nem de
narrativas fabulosas
A minha
educação é um pouco de casa
Um pouco
das ruas
Um pouco da
escola.
Naquele
tempo – meu tempo –
Os muros
eram baixos que se podia
Até pular
por sobre eles.
Um senhor
de meia idade – seu Agripino –
Controlava
a entrada dos alunos.
Hoje os
muros são altos, altíssimos
As salas
são fechadas e gradeadas
E uns
policiais vigiam a porta de entrada.
Eu não sei
quando foi que a escola
Deixou de
ser escola e virou penitenciária.”
(A minha
escola - Carlos Prestes)
Antes, a sabedoria simples de nossos
pais, nos encaminhava para a sala de aula com valores fortalecidos, como
respeito, honestidade, dignidade, tomar a bênção dos mais velhos, falar sempre
a verdade, ser solidário, e não tínhamos computadores, celulares, tabletes, nem
internet, mas passávamos nos concursos vestibulares com grande quantidade de
concorrentes a uma vaga, porque só existiam, basicamente, duas instituições
públicas ofertando vagas no ensino superior: a Universidade Federal do Pará
(UFPA) e a Universidade Estadual do Pará (UEPA). Com esforço redobrado,
trabalhávamos e nos preparávamos nos cursinhos pré-vestibulares. Não íamos
diretamente para casa após a jornada de trabalho no final do dia; íamos para o
cursinho, participávamos do corujinha, do corujão (aulas durante a madrugada) e
quantas e quantas noites não ficamos na solidão de nossos quartos estudando
mais um pouco, até duas, três horas da madrugada, tendo que levantar seis da
manhã pra tomar banho, se vestir, tomar café e correr pra parada de ônibus
contando o tempo pra não chegar atrasado no trabalho. Essa é a história de
muita gente que sonhou e ainda sonha em viver em um país de oportunidades, que
valorize seus trabalhadores, seja em que área ele atuar; que respeita seus
aposentados e aqueles que ainda estão na luta, que deram e ainda dão seu suor
pelo bem do país.
Todo sonho tem um preço! Nós pagamos
o preço exigido pelo sistema. Nos sacrificamos, perdemos noites e noites de
sono e conquistamos nosso lugar ao sol. Quanta honra e orgulho ao receber o
diploma de nível superior em licenciatura. Deu vontade de correr pra uma praia
deserta ou pro alto de um prédio e gritar: “Agora, sou professor!” Tudo isso,
porque ser professor em nosso país requer muita disposição, determinação, dignidade,
coragem pra lutar contra um sistema apodrecido pela corrupção, contra a fala
ensaiada de políticos hipócritas que só falam bem do professor no seu dia, em
homenagens oficiais. Eles esqueceram que pra chegar aonde eles estão tiveram
que passar por vários professores ao longo de suas jornadas, desde o ensino
infantil até o superior. Não há como fugir desta verdade. Não há como esconder
esta verdade. E quando tentam diminuir a importância do professor na sociedade,
estão diminuindo a importância de seus próprios pais e familiares, que são seus
primeiros educadores. A educação é o que torna as pessoas sábias, inteligentes,
cultas, sensatas, críticas e honestas, quando está fortemente enraizada em
princípios e valores sólidos; é o que torna possível o progresso, o
desenvolvimento de um povo em todas as suas instâncias. Não há como negar que a
educação é a base, o alicerce de toda sociedade que quer desenvolver-se,
progredir, ascender social e humanamente.
Mas por que há tanta
discriminação com a Educação? Por que forças políticas que passaram por ela
desde o berçário, tentam, agora, sufoca-la, cala-la, coloca-la dentro de um
caixão e enterra-la sete palmos abaixo desta terra que pisamos? Como entender esse tipo de atitude vinda de
seres humanos se a educação só faz bem à humanidade? Foi ela que nos deu o
século das luzes, os grandes cientistas, inventores, poetas, escritores,
pesquisadores; foi ela que fez o homem enfrentar os mares bravios nunca d’antes
navegados e chegar a outros continentes, conhecer outras culturas, expandir a
comercialização, tornar possível a revolução industrial, a invenção da imprensa
que possibilitou o acesso ao livro a todas as camadas da sociedade, inclusive,
às classes mais pobres; foi ela que ensinou o homem a lutar pelos seus
direitos, a construir pontes e cidades e artes.; foi ela que trouxe luz ao
período chamado pelos historiadores de “Idade das trevas”; que nos deu as
ciências biológicas, os estudos de História, Filosofia, Química, Física,
Matemática, Línguas, Literatura, Sociologia, Astronomia, Artes. Ela é o que faz
separação entre o que é racional e irracional, entre a máquina e o indivíduo
humano. Se alguém se perdeu na sua
trajetória de aprendizagem é porque a sua educação não estava vinculada a
princípios e valores sólidos.
“Oh, meu senhor! Cadê a educação?
A reforma do doutor Benjamin
Aquele sonho que eu sonhei pra mim
Ministério especial da instrução
Educação nacional: que ilusão.
Rimar educação com instrução
É pensamento de positivista
Porque aqui o homem nativista
Não dá bola pra essa aculturação
Nem percebe o jogo do fanfarrão.
A politicagem ensandecida
Abriu a porta para o particular
Posto o ensino na balança a pesar
Assassinou a nossa instrução pública
Que virou mercadoria, cor
púrpura.”
(trecho do poema Retratos da Amazônia
– Carlos Prestes)
E isso tudo tem início dentro de
casa, no lar, com o senso comum de nossos pais, uma vez que “a palavra ‘educação’ significa mais que um
curso de estudos num colégio. Começa com o bebê, nos braços da mãe. Enquanto a
mãe está moldando e formando o caráter dos filhos, ela os está educando.” (WHITE, 2001, p. 12), ou seja, Os pais devem
primeiro se educar para depois educar as crianças, caso contrário, os maus
hábitos são levados para a adolescência e para toda a vida, mas o aprendizado é moldado e direcionado
na escola formal, dentro da sala de aula, com professores presentes, feitos de
carne e osso, e de mente pensante. Ali, naquele laboratório, o estudante começa
a desenvolver seu conhecimento que vai do empírico para o crítico, teórico,
metódico; ali, ele começa a viajar no tempo passado, presente e futuro,
envereda pelas diversas ciências, caminha pelas regiões do planeta, descobre a
fauna e a flora, até chegar no espaço sideral, esse infinito espaço, que nos
faz crer que o conhecimento é um universo que nunca chega ao fim.
“Olha
pro alto! Olha em derredor!
Vê!
Mede o tamanho do mundo
A
vista não alcança o pormenor
Saber! Saber! Poço sem
fundo.”
(Carlos Prestes)
No Pará, a história não é diferente.
O segundo maior estado do Brasil, o segundo maior pedaço de chão do território
nacional, onde cabem, no seu interior, diversos países da Europa. Neste Pará,
desde a década de 1980 existe um projeto de educação inovadora, e que hoje,
pela sua importância, tornou-se uma política pública. Estou falando do SOME –
Sistema de Organização Modular de Ensino, que é hoje o maior trunfo da
Secretaria de Educação do Pará, reconhecido pelos resultados que tem
apresentado no ensino público e pelos avanços e desafios que tem enfrentado nas
localidades mais distantes do interior do estado.
Fig. 01 – Açaiteua / Viseu: década de 1990.
De acordo com os estudos de Sousa
(2020), que, também, é professor do SOME em Cametá:
O Sistema de organização Modular de
Ensino (SOME) é um “modelo” educacional genuinamente paraense. Criado pelo
Governo do estado do Pará em 1980, na gestão do governador Alacid Nunes
(1979-1983). Surgiu como um projeto inovador que apresentava uma proposta
alternativa de ensino, pensada exclusivamente no sentido de atender e se
enquadrar à realidade da clientela estudantil situada em localidades do
interior do Estado e que até aquele momento estava excluída do processo de
ensino, a nível de segundo grau (hoje ensino médio) e, posteriormente, também
veio atender o ensino de 1º grau (atual ensino fundamental) (SOUSA, 2020, p.
17).
Antes desse projeto, não se tinha
conhecimento de outro igual que contemplasse os interesses da educação voltada
para as localidades do interior dos estados brasileiros. Portanto, o Sistema
Modular de Ensino é pioneiro não apenas no Pará, nem no Brasil, mas no mundo,
pois foi copiado para ser implantado em outros lugares. E por quê? Porque deu
certo. E não se mediu esforços para que desse certo, porque o dar certo, seria levar
conhecimento e cultura aos mais longínquos rincões de nosso estado, espantando
as trevas e acendendo e libertando os sonhos aprisionados de comunidades
inteiras.
“E lá se foi o valente professor
Em busca de um lugar desconhecido
Na sua bagagem livros e mais livros
Pelas paragens do
interior.”
(trecho do poema Canção para o SOME – Carlos
Prestes)
Olhemos para a figura 01, uma foto
tirada com uma máquina fotográfica kodak, não tem a mesma tecnologia de hoje, mas
nos privilegiou com esta cena congelada no tempo. Ela nos conta um pouco do dia
a dia das aulas em Açaíteua, um distritozinho no interior de Viseu, com apenas
uma rua principal, chão de piçarra, com casas de um lado e de outro da rua, num
tempo em que não havia luz elétrica nem na cidade de Viseu, mas apenas luz de
geradores, que funcionavam das seis da tarde até às dez e meia da noite, quando
encerravam as aulas do dia. Lá, nesse lugarzinho, quase esquecido, o sistema
modular estava presente.
AÇAITEUA
“Uma rua
vermelha... de canto
Uma escola
na entrada do lugar
Uma
igrejinha, na qual o padre,
Vindo não
sei de onde,
Vez por
outra celebra missa.
Uma
pracinha mal iluminada
Onde
costumam se encontrar
Adolescentes
enamorados.
Outra
escolinha lá... no fundo da praça,
Esquecida.
Um carro de
boi
Com um
lamento ruidoso...
Eis o retrato de
Açaiteua.”
(Açaiteua - Carlos Prestes)
Esta fig. 01 mostra uma exposição de
artes desenvolvida por alunos, com orientação de uma professora de artes do
SOME. Nesta exposição, vemos as principais construções do distrito em
miniatura. Parece simples, mas quem não conhece, não pode imaginar as
dificuldades para se levar material da capital para o interior, naquela época,
em ônibus da Boa Esperança, que só fazia aquele trajeto uma vez por dia, com
cerca de sete horas de viagem, a fim de que o trabalho escolar fosse efetivado,
e as aulas teóricas, conceituais, fossem postas em prática. Quantas e quantas
vezes o ônibus atrasou ou deu prego de gasolina ou o pneu que furou, e chegamos
em Açaiteua por volta de uma hora da manhã, as ruas e casas totalmente na
escuridão. No outro dia, tínhamos que estar prontos e dispostos para nos
apresentar na escola, conhecer os alunos e começar as aulas. Não podíamos
perder tempo, porque tínhamos um calendário de cinquenta dias letivos a cumprir.
Fig. 2: Dificuldades de acesso para a localidade, estrada de
Capitão Poço/PA-2018.
São esses tipos de
desafios e dificuldades que nossos professores e alunos enfrentam no dia-a-dia
contra a ignorância das autoridades, quer sejam municipais ou estaduais. Aqui a
luta é enorme para formar nossos alunos e dar a eles a oportunidade de ter uma
vida digna, de crescerem como seres humanos. Quem quer realmente fazer a
diferença nas áreas social, educacional, cultural, política e econômica não se
nega a enfrentar essas estradas lamacentas, consumidas pelas enxurradas e
descaso das autoridades que tentam frear o caminho da educação. Quem já andou
pela Transamazônica sabe que isso é uma realidade.
“A
Transamazônica
Que ora é
sinônimo de pobreza
Miséria e
desgraça
Outrora
dourou o sonho
De muita gente boa e pacata.”
(trecho do
poema Uruará – Carlos Prestes)
Fig. 3: Acesso pelo rio em período chuvoso. Cametá/PA – 2017.
As paisagens podem se diferenciar em
relação às localidades, mas a realidade dos transportes para se chegar à escola
é a mesma, ou, pelo menos, são muito parecidas, uma vez que a diversidade
geográfica é ampla, como se percebe no excerto a seguir:
O Estado do Pará, na linguagem
geográfica, possui ampla extensão territorial, com dimensões intercontinentais,
abrangendo cidades bem dispersas ao longo de sua territorialidade, algumas com
enormes distâncias entre si, com seus processos de ocupações bastante
singulares, congregando populações com uma diversidade gigantesca e bem
heterogêneas quanto às origens dos povos que habitam a Amazônia (COSTA, NASCIMENTO e OLIVEIRA, 2020, p. 23).
Aqui, a figura 03 nos expõe a realidade
de alunos e/ou professores tentando atravessar de barco o furioso rio para
chegar ao seu destino: a escola. As lembranças mostram também que, por
infinitas vezes, muitos professores lotados nos circuitos do Baixo Amazonas ou
da região marajoara, tiveram como transporte desde embarcações grandes e
confiáveis, como as que viajavam para os lados de Gurupá, Porto de Moz, Breves,
Santarém, até pequenas embarcações, como os conhecidos popopôs e as rabetas. Os
furos dos rios guardam em suas enchentes e vazantes as marcas das passagens de
professores atravessando o seu leito misterioso, por vezes, durante o dia, por
vezes, durante a madrugada, passando por aperreios, mas, por fim, chegando são
e salvo em mais um circuito, pra mais um módulo, em alguma cidadezinha do
interior, enquanto lá, na cidade grande, a família dorme tranquila, porque sabe
que pode contar com o seu provedor. No entanto, esse distanciamento familiar
trazia também seus problemas, suas consequências, como se observa no trecho
abaixo:
Os atos de ir e vir dos docentes
mobilizavam as famílias também e moldavam os comportamentos. Recordamos que uma
fala comum nos docentes, nos corredores da Secretaria de Educação (SEDUC),
apelidado de “muro das lamentações”, quando iam recebem material de trabalho, é
que nos primeiros anos de viagens, os familiares iam até o aeroporto, ou porto,
ou rodoviária, para se despedir de seu familiar que partia para o trabalho no
SOME; com o passar dos anos, tudo virava rotina, já não compareciam nos
embarques para as tais despedidas; pelo contrário, com a presença do docente em
seu núcleo familiar por mais de uma semana, já provocava questionamentos, tipo:
quando você viaja? Quando vai trabalhar? Isso era dito com uma dose de humor,
mas servia para destacar as adaptações de todo um contexto familiar, às formas
e relações de trabalho (COSTA, NASCIMENTO e OLIVEIRA,
2020, p. 36).
É preciso esclarecer que nem todo
professor ou professora passou por esse tipo de problema, ou foi questionado
sobre quando iria viajar. Mas é imperativo registrar que muitos docentes
tiveram sérios problemas familiares, ao ponto de culminar em separação,
divórcio, traição, alcoolismo, depressão, insegurança, laços familiares destroçados
e até morte.
O que faz, realmente, com que um
professor deixe o conforto do seu lar, o aconchego da sua família, da sua
cidade, dos amigos, e vá se embrenhar em alguma localidade do interior do
estado, a fim de ministrar aula para alunos da escola pública? Talvez seja a
oportunidade de colocar em prática o que aprendeu durante os quatro anos nos
bancos de uma universidade; talvez seja porque alimentou, desde os tempos da
universidade, o sonho de querer mudar o mundo através da educação; ou talvez
seja pela necessidade da própria sobrevivência, de suprir as necessidades de
seus familiares.
A verdade é que somente cada docente,
individualmente, conhece o tamanho de sua dor, de suas necessidades,
prioridades e escolhas, uma vez que ele é também, mais um trabalhador lutando
pela sua própria sobrevivência, no contexto de uma sociedade que elitiza alguns
cursos superiores (medicina, direito, arquitetura, engenharia) em detrimento de
outros (filosofia, sociologia, história, geografia), ou mais especificamente,
os cursos de licenciatura.
GAIOLA
Lá vai o Gaiola
Pendurado de redes
De tudo conté cor.
Lá vai o Gaiola
Cheio de gente, de sacola
Farinha, açaí, cupuaçu.
Lá vai...
Lá vai o Gaiola
Subindo e descendo o rio.
Ladeira acima
Ladeira abaixo
Lá vai...
Lá vai o Gaiola
Carregando em seu leito frio
A humanidade esquecida.
(Gaiola – Carlos Prestes)
O SOME E A ESCOLA
Fig. 04 – Escola em Palestina, sudeste do Pará.
Eis, na figura acima, o retrato da
escola do interior! Quase sem pintura, suja, desprezada. Mas é nela, dentro
dela, que o conhecimento se desenvolve, que o aluno aprende a colocar suas
esperanças em prática; é dentro dela que o professor e professora se sentem
realizados e têm a certeza de que estão no lugar certo, na profissão certa,
porque sabem que estão ajudando muita gente a bater asas e voar, voar para
fora, para o alto; esses professores sabem que estão formando cidadãos para
ajudar a construir uma sociedade mais justa. É dentro dessas salas de aula que
é dado o primeiro passo para o nível superior, para o mestrado, doutorado e
pós, em que, muitas vezes, o aluno supera seu mestre, pois continuou trilhando
seu caminho na educação, um caminho que nunca acaba, mas que dá prazer. Ali,
naquela sala de aula, o aluno começa a trilha sua independência. Mas,
infelizmente, não é somente a escola que influi na qualidade de ensino do corpo
docente do SOME e de aprendizado do corpo discente. Há outros fatores também,
tais como:
A infraestrutura da moradia destinada
aos professores, bem como da escola; as condições de alimentação; o nível do
relacionamento entre os colegas de trabalho: a maturidade psicológica para
suportar a distância e a saudade dos elos familiares; as formas de
relacionamento com a comunidade e com a estrutura de poder do município (prefeituras,
secretaria de Educação, Gestão Escolar, etc.) (COSTA, NASCIMENTO e OLIVEIRA,
2020, p. 36).
Todo ser humano passa por uma escola,
tem um professor ou professora que lhe ensina as primeiras letras (como se
estivesse aprendendo a dar os primeiros passos) até o nível mais elevado. E,
nessa trajetória escolar, muitos são os mestres e mestras que vão dando tudo de
si até os cabelos ficarem brancos ou grisalhos. Que pena que muitos desses
aprendizes, que se tornaram políticos, pessoas públicas, com poder de decisão, tenham
virado as costas para as suas raízes e esqueceram de onde vieram, deixando suas
regiões, as escolas e sua gente à mingua. O poema a seguir é o testemunho real
de um professor do SOME, ao descrever sua escola numa comunidade do interior do
estado.
: Fig. 05 escola
SALA DE
AULA DO INTERIOR
Era um pequeno espaço
Media seis ou sete metros quadrados
Mais ou menos...
Umas trinta cadeiras decoravam
O ambiente rústico.
No canto esquerdo de quem entrava
Havia uma mesinha de madeira.
O tamanho era bastante para se por
Alguns pertences.
A parede exibia um quadro
Todo pintado de verde.
Estava um pouco riscado de giz.
No teto, passeavam passarinhos.
Ah! Como cantavam...
O resto era tudo silêncio.
Silêncio e vazio...
Era uma sala de aula
Sem professor
Sem aluno
Maltrapilha
Triste
Como muita gente quer.
(Sala de aula do interior – Carlos Prestes)
Esse poema é a imagem da realidade de
muitas e muitas escolas que se encontram abandonadas nos rincões desse imenso
território paraense. Escolas mal pintadas ou sem pintura, cadeiras quebradas,
lousas riscadas, salas quentes e desconfortáveis, professores se esforçando pra
ensinar, alunos se esforçando pra aprender, porque desejam superar essa
realidade. Em muitos lugares, nem escola há, senão barracões improvisados,
muitas vezes, pelos próprios alunos.
Fig. 06: escola
E pra subir nessa escala social é
preciso estudar, estudar e estudar. Por isso, o papel do professor nessa
escalada social é fundamental para os aprendizes e, nesse sentido, o professor
produz desenvolvimento social, científico, cultural e tecnológico. Sem ele,
tudo isso se esvai e nos tornamos selvagens, cidadãos de última categoria,
deixando-nos impregnar e guiar por culturas alheias às nossas origens; nos
tornamos fracos e facilmente influenciáveis por civilizações que dominam o
conhecimento. E quando dominam o conhecimento, dominam também nossas mentes,
nossa vontade, não somos mais donos de nós, voltamos a ser escravos, mas
escravos de todas as cores e nacionalidades.
E é isso que tentam fazem no Pará,
quando atentam contra o SOME, querendo faze-lo desacreditado, indiferentes à
sua história de lutas memoráveis, indiferentes aos milhares de alunos aprovados
que terminaram o ensino médio, que passaram no vestibular, no Enem, que se
tornaram mestres e doutores, e que hoje estão ministrando aulas nas
universidades, faculdades, trabalhando em multinacionais, empresas, órgãos
públicos ou trabalhando em grupos de pesquisas, e, ainda, trabalhando como
docentes no próprio SOME. Não, nada disso é levado em conta quando a meta é
enriquecer com o dinheiro público. É bem verdade o que a célebre frase de
Odorico Paraguaçu, personagem interpretado por Paulo Gracindo na novela “O Bem
Amado”, nos faz refletir: “A ignorância é que atravanca o progresso!”
O SOME, mesmo com toda a precariedade
de parte das escolas em que os professores trabalham, em alguns municípios,
ainda consegue apresentar uma metodologia não bancária, em que o aluno tem o
seu lugar, voz e participação, numa troca de conhecimentos e saberes. E o
professor, enquanto ensina, também aprende com a cultura e sabedoria popular
das comunidades. E, nesse contexto, Miguel Arroyo acrescenta que a educação
bancária serviu e ainda serve para adestrar ou manipular a educação do povo. E
é esse controle, essa manipulação do povo que o sistema não quer perder, porque
quer
educar com adestramento, com moralização
para termos um povo ordeiro e trabalhadores submissos. Esta visão de educação é
bastante divulgada. A escola, o ensino, o aprender as letras lembram processos
sociais menos conformadores, mais libertadores. Desencontros que têm marcado a
visão da educação e da escola e a autoimagem de seus profissionais. Nos vemos
mais como docente do que como educadores e vemos a escola como tempo de ensino,
mais do que como tempo de educação (ARROYO, 2010, p. 50 apud OLIVEIRA, COSTA, NASCIMENTO, 2020, p. 47).
O poema a
seguir traz uma reflexão que envolve poder-manipulação-submissão, e todos estes
termos encontram-se relacionados explicitamente em campanhas políticas. É um
reflexo da educação bancária, a fim de que o rei não perca o seu trono pra um
aventureiro qualquer.
O MÁGICO
Eu não sou
contra o Estado
Ou contra o
povo
Sou contra
mim
Ora Estado,
ora povo.
Um elege,
outro intima.
O que
legaliza se desencanta
Mas para o
eleito, que importa?
O poder já
foi dado
Passado em
folha de papel
Voto a voto
contado.
Não foi
usurpado com exércitos
E canhões e
gritos angustiados.
Foi
premiado pela oratória planejada
De projetos
e promessas.
E o povo
ria e se divertia
Enquanto se
condenava.
A esperança
era uma barriga cheia
Emprego com
carteira
Casa com
divisão
Educação
sem muro nem portão.
Mas o
grande mágico
Fez uma autorreflexão
E viu o que
me devia:
Juros altos
Impostos
Demissão.
O povo não
é o Estado
E o Estado
não é o povo.
Quisera
fosse essa aglutinação:
Povotado
E a
dignidade não seria uma
Reivindicação.
Ao
proletário, a clausura.
Ao Estado,
a celebração.
As suas
gargalhadas abafam
Os meus
protestos – pobre Ernesto.
Tenho fome,
já não posso gritar.
Roubaram-me
a linguagem da alma
E o telhado
da casa.
Arrancaram
a leitura das minhas mãos
Mas os
calos ficaram acenando
Numa
perturbadora acusação.
Fez-me sua
Geni
Sua Bola de
Sebo
Fui feito
pra apanhar
Sou bom de
se cuspir.
Tudo
assim... Pirimpimpim!
Num passe
de mágica...
Eles só precisam
mentir.
(O Mágico – Carlos Prestes)
O SOME E O PROFESSOR
Parodiando Fernando Pessoa eu poderia
dizer que “o professor é um lutador, luta tão completamente que chega a lutar
com a dor, a dor que seu aluno realmente sente”. Muitas vezes, esquecemos a
nossa própria dor da ausência de nossos familiares, da distância, da separação,
das coisas que deixamos para traz, aquela dor física e também emocional, e
entramos num mundo que, para muitos de nós, era completamente desconhecido;
pisamos numa terra que não imaginávamos existir, nos deparamos com uma cultura
diferente da que estávamos acostumados, conhecemos pessoas com hábitos
singulares, próprios de suas regiões, como do Marajó, do baixo Amazonas, do sul
e sudoeste do Pará, das vicinais da Transamazônica, gente simples ribeirinha
das águas, caboclas, gente do campo, quilombolas, gente que tinha a cultura do
churrasco entranhada nas veias, gente que de manhã bem cedinho saia pra pescar,
fazer avoada na beira da praia ou do rio, gente de todas as regiões do Brasil, uma
mistura de raças e culturas que fazem do Pará uma terra miscigenada, rica de
pessoas, de falares, de conhecimento popular. Assim,
As experiencias docentes no âmbito do
SOME envolvem uma complexidade de situações inusitadas que desafiam a formação
acadêmica, a visão de mundo e até os padrões de relações interpessoais que os
profissionais levam em sua “bagagem”. Isso ocorre porque os professores, ao
ingressarem no projeto, passam por um processo de reestruturação de suas vidas,
desvinculando-se da convivência com seu lócus familiar na maior parte do tempo
de um ano letivo, passando a conviver diariamente com outros professores do seu
grupo de trabalho, na mesma casa destinada a alojar os docentes itinerantes, em
diferenciadas culturas, entre as diversas comunidades (COSTA, NASCIMENTO, OLIVEIRA,
2020, p. 35).
Quem conhece o território paraense na
palma da mão como o professor do Modular? Ele, que conviveu com a realidade de
cada município onde trabalhou, que conhece cada comunidade por dentro, porque
estava lá, ninguém contou pra ele uma história, nem leu em livros didáticos,
não... ele estava lá, viu com seus próprios olhos. E não conhece apenas a
comunidade, mas o professor do SOME conhece seu aluno e sua família, participa
de seus sonhos, ânimos e desânimos, sofre junto com seu aluno e comemora com
ele sua vitória. Toda sua experiencia e conhecimento são colocados à disposição
de seus alunos na sala de aula e fora dela. E onde estão esses professores
agora? Professores da antiga e nova geração, onde estão? O que o estado tem
feito por eles? Que tipo de agradecimento lhes tem honrado a memória?
Fig. 08: professores Nonato Bandeira, Carreirinha, João Guilherme e Claudete (in memoriam) – Medicilândia, 1990, num momento de descontração.
ONDE
ESTÃO VOCÊS?
Onde estão...?
Onde estão vocês?
Pra onde aqueles pés empoeirados os levaram?
Em que porto descarregaram as bagagens?
Os livros, as cadernetas de anotação
O álcool azulado, o stencil?
Onde estão as fitas k-sete?
O mimeógrafo amarelo?
As fotografias da Kodak?
As lembranças da polaroide?
Onde estão...?
Onde estão vocês...?
Há pegadas nas maresias do Baixo Amazonas
Pegadas que nadaram nas águas de Breves,
Gurupá, Porto de Moz
Embaladas pelos contos amazônicos do boto,
Do curupira, da matinta
Levadas pelo Rodrigues Alves
Pegadas... Pegadas...
Tantas pegadas...
Pegadas invisíveis que o tempo – esse carrasco –
Tem por ofício apagar...
Onde estão vocês que meus olhos
Só vislumbram nos velhos álbuns de fotografia?
Éramos assim... uma família fora do lar familiar...
Uma equipe que brincava e brigava
Conversava e discutia
Festejava e se consolava...
Sim, tinha que ser assim
Um no ombro do outro
Porque a saudade nos assaltava
Nas noites silenciosas
Nos maltratava com lembranças
Do que ficou pra traz
Ah, Belém, Belém!
Belém do Pará!
Tu nos fizeste ir... e nós fomos
Fomos de mala e cuia
Mochila nas costas
Maleta nas mãos
No Boa Esperança encaramos a Transamazônica
Descemos em Altamira, passamos por vitória do Xingu
Voamos por Medicilândia, atracamos
Em Uruará, Placas, Pacajá
O pó amarelado da rodovia cortava o ar
E manchava as cores da floresta...
O veículo, destemido, deslizava na estrada
Escorregadia de sabão
E, mesmo assim, íamos desbravando as vicinais
Que entrecortavam a rodovia...
Sim, tantas diversidades diante de uns olhos
Maravilhados.
Assim, fomos viajantes na nossa terra
Conhecendo o desconhecido
Cultura
Costumes
Gente
Enfrentando a braveza das águas
Nos furos do Marajó
A água batendo insistente no casco do Gaiola:
Chuá... Chuá...
Parecia uma canção melancólica batendo
No casco de nossas memórias.
Oh, que nostalgia!
Que tempos vividos dos projetos
De intervenção
Das atividades culturais
Da dança, das peças ensaiadas
Das memórias transcritas do lugar
Da sala de aula, da escola, dos alunos...
Do professor...
Ah, professor, professor!
Tanta história pra contar
Tantos livros a escrever
Tudo guardado no baú da memória
Que te parece como que uma voz a clamar:
Conta! Conta! Antes que se apague da mente
E se vá.
Se a morte ainda não veio nem mostrou
Sua palidez
Eu volto a indagar:
Onde estão vocês?
Não somos uma “Sociedade de poetas
mortos”, cujas fisionomias ficaram congeladas na vitrine de um grande quadro
pendurado na parede da sala de uma casa, nem somos uma geração ultrapassada,
porque o professor nunca será substituído por uma máquina. A máquina, fria, não
pode dar calor, esperança, ao aluno; não pode debater em sala de aula, ouvir o
outro, tirar dúvidas ali, na hora, fazer intervenções, elogiar o esforço
coletivo ou individual, ou mesmo chamar a atenção para questões importantes; a
máquina não vai à casa do aluno saber porque ele faltou à aula, nem se preocupa
em saber porque o aluno está tirando notas baixas. A máquina não consegue
relacionar o baixo rendimento ou comportamento do aluno a questões familiares,
não derrama lágrimas nem se emociona. O professor do SOME traz toda essa
bagagem dentro de si, porque a aula vai muito além da sala de aula, muito além
da escola, muito além de um contracheque. Ali, ensinamos e aprendemos num relacionamento
mútuo, com troca de conhecimentos formais e empíricos, dentro e fora dos muros
da escola. Isso é educar de verdade, preparar o aluno para caminhar com seus
próprios pés, pensar e tomar decisões com sua própria liberdade de consciência,
de escolha, numa contextualização de educação formal, não formal e informal.
Ali, o professor enxerga o ser humano.
O termo “educação à distância” já é,
por si próprio, depreciativo, não traz consigo a “bagagem” de experiencias que
só a vida e a convivência pode proporcionar, pois anula a figura do professor
em sala de aula, diminui totalmente a relação professor-aluno, o corpo a corpo,
a socialização e cooperação mútuas, aspectos tão inerentes ao ser humano, substituindo-o
por uma máquina projetada para emitir imagens e sons – a televisão -, com
programação pré-gravada e imposta, onde o instrutor não vê o aluno, não se relaciona
com ele, não sente o calor nem os desafios da sala de aula. Ali, sua única
função é informar sem saber se há aprendizagem ou não. Ali, a máquina não vê o aluno nem ouve suas
críticas e ponderações. Ali, o aluno não tem com quem abrir o coração. Ele
está, sozinho... sem o seu professor, aprendendo com uma máquina... uma
educação bancária, como muita gente quer.
“Quem pode entender!?
Esse semideus
Máquina, tecnologia,
Criador e criatura
Que entre ferramentas e parafusos
Se mistura – afrouxa, aperta
Lubrifica a ideia e o sentimento
Mas no fundo, no fundo – bem lá no
fundo -
Vive na clausura.
Oh, homem de ferro!
Essa capa que enferruja
Não te deixa suportar o peso
Nem ver que o mundo é
belo.
Quem pode entender esse ser!?
Essa máquina... Esse
homem
Esse homem... Essa máquina
Essa máquina... Esse homem
Esse homem... Essa máquina
Essa máquina... Esse homem
Esse homem... Essa máquina...”
(trecho do poema
Quem pode entender!? – Carlos Prestes)
A educação à distância não apenas
tira o professor da sala de aula, mas ignora seu trabalho, seus anos de
capacitação e experiencia, diminui a qualidade de ensino, prejudica os alunos,
deixa o professor com futuro duvidoso. Ela diminui a mão de obra apenas para
garantir a contenção de despesas e encher o bolso com dinheiro de quem deveria
zelar por uma educação de qualidade. É um tipo de ensino imposto pelo poder de
quem tem nas mãos a autoridade de decidir, sem sequer consultar os mais
interessados: alunos, professores, pais e comunidades.
Fig. 09: Faro – 1993 (prof. Ricky, Nilson e Joaquim)
Hoje, quando muitos desses
professores deveriam estar felizes, comemorando, com seus cabelos grisalhos, a
trajetória vitoriosa de tantos anos na estrada, ensinando em escola pública do
interior, indo de um município pra outro com malas de materiais e conhecimento,
pensando em revolucionar, pelo menos, aquele pedaço de chão, se deparam, de
repente, com Brutus apunhalando Júlio César pelas costas, uma referência ao
governador do Pará representado pelo secretário estadual de educação, numa
investida contra o SOME e seus representantes.
Olhem para a imagem congelada no
tempo! Olhem, professor e professora! Vejam se vocês não se veem nessa imagem?
Vejam se não dá saudade daqueles tempos em que desbravávamos o Pará? Perguntem
pra si mesmos se não fariam tudo outra vez, se fosse preciso, para que o SOME
não pare de voar.
“O SOME começa assim a voar
Voar pra outras terras além do Pará
Vai muito, muito além do Amapá
Pra países além do nosso rio-mar...
Estrofe
XX
E, assim, com tanta história pra contar
Histórias de alunos e professores
Muitos viraram mestres e doutores
Outros ainda têm chão pra pisar...
Estrofe
XXI
Olha que trato com a educação
Que recupera do povo a memória
Relatos vivos de uma dada história
Feita com projeto de intervenção...”
(trecho do poema Uma Canção para SOME – Carlos Prestes)
Fig. 10: Medicilândia (professores Joaquim, Erecê e Carlos Prestes do SOME visitando a usina Pacal (década de 1990). Professor Carlos prestes está batendo a foto.
A imagem da figura 09 mostra
professores do SOME visitando a usina Pacal no km 90 da Transamazônica,
município de Medicilândia, onde foi realizado um grande projeto cultural
através da dança e dramatização, envolvendo as turmas do 1º, 2º e 3º graus
magistério e contabilidade (hoje ensino médio). Ali, muitos projetos de
intervenção foram realizados, projetos que marcaram a história do município,
que movimentaram toda a comunidade escolar e familiares de alunos, políticos,
autoridades e a população em geral.
“Quem já
andou, caminheiro
As tantas
léguas deste Pará
De certo que já pisou este trecho
Cuja
cana-de-açúcar avortada dá.
Por trás
daquelas serras, caminheiro
Que dão
pras bandas de cá e de aculá
Onde a
vista se perde no cacaueiro
Por lá,
fique certo, já andou o professor do modular.”
(trecho do poema Canção para Medicilândia –
Carlos Prestes)
Fig. 11: dança folclórica (Medicilândia)
Fig. 12: Dramatização (Medicilândia)
Fig. 13: dança do boto (Medicilândia)
Assim foi que, em Medicilândia, até
as autoridades municipais se envolveram no projeto cultural dos professores do
SOME, porque sabiam que aquilo era bom pro município e para a própria
prefeitura que alugou um palco móvel e contratou uma dupla de cantores
sertanejos para se apresentarem durante a programação dos alunos do SOME. As
apresentações foram tão boas que os professores do regular pediram que nossos
alunos se apresentassem no fechamento das aulas do 1º semestre do ensino
regular. A dança folclórica faz renascer, no indivíduo, o gosto e interesse
pelo nosso passado, nossas raízes, nossa terra, nossos costumes, os costumes
originários de cada região que torna o nosso país tão especial e diferenciado.
Isso marca a história dos alunos e dos professores.
Não foi uma programação à toa, apenas
para diversão da comunidade. Não! Aquilo era um projeto de intervenção, onde as
aulas teóricas discutidas em sala de aula, com livros, lousas, cadernos e
canetas eram estendidas, dali, para o palco da vida, numa materialização de
todas as disciplinas. Ali, as dramatizações traziam à luz temas sociais para
serem percebidos pela comunidade, como a ida do homem do campo para os grandes
centros urbanos em busca de emprego, carregando na bagagem o sonho de ganhar
dinheiro, melhorar a vida da família e retornar para sua terra natal; a
infância perdida de crianças que vivem nos abrigos ou nas ruas, abandonadas ou
maltratadas pelos pais; a questão das oportunidades de estudo para alunos
oriundos de famílias de baixa renda em contraste com alunos de famílias de alto
poder aquisitivo; a difícil vida fácil
de prostituição nas ruas dos grandes centros urbanos; a profunda desigualdade
social entre as classes mais favorecidas e menos favorecidas como causa da
marginalização e aumento da violência no mundo, etc. Todas as apresentações foram inspiradas
por temas musicais que serviram como pano de fundo para debates, criação de
textos, ensaios e apresentação.
4: Santarém Novo: casa dos professores (pousada), década de 1990.
A imagem acima
é de uma equipe de professores em uma pousada, onde estavam alojados, em Santarém Novo, uma cidade do Estado do Pará, onde havia a presenta do Sistema Modular. Os habitantes se chamam santarenos.
O município se estende por 229,5 km² e contava com 6 709 habitantes no último
censo. A densidade demográfica é de 29,2 habitantes por km² no território do
município.
Vizinho dos municípios de Maracanã, São João de Pirabas e Primavera, Santarém Novo se situa a 18 km a Sul-Leste de Maracanã, a cidade mais próxima nos arredores. (disponível em https://www.cidade-brasil.com.br/municipio-santarem-novo.html).
A foto registra um momento comum de
descontração na pousada onde os professores estavam hospedados, uma vez que,
nem todos os municípios tinham condições de oferecer uma casa para abrigar os
professores. Naquela mesa, se conversava sobre assuntos de aula, do dia-a-dia,
particulares, política, cultura, música e sobre família ou planos para o
futuro. Mas nunca se concebia que um dia nos veríamos longe uns dos outros,
separados pelo espaço geográfico, por região, por Estado, pela palavra saudade
batendo forte na mente e no coração. Por onde andamos nós? A Estelita continua
em Ananindeua, aposentada e com a família ao seu lado; o Joaquim se arranjou
com a Ritinha, sua aluna na época em Açaiteua (Viseu), deixou o SOME e foi ser
professor do regular no mesmo local; a Karina, ainda em atividade, anda desbravando
o Abaeté. Os outros professores da foto não sei por onde andam, nem me vem à
memória seus nomes, mas estejam onde estiverem, qualquer um deles e, ainda
outros, que não estão aqui nesta crônica improvisada, que celebra as memórias
do SOME, estejam onde estiverem, sabem que fazem parte dessa história, que
ajudaram a construí-la, que só existem mestrados e doutorados e trabalhos
acadêmicos sobre o SOME por causa deles – do professor e da professora do SOME.
O SOME E OS ALUNOS
“Coração de estudante / há que se
cuidar da vida / há que se cuidar do mundo / tomar conta da amizade” (Coração
de estudante: Milton Nascimento)
Vida de aluno não é tão fácil assim,
principalmente para quem mora no interior do Estado, e, mais difícil ainda é,
para quem mora no interior do município, em um daqueles distritos onde não
havia luz elétrica, nem feira, nem comércio; onde se matava um boi por semana,
sempre aos domingos, e se fazia fila no centro da única pracinha pra tentar
comprar pelo menos um quilo de carne. Sim, em muitos lugares era essa a
realidade. E tanto professores como alunos sentiam na pele essa dura realidade.
Porém, muito mais os alunos, uma vez que, após 50 dias letivos, os professores
retornavam para a capital, mas os alunos não. Eles moravam ali, e tinham que
suportar os dissabores de morar num lugar tão desassistido pelo poder público.
Esse, talvez, fosse o maior incentivo pra que eles estudassem e removessem as
pedras do meio do caminho.
Como deixar de falar desses heróis
anônimos que moram no interior do Estado, quando tantos e tantos andaram
quilômetros na Transamazônica pra chegar à escola por baixo de chuva e chão
lamacento? Assim mesmo, eles chegavam com a camisa molhada, a calça levantada
até o joelho, os pés sujos de barro, cansados e ofegantes, mas não faltavam à
aula; quantas vezes não foram pra aula com fome, o ônibus quebrou, o gerador
queimou. É por isso que o professor do SOME tinha um compromisso mais do que
social com esses meninos e meninas. O professor tinha um compromisso humanitário.
GAROTO
Eu olho pra ti, garoto
E vejo a minha adolescência
Tímida, passiva
Na carteira passiva, tímida
Da sala de aula.
Eu
olho teus olhos, garoto
E
vejo uma sombra de lágrima
Escondida,
retraída
Minha
lágrima perdida.
Eu olho tua face, garoto
E vejo aquele sorriso aprisionado
De um menino que queria ser amado
Não despedaçado.
Eu
olho pra ti, garoto
E
vejo o silêncio na nota dada
A
perplexidade da prova passada
Coisa
que não vai dar em nada.
Eu ainda olho pra ti, garoto
E ainda vejo o reflexo daquela
Aula normativa, metrificada
Fragmento de avaliação meritocrática.
Diante
de tão sofrida batalha
Me
desanuvias os olhos que a noite tragara
Arrancando-me
o mármore do peito
Pesado
mármore que me tinha por eleito.
Foi preciso ver-me em ti, garoto
Foi preciso te descobrir
Foi preciso ver teu não sorrir
Foi preciso sair daqui.
Então
saí, do alto do meu palácio
Desatrelei-me
dos conceitos empoeirados
Botei
fora o latim clássico
Aprendi
tua língua sem embaraço.
Agora, quando te vejo, garoto
Escrevendo no quadro desta sala
Analisando a poesia apresentada
Lembra-me as noites, os dias, as horas
De ofício, e eu sei que valeu a pena.
A experiencia que adquirimos como
professores do SOME, os anos que passamos viajando por várias regiões do estado
do Pará, nos fez ver de perto não apenas as inúmeras belezas naturais do
interior do estado: os rios, igarapés, matas, culturas, costumes, hábitos,
falares, contos, dança, folclore, mas também as dificuldades dos alunos, ou
pelo menos boa parte dos alunos, em conseguir chegar até a escola. Não são
poucos os relatos de transtornos vivenciados por nossos alunos no decorrer do
ano letivo, pois, em muitos casos, o transporte era particular, alugado pela
prefeitura.
Em certo momento, durante um módulo
na localidade conhecida como Km 74, na Pará-Maranhão, os alunos de um distrito
distante cerca de 10 km, para chegar à escola, tinham que ser transportados em
caminhão pau-de-arara. As aulas começavam às dezenove horas e terminavam às
vinte e duas horas e trinta minutos. No final das aulas era outra dificuldade
para os alunos voltarem para casa, pois muitas vezes, o caminhão não se
encontrava no local. Quando tínhamos sorte, a prefeitura contratava um ônibus
para atender a comunidade escolar.
Como se não bastasse os problemas com
transporte, um dia, o gerador que atendia a escola, pifou e deixou a escola no
escuro durante todo o resto daquele módulo. Tivemos que improvisar as aulas
durante o período diurno.
A figura 15 mostra uma sala de aula
transformada em sala de leitura pelos professores do SOME. Todas as vezes que
se dirigiam à Belém em algum final de semana, retornavam à localidade com
livros, revistas, jornais que eram deixados na sala de leitura para que qualquer
pessoa pudesse pesquisar, estudar, ler.
Fig. 16: escola municipal de Açaiteua/Viseu-Pará5 (década de 1990)
Nesta localidade, também houve
problemas com transporte escolar. Certa noite, o dono do ônibus não quis levar de
volta uma parte dos alunos que moravam em uma vila a alguns quilômetros de
Açaiteua, porque a prefeitura já vinha atrasando o seu pagamento em mais de
dois meses e ele tinha que tirar dinheiro do seu próprio bolso pra colocar
combustível e fazer a manutenção do coletivo. Um morador que tinha um caminhão,
se condoeu com a situação dos alunos e se ofereceu para leva-los de volta à
vila onde moravam.
Na figura acima, temos, também, uma
amostra de trabalhos de arte feita por alunos do primeiro ano, curso
magistério.
O Sistema Modular foi, sem sombra de
dúvida, a melhor política pública de educação feita para atender os estudantes
de ensino fundamental e médio do interior do estado do Pará. Agora, a família
não precisa mais se separar, os pais não precisam mais mandar seus filhos para
os grandes centros, ou para Belém, a fim de darem continuidade aos estudos do
ensino médio, porque isso já é uma realidade em grande parte do território
paraense. E quem sonhou, implementou e executou foram os professores do SOME,
através dos cursos de magistério e contabilidade e, com isso, formando
professores para atuarem em suas próprias comunidades.
Sabemos que a vontade de vencer dos
alunos é maior do que as dificuldades encontradas durante os períodos de aulas,
como a estrutura precária da sala de aula observada na imagem abaixo. Um
barracão improvisado de chão feito com terra batida. Nota-se também, a atenção
dos alunos quanto ao assunto dado. Uma realidade bem diferente das escolas
privadas, com suas mensalidades caras, seus currículos direcionados, sua
metodologia obrigatória, sua vestimenta bem alinhada, seu corpo docente
obediente e não questionador. Como competir com um tipo de ensino que agrada o
sistema, onde a aprendizagem do aluno é avaliada através de uma prova escrita,
pela sua capacidade de resolver problemas e escrever as respostas certas, ou
seja, sua capacidade de memorizar e não por uma avaliação continuada,
holística. Em vista disso,
Tendo contextualizado alguns fragmentos
acerca da história da educação no Brasil e os desafios que trouxeram para nós
hoje, em especial no território paraense, consegue-se perceber que os
educadores do SOME, na qualidade de professores itinerantes, vem tendo a
dificílima missão de apresentar uma proposta educativa não apenas inovadora
para os padrões tradicionais e regulares, mas que realmente seja qualitativa,
competitiva, capacitatória nos pensamentos e nas ações efetivas, que provoque
mudanças de comportamento, mudanças na realidade social do aluno e da aluna, e no espaço que ocupam dentro da
comunidade, uma vez que a educação está fragmentada em vários subtemas que
fazem parte do dia-a-dia escolar, tais como: avaliação, currículo, evasão
escolar, fracasso, escolar, repetência, ensino-aprendizagem, plano de curso,
plano de aula, carga horária, projetos pedagógicos, etc., e que exigem
resultados convincentes a dar à sociedade, uma vez que a escola pública sofre
com os parcos investimentos em infraestrutura, recursos humanos e qualificação
profissional (PRESTES, 2022, p. 50).
Fig. 17: alunos do SOME em Cametá/PA
Sim, todo aluno e aluna que passaram
pelo Sistema Modular sabem da sua importância na vida de suas famílias e da
comunidade como um todo. Seja aonde for que o professor tenha que ir,
enfrentando, de kombi, de carro ou de ônibus, a tortuosa Transamazônica e suas
vicinais, ou de lanchas, rabetas e popopôs, margeando as ilhas, os furos, os
rios das cidades ribeirinhas tipicamente paraenses, seja aonde for, o professor
modular está sempre pronto para cumprir seu ofício, pois, por onde quer que
passe, a pegada de seus pés fica gravada na mente da comunidade estudantil e
das famílias para sempre, porque aquele encontro de gerações e culturas
diferentes culmina em relacionamentos permanentes de amizades.
Fig. 18: alunos ribeirinhos indo a caminho da escola.
“Ora, e vem-se a falar agora em territorialidade
E pessoalidade docente na Amazônia paraense.
Mas do que vem a tratar esse estudioso brasiliense,
Senão do SOME em toda a sua expansividade...?
Expandir pra onde esse ensino de humanidades?
Por que não até onde der pra voar
Com essa ampla estratégia de inclusão escolar
Que vai dar em muitas localidades...?
Localidades onde esse modelo se ajustou
À complexidade amazônica de costumes tantos
Que já vai aí mais de uma década, 41 anos...
Memorizando as comunidades por onde passou...”
(extraído do canto II, do poema Repertório
de Saberes – Carlos Prestes)
O SOME E A CASA DOS PROFESSORES
Fig. 19: casa dos professores – Santa Cruz -
Aveiro/PA
A imagem acima, registra o momento
da inauguração da Casa dos professores do SOME em Santa Cruz, município de Aveiro,
construída pela própria comunidades e colaboradores. Agora, professores não
precisam mais pagar aluguel de casa para se alojarem durante o período letivo
das aulas, uma vez que a maior parte destes profissionais são da capital do
estado.
O SOME,
desde sua implantação, funciona através de parcerias entre a SEDUC,
representante do estado, e as prefeituras de municípios onde havia ou era
solicitado o projeto.
Até o ano de
2003, competia aos municípios o custeio com alojamento e alimentação dos
professores e professoras durante o tempo de duração de cada módulo. Necessário
acrescentar que a casa de moradia deveria estar rigorosamente mobiliada e com uma secretária do lar
para atender os docentes, cuidando das atividades domésticas da moradia. Alguns
municípios chegaram a ter uma funcionária para cuidar da casa e outra para o
preparo da alimentação dos docentes (SOUSA, 2020, p.
23).
A realidade
é que, em muitos municípios por onde os professores passaram, eram bem
recebidos pelas autoridades de educação, como secretários, diretores e
professores, que procuravam dar aos professores do SOME o melhor conforto
possível, dentro da realidade do município, com uma pessoa para fazer as
atividades domésticas da casa, além de alimentação ou ajuda de custo em
dinheiro. Porém, havia e ainda há, municípios cujas prefeituras não se
importavam (ou ainda não se importam) com a educação escolar da comunidade,
muito menos com a estadia dos professores, cujos alojamentos, os quais chamamos
de Casa dos professores, se encontravam em estado de abandono, sujas, mal
conservadas, sem mobília ou com pouca mobília. Quando muito, havia uma mesa com
quatro ou cinco cadeiras, dois ou três quartos com camas de solteiros, um fogão
com botijão de gás. O banheiro às vezes tinha água encanada, às vezes não, sem
contar que, quando o módulo era no interior do município (interior do interior),
os professores tinham que se deslocar uma vez por mês até a sede do município
para comprar alimentação ou receber a ajuda de custo da prefeitura. Isso é
apenas uma página do livro que poderia ser escrito contando exclusivamente
sobre a casa dos professores.
Esse
descaso com o SOME começou quando a Rosa Cunha, a partir de 2003, assumiu a
secretaria de Educação do Pará e autorizou as prefeituras a descumprirem o
convênio com o Estado, que mantinha o Sistema Modular nessas localidades com o
mínimo de dignidade. Essa decisão pensada e articulada pelo governo do estado,
foi a gota d’água para o processo de desmantelamento do SOME, pois, “assim,
muitas prefeituras continuaram mantendo e honrando o convênio, mas por outro
lado, outras prefeituras se aproveitaram do momento para diminuir custos e
encargos que consideravam dispensável com a educação” (SOUSA, 2020, p. 27).
Hoje, por
não ser mais obrigatória a ajuda dada pelas prefeituras municipais aos
professores do SOME, as dificuldades se multiplicam, não somente para o SOME,
mas para o corpo discente também, já que, muitas vezes, há problemas pra se
arranjar moradia para os professores, escola, sala de aula com, pelo menos, o
mínimo de condições de funcionamento. Tudo isso parece fazer parte de uma
grande campanha de enfraquecimento do Sistema Modular de Educação, que
culminou, agora, com a tentativa de substituição dos professores por
televisores em sala de aula.
Fig 20 Pousada que servia como casa dos professores – Santarém Novo: década de 1990
A CASINHA AZUL
Casa...
Casinha...
Casarão...
Casa azul, da pintura, da madeira já
antiga,
Desgastada pelos anos...
E quantos anos!
Vai o ano de oitenta e oito,
Décadas e décadas atravessando
Tempo e vento
Vento e tempo...
Casinha dos olhos murchos
Querendo se apagar...
Cansados, quem sabe, de tanto labutar,
Pois tua pele, teu rosto,
Estão a precisar de pintura nova,
De cuidado extremo,
Porque em ti está um pedaço
Dele ou dela que ali aportou,
Por um tempo...
Vindo de tão longe,
Quem sabe de Belém...
E aí, no teu interior, repousou,
Conversou, sorriu, gargalhou,
Contou, ouviu histórias...
Mas um dia ele ou ela se foi,
Foi bater pernas no espaço geográfico,
Foi ajudar a reinventar a história.
E, assim, tu foste envelhecendo
Apenas na aparência, porque aí dentro,
Dentro de ti,
Ainda estão aqueles professores
sorrindo,
Dando gargalhadas, contando histórias.
Ainda estão aí, dentro de ti,
Aquelas mulheres, fortes mulheres,
Que ajudaram, com suas finas mãos,
A te construir.
Casa...
Casinha...
Casarão... Eu vou, estou de mala pronta,
Mas tu vás comigo também
Na lembrança...
Na fotografia...
No meu celular.
(A casinha azul – Carlos Prestes)
O município de Mocajuba é cortado por
um dos maiores rios brasileiros, o Rio Tocantins, e, no município, ele chega a
uma largura de mais de 3 km. Os municípios que fazem limites com Mocajuba são:
Baião, Cametá, Igarapé Miri, Moju e Oeiras do Pará. Em 10 de outubro de 1854
foi fundada a Vila de Mocajuba, o menor território municipal no baixo Rio
Tocantins. Mais de um século depois, Mocajuba
tornou-se o maior produtor nacional de pimenta-do-reino e despontou como
promissor município do Pará (disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Mocajuba. Acesso em 07.dez.2024).
Na imagem acima, é possível perceber
o retrato do descaso do gestor público, eleito pelo voto do povo, em relação ao
apoio àqueles que têm como ofício a licenciatura, e, do mesmo modo, àqueles que
precisam do ensino público para se desenvolverem, crescerem, sonhar alto, neste
caso, os alunos.
Fig. 22: Professora Gisele Santos, na casa dos professores, em Apacê – Aveiro.
O SOME E OS PROJETOS DE INTERVENÇÕES
O projeto de intervenção era uma
atividade complementar da carga horária do professor, o qual tinha liberdade
para criar um projeto e desenvolve-lo, através do corpo discente, junto à
comunidade escolar ou frente à toda a comunidade local. As atividades eram as
mais diversas possíveis, desde pesquisas sobre histórias, memórias escritas
e/ou orais da comunidade ou de pessoas, passeios, visitas a instituições, meio
ambiente, até atividades culturais, como danças folclóricas, ensaios de peças
teatrais, jogos, etc. Muitos desses projetos de intervenção, tornaram-se
conhecidos na região onde foram executados e, mesmo na SEDUC. Em alguns
lugares, foram realizados totalmente pelo esforço de professores e alunos; em
outros lugares, houve participação da prefeitura e outras autoridades
municipais, com ajuda material. Porém, quando o projeto estava sustentado com
base em temas sociais, em que as autoridades políticas locais entendiam que iam
de encontro aos seus interesses, havia conflitos que resultavam em ameaças a
professores e, estes, por diversas vezes, tiveram que sair escondidos e às
pressas do município, a fim de resguardarem suas vidas e sua própria vida.
Os relatos de
autoritarismo das autoridades municipais são inúmeros: professores que foram
visitados pelo gestor municipal na própria casa dos professores, no horário da
noite, depois das aulas, pra que saíssem do município naquela mesma noite;
professores que foram obrigados a embarcar em avião, no interior do estado, por
causa de ameaça de morte; professores que foram denunciados na sede da SEDUC
porque estavam criticando, em sala de aula, a gestão municipal, etc.
Abaixo, estão selecionadas apenas
algumas dessas atividades intervencionistas em alguns municípios do Estado do
Pará:
,
Fig. 23: O Negro na sociedade brasileira: Projeto de intervenção
sobre o 20 de novembro para a sociedade brasileira. Executado na Vila de Forquilha,
município de Tomé Açu, em 2015.
Fig. 24: Projeto sobre o Natal na Vila de São Raimundo, município de Bujaru, em 2012, com distribuição de brinquedos para as crianças da Escola São Raimundo de funcionamento do SOME.
Fig. 25: Resgatando a história e a memória na Comunidade Quilombola de Pacoval no município de Alenquer.
Fig. 26: Atividade de soltura de tartarugas em Afuá.
Fig. 27 e 28: Publicado no dia 19 de julho de 2019, o projeto
“História, Memória e Oralidade – Bannach”, sob as orientações dos professores
Marina Costa e Sérgio Bandeira. A pesquisa foi realizada no ano de 2001.
Fig. 29: IV festival de teatro realizado pelo circuito 09 do SOME, na cidade de Gurupá, em 1996. A imagem mostra alunos do Magistério de Melgaço apresentando a peça teatral “A verdadeira face da cidadania”, escrita pelo ex-aluno e professor Agenor Sarraf (fonte: livro Educação na Amazônia em repertório de Saberes: o sistema Modular de Ensino, vol. 1).
Fig. 30: Atividade desenvolvida pelo prof. Ribamar Oliveira, vila de São Raimundo, município de Bujaru, ano 2011. Foi solicitado aos alunos do SOME que fizessem um resgate histórico de sua comunidade, com base em memórias e história oral, para descobrirem suas origens, seus antepassados (projeto História, Memória e Oralidade).
O SOME E OS AUTORES E OBRAS
O SOME também é pesquisa e
literatura, contendo em seu quadro, um vasto número de professores que se
dedicam à pesquisa individual e/ou acadêmica, com destaque para temas
relacionados à educação e ao SOME, e à produção de literatura nas diversas
modalidades, tais como: poesia, contos, crônicas, romances, memórias, literatura
de cordel, etc.
A seguir, alguns exemplares de
produção acadêmica e literária de professores do SOME. Algumas, recém
produzidas e lançadas na feira do livro ou em eventos particulares, cuja
finalidade é fortalecer o SOME, compromissado com uma política pública de
qualidade para a educação paraense, principalmente, para os discentes que
residem no interior do Estado.
O SOME E AS LUTAS, RESISTÊNCIAS E MANIFESTAÇÕES
Quando se trata de suprimir recursos
para economizar gastos públicos, a primeira menção que vem à mente dos gestores
públicos são as palavras “EDUCAÇÃO” e “CULTURA”. Parece, assim, que não passam
de termos abstratos, sem nenhuma relevância, quando comparados a termos como
“AGRONEGÓCIO”, “MINISTÉRIO DA ECONOMIA”, “TURISMO”, “SEGURANÇA PÚBLICA”,
“MINISTÉRIO DAS CIDADES”, “MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA”, “MINISTÉRIO
DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO”, “MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES”, “MINISTÉRIO
DA DEFESA”, etc., que, na visão de autoridades políticas, é o que impulsiona e
materializa o crescimento econômico e social de um país, esquecendo-se de
que são os Ministérios da Educação e da Cultura
os responsáveis pelo aprendizado e preservação da história e da cultura
local, sem as quais, não temos identidade, nem registro de nascimento, e é começando na escola, pelo contínuo
e perseverante trabalho dedicado do professor na sala de aula, cuidando de
aprimorar o intelecto de seus alunos, que faz um indivíduo, um país, uma nação crescer
nas mais diversas áreas do conhecimento, pois, do contrário, o que seria do
homem sem conhecimento, sem cultura, sem domínio da língua e da ciência num
mundo cada vez mais tecnológico, digitalizado, globalizado, em que os mais
fortes se impõem sobre os mais fracos, e o poder e independência se
materializam justamente em favor de quem domina o conhecimento? Quem minimiza e
rejeita o conhecimento, a cultura, a educação, está entregando as chaves de seu
país ao lobo mau, à bruxa da maçã envenenada, às nações dominantes deste mundo,
que não querem a nossa amizade, mas apenas explorar as nossas riquezas,
sequestrar a nossa cultura e nos tornar seus servos.
“Aqui a gente toma
guaraná
Quando não tem Coca-Cola
Chega das coisas da
terra
Que o que é bom vem
lá de fora
Transformados até a
alma
Sem cultura e opinião
O nortista só queria
fazer
Parte da nação
Ah! Chega de
malfeituras
Ah! Chega de triste
rima
Devolvam a nossa
cultura
Queremos o Norte lá
em cima!
Por quê? Onde já se
viu?
Isso é Belém!
Isso é Pará!
Isso é Brasil!”
(Belém, Pará, Brasil – Mosaico de
Ravena)
Mas a busca por se perpetuar no poder
tem feito com que as elites do Brasil (vereadores, prefeitos, deputados,
governadores, senadores, presidentes, militares, empresários, banqueiros, etc.),
utilizando-se de um falso moralismo ideológico, se coloquem na posição de (defensores
dos bons costumes de uma sociedade que se diz conservadora), tornando-se,
assim, inimigos número um da Educação e da Cultura consideradas progressistas,
e, consequentemente, dos que trabalham com educação, que vêm amargando
profundas perdas históricas de seus direitos conseguidos com tanto custo, como
o que vem acontecendo no Pará, em que o governo do Estado conseguiu que a
Assembleia Legislativa aprovasse um projeto que diminui as conquistas dos
profissionais do magistério, causando um impacto muto grande nos seus
proventos. Outro ataque, deu-se na tentativa de trocar as aulas presenciais
feitas pelos professores do SOME no interior do Estado, pela teleaula, ensino à
distância, sem a presença do educador em sala de aula para interagir com os
seus alunos. Mas, apesar de toda essa força demonstrada pelo poder público, os
professores, estudantes, pais de alunos, se organizaram, se mobilizaram e foram
para as ruas lutar, repudiar essa política suja, feita por políticos sujos, não
confiáveis, que querem se perpetuar no poder e fazer dos estudantes e da
população em geral, indivíduos sem vontade própria. E, para que tenham êxito,
precisam enfraquecer economicamente os profissionais da educação.
Abaixo, alguns exemplos de
mobilização em várias partes do interior do Estado e em Belém, além de
denúncias contra o atual secretário de educação do Pará.
DENÚNCIAS
Ex-secretário de Educação do Amazonas é condenado
por improbidade em ação do MP-AM
O ex-Secretário de Estado de Educação e Qualidade de Ensino
do Amazonas (Seduc) e atual secretário de Educação Básica do Ministério da
Educação (MEC), Rossieli Soares da Silva, foi condenado por improbidade
administrativa em ação movida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas
(MP-AM) por omissão em fornecer documentos necessários a processo
investigatório do Ministério Público. “Das duas uma: ou predomina a
desorganização naquela instituição, ou eles entendem que têm um poder maior,
acima dos princípios que regem a administração pública”, censurou a Promotora
de Justiça Wandete Oliveira Netto, que impetrou a ação.
Fonte: ministério Público do estado do Amazonas, Procuradoria-Geral de justiça.
Disponível em https://www.mpam.mp.br/slides-noticias/9503-ex-secretario-de-educacao-do-amazonas-e-condenado-por-improbidade-em-acao-do-mp-am. Acesso em: 25.nov.2024, às 13h03.
Ex-secretário de Educação do Amazonas é condenado por improbidade em
ação do MP-AM
Fonte: Jusbrasil. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/ex-secretario-de-educacao-do-amazonas-e-condenado-por-improbidade-em-acao-do-mp-am/395861864. Acesso em 25.nov.2024, às 13h11.
Educação
Candidato, ex-secretário de Educação de São Paulo é denunciado por
suposto abuso de poder político
Fonte: Carta capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/candidato-ex-secretario-de-educacao-de-sao-paulo-e-denunciado-por-suposto-abuso-de-poder-politico/. Acesso em 25.nov. 2024, às 13h23.
O ex-secretário de Educação em São Paulo Rossieli Soares
(PSDB), agora candidato a deputado federal, é acusado de fazer uso da estrutura
do estado para angariar capital político para sua campanha. Se confirmada, a
conduta pode violar princípios da Le... Leia mais em
https://www.cartacapital.com.br/politica/candidato-ex-secretario-de-educacao-de-sao-paulo-e-denunciado-por-suposto-abuso-de-poder-politico/.
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transparente de CartaCapital vivo e acessível a todos
MOBILIZAÇÕES
MANIFESTO DA HORA
Oh,
guerreiro menino!
O
herói invisível que está fora de moda!
Por
que acham que não és de carne?
Alguém
ouve o teu choro? O teu choro desesperado,
Escondido,
abafado?
Só
os pequenos ouvem o teu choro
Que
ecoa pelas periferias da cidade
Sem
cor, sem luz, cobertas de trevas
Que
te fazem sumir.
Pois
é! Esse trabalhador também chora,
Também
ri e dá gargalhadas da vida,
Essa
vida feita de planaltos e planícies,
De
fartura e de fome.
Fome
física, que está no corpo, na barriga
Vazia,
Fome
de subir o planalto e vencer...
Vencer
o gigante Golias,
Vencer
a pedra no meio do caminho.
CONCÓRDIA DO PARÁ PARTICIPAÇÃO NA QUINTA PLENÁRIA DO SINTEPP REGIONAL DO BAIXO TOCANTINS....
APOSENTADO, MAIS JAMAIS INATIVO
Esse
guerreiro menino precisa de
Descanso,
Precisa
de um sonho que o mantenha
Vivo,
forte, capaz, mesmo que a lágrima
Não
deixe de escorrer pelo rosto duro
E
sem brilho.
Oh,
trabalhador! Como ser feliz num país
Que
te amordaça a dignidade?
Que
te faz comer o pão que o diabo
Amassou?
Que
te pilha até o último centavo
De
esperança?
SOME Altamira
SOME Altamira
A
hipocrisia nem tem mais vergonha
De
se mostrar nas ruas, nem nas redes sociais,
Porque
o que era certo virou errado, e o
Errado
virou certo.
Oh,
guerreiro menino, não chores mais!
Porque,
se Deus quiser, tudo vai dá pé,
E
a guilhotina será para quem a inventou.
Ocupação da SEDUC, em outubro de 2017, com alun@s de vários municípios, estes são de Campo Verde, município de Concórdia do Pará, com objetivo de lutar pelas matrículas dos alun@s no primeiro ano.
E
tudo que estava preso será libertado: a
Esperança,
a alegria, o sorriso, a dignidade,
A
vontade de gritar, de saltar e dançar
Pelas
ruas, porque a canção caminha junto
Com
a multidão, e a flor há de vencer
O
canhão.
Bujaru: Professores do SOME reunidos, montando estratégias de luta em favor da educação presencial no interior do estado.
Vamos vivendo e as horas vão se
passando
Com as mesmas velhas discussões, que
também
Vão se perdendo no tempo, na mesa de
bar,
Entre grupos de amigos.
Será que eles venceram?
Será que o sinal está fechado pra nós,
Que somos jovens?
SOME Monte Alegre
SOME em Alenquer
A
ferida está viva no meu coração, e eu
Sinto
o cheiro da nova estação.
Cadê
aquele jovem, cabelo ao vento
Que
eu vi na rua vigiada, entre gritos
E
protestos?
Alça Viária
Oh,
que dor!
Porque
ela vem da parede da memória.
E
aquele jovem de luta foi perdendo
Espaço
pra idade.
Belém
Ainda
somos os mesmos?
Ainda
vivemos como nossos pais?
Ou
deixamos a tarde cair como um viaduto
Sobre
nossas cabeças?
Belém.
Aquele
bêbado poeta que fazia irreverencias
Mil
pras noites do Brasil, sumiu, perdeu-se
Nessa
transição de geração.
Tanta
gente que partiu, que nem se fala
Mais
no Henfil.
Belém
Chora!
Chora, Brasil!
Choram
as nossas Marias e Clarices,
Porque
o exílio já existe.
Belém
Oh,
guerreiro menino!
Essa
dor pungente não matará a esperança,
Porque,
mesmo na corda bamba, de sombrinha,
O
artista sempre será artista,
O
seu palco será sempre as ruas,
O
público sempre será o povo,
Belém
E
aquele jovem de cabelo ao vento
Há
de acordar...
Sim,
depois de três décadas de flores
E
de liberdade, aquele jovem há de acordar!
REFERENCIAS
OLIVEIRA, José Ribamar Lira de; COSTA, Marina de Sousa; NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do. O Blog do Riba: O SOME em uma bela janela virtual da Amazônia para o mundo. [In]. COSTA, Marina de Sousa; OLIVEIRA, José Ribamar Lira de; NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do. (Org.). Educação na Amazônia em repertório de saberes: O sistema de Organização Modular de Ensino. – Belém / Pará: Paka-Tatu, 2020.
PRESTES, Carlos Alberto Trindade. A proposta pedagógica do SOME e a importância dos registros de memórias. [In]. NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do; COSTA, Marina de Sousa; OLIVEIRA, José Ribamar Lira de. (Org.). Educação na Amazônia em repertório de saberes: O Sistema de Organização Modular de Ensino. – vol. II, Belém (PA): Cabana, 2022.
SOUSA, Arodinei Gaia de. SOME: educação no campo da Amazônia Paraense. Cametá (PA):
AGS, 2020.
WHITE, Ellen G. Pais preparados, filhos vencedores. Edição especial para os
ministérios da família. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001.
* O autor é poeta, escritor e ex-professor do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME.