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sábado, 28 de dezembro de 2024

CAMINHOS DO SOME

 


                           * Carlos Alberto Prestes

 



 

“Durante um tempo na história do Brasil, a elite econômica que dirigia esse país não gostava que o povo estudasse. Só estudava aqui no Brasil quem tinha dinheiro pra mandar pra Portugal, pra mandar pra França, pra mandar pros Estados Unidos, pra Inglaterra. Como esse país foi um país, de forma hegemônica, criado por índios, negros, no primeiro momento, não era preciso que essas pessoas estudassem. Então, eu conto sempre uma história muito engraçada: o Peru, que é um país mais pobre do que o Brasil, em 1554, já tinha a Universidade de São Marcos. Não importa de que tipo que era a universidade, mas o Peru tinha a universidade de São Marcos. O Brasil só foi ter a sua primeira Universidade em 1920. Quatrocentos e vinte anos depois da descoberta, a gente foi ter a primeira universidade, que, na época, era chamada Universidade Brasil. Mas ela não foi criada porque havia preocupação de ter estudantes nas universidades. Ela foi criada por que na época o rei da Bélgica vinha fazer uma visita pro Brasil, e um rei para visitar um país era obrigado a receber o título de doutor honoris causa. Então, criou-se a universidade para criar um título de doutor honoris causa ao rei da Bélgica. Isso demonstra um pouco o atraso a que a sociedade brasileira foi submetida durante tantos e tantos tempos. É por isso que muitas vezes a gente pega os dados socioeconômicos e a gente vê o Brasil tão atrasado; é por isso que a gente vê que, proporcionalmente, o Brasil tem menos alunos nas universidades do que o Chile; é por isso que a gente vê que o Brasil tem menos alunos, proporcionalmente, nas universidades, do que a Argentina. Por que em 1918, a Argentina já tinha tido em Córdova, a sua primeira reforma universitária. Em 1918, ela já tinha feito a sua primeira reforma universitária, e o Brasil não tinha tido a sua primeira universidade. É só pra vocês lembrarem, quando vocês tiverem na frente do espelho xingando alguém e falar que o país é atrasado, pra vocês saberem que alguém quis que o país fosse assim, alguém desejou. Então, quando eu tomei posse, eu não tinha nem diploma universitário e nem o meu vice José Alencar, mas eu tinha adquirido consciência nas minhas lutas sindicais. Eu, no aprendizado que eu tive, de que não existe na história da humanidade e, muito menos existia alguma nação que tivesse se desenvolvido sem antes investir na educação. Ou seja, a educação é, definitivamente, a base principal pela formação intelectual, profissional e cultural de uma sociedade. E quanto melhor for a educação, mais a sociedade será forte, firme; e a sociedade será uma sociedade mais avançada, mais solidária, mais fraterna e mais humanista, que é o que nós estamos precisando, nesse momento, nesse país. “

(Luís Inácio Lula da Silva – Presidente do Brasil) (discurso histórico de Lula - disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-HACwsMSVdI)

 

OLHOS VENDADOS

 

A dinâmica da história

Calou as baionetas da revolução francesa

Corpo e movimento

Alinham-se à linguagem

E a pré-história vira história

Esparta vira Atenas.

O ácaro linguístico

Humanizou o animal.

O rugir virou voz.

Democracia! Democracia!

Brada o cientista visionário

Mas a língua cala os anseios da mente.

A cegueira não está nos olhos

A surdez não está no corpo

Ó filosofia sedentária!

Educare! Educare!

Embebedaram-te a lógica

E a transformaram em degradação

Deitaram teu corpo

Num mármore duro e frio

Necropsiaram-te as ideias

Enxertaram-te outras

E a costuraram como roupa barata

Serás produto científico do capitalismo

Agirás em nome dele

Serás clone de todos

Os que te manipularam

Do servente ao presidente

Que fim terás?

Que fim terás?

A ganância vicia como cocaína

Expurga a ideologia

E teu abrigo será a latrina

Sabedoria! Ó sabedoria!

És tão latente

Mas a humanidade é burra

Não sabe que a educação

É o que transforma

Deu ao homem a linguagem

A inteligência

E o civilizou.

Talvez isso tenha sido

O seu grande erro.

 


O SOME E O OFÍCIO DE EDUCAR


A palavra “Educação”, em português, vem de “ Educar”. A origem desta, por sua vez, é do Latim EDUCARE que é uma palavra derivada de EX, que significa “fora” ou “exterior” e DUCERE, que tem o significado de “guiar”, “instruir”, “conduzir”. Ou seja, em latim, EDUCAÇÃO tinha o significado literal de “guiar para fora” e pode ser entendido que se conduzia tanto para o mundo exterior quanto para fora de si mesmo.

A palavra “Pedagogia” tem origem na Grécia, paidós (criança) e agodé (condução). A palavra grega Paidagogos é formada pela palavra paidós (criança) e agogos (condutor). Portanto, pedagogo significa condutor de crianças, aquele que ajuda a conduzir o ensino.

O termo “Professor” tem origem no Latim, vem de PROFESSUS que significa “pessoa que declara em público” ou “aquele que afirmou publicamente”. Esta palavra, por sua vez, é derivada do verbo PROFITARE. Este significa “afirmar/declarar publicamente” e é composto de PRO, “à frente” e FATERI, “reconhecer”. Disponível em https://www.gramatica.net.br/etimologia-de-professor/. Acesso em 12.12,24.

As palavras “Educação”, “Pedagogia” e “Professor” estão, pelos seus significados, intimamente interligadas. São termos que espelham a caminhada do homem, desde sua infância, para o mundo além-casa, além-território, além da experiencia cotidiana, porque a pedagogia conduz o ser humano através dessa estrada chamada Educação. E, para que isso aconteça, é necessário que haja um condutor (um pedagogo, um professor), cuja função é guiar o seu aprendiz na formação do conhecimento empírico e científico, teórico e prático, mostrando os vários caminhos pelos quais ele poderá andar em busca de seu futuro, e deixar com que o aprendiz exerça o seu direito de liberdade de opção, escolhendo, por si mesmo, o tipo de vida que deseja ter e profissão na qual almeja trabalhar, se desenvolver.

Isso mesmo: vislumbramos a atuação da educação ao longo da nossa história. E que tipo de educação ou processo pedagógico se materializa no dia-a-dia da sala de aula em que atuamos? Quem metodologias utilizamos como forma de ensino-aprendizagem para nossos aprendizes? Não são os mesmos modelos tradicionais de aprendizado? O assunto copiado na lousa, a prova escrita que força os aprendizes a decorarem a matéria, a inteligência e o aprendizado sendo avaliados por notas de zero a dez, a caderneta para medir a frequência dos aprendizes. Ou seja, defendemos um novo modelo de ensino-aprendizagem para ser aplicado em sala de aula, mas não sabemos como fazer para sair do tradicionalismo, porque isso exige o desenvolvimento de um plano de curso com uma proposta pedagógica objetiva, específica, inovadora e libertadora para cada disciplina, e mudanças diárias nos planos de aula; exige inovação, criação, que exige planejamento, que exige aplicação, que exige preparação não apenas do professor, mas de todos os atores envolvidos (PRESTES, 2022, p.53, apud NASCIMENTO, COSTA, OLIVEIRA, 2022).

Neste contexto, e, com tal responsabilidade, o professor deve ter uma visão holística global no que tange ao processo educacional. Precisa formar o aluno em toda a sua essência, segundo os aspectos: intelectual, físico, espiritual, moral, social e cultural. Mas, para fazer isso, o educador tem que passar também por esse processo de aprendizagem, de absorção desse conhecimento holístico e, não é injusto dizer que não bastam quatro anos de graduação, ou um ano e meio de especialização, ou dois anos de mestrado e quatro de doutorado e mais pós-doutorado, buscando plenitude de conhecimento, porque isso não existe e, enquanto sabemos muito de uma coisa, sabemos pouco de outra. O conhecimento científico é apenas uma das facetas da educação, porque esta está impregnada tanto na pesquisa científica, na sala de aula, no ensino formal, padrão, didático, literário, quanto no cotidiano, na aprendizagem informal das ruas, das experiencias pessoais, uma vez que a educação está intimamente ligada à cultura de um povo e não podemos criar muros para encarcera-la no interior de uma escola. A escola é apenas uma das facetas da educação, apenas a sua formalização, a gramática da língua que aprendemos nos livros, sujeita a regras e normas, não a linguagem popular das ruas, livre, leve, solta, e esse contraste é percebível nas falas, nas ações, na aculturação dos hábitos e costumes que influenciam o ato de educar, conforme ilustra o poema “A minha escola”:

 

“Eu não vivo de quimeras

Nem de narrativas fabulosas

A minha educação é um pouco de casa

Um pouco das ruas

Um pouco da escola.

Naquele tempo – meu tempo –

Os muros eram baixos que se podia

Até pular por sobre eles.

Um senhor de meia idade – seu Agripino –

Controlava a entrada dos alunos.

Hoje os muros são altos, altíssimos

As salas são fechadas e gradeadas

E uns policiais vigiam a porta de entrada.

Eu não sei quando foi que a escola

Deixou de ser escola e virou penitenciária.”

(A minha escola - Carlos Prestes)

 

Antes, a sabedoria simples de nossos pais, nos encaminhava para a sala de aula com valores fortalecidos, como respeito, honestidade, dignidade, tomar a bênção dos mais velhos, falar sempre a verdade, ser solidário, e não tínhamos computadores, celulares, tabletes, nem internet, mas passávamos nos concursos vestibulares com grande quantidade de concorrentes a uma vaga, porque só existiam, basicamente, duas instituições públicas ofertando vagas no ensino superior: a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Estadual do Pará (UEPA). Com esforço redobrado, trabalhávamos e nos preparávamos nos cursinhos pré-vestibulares. Não íamos diretamente para casa após a jornada de trabalho no final do dia; íamos para o cursinho, participávamos do corujinha, do corujão (aulas durante a madrugada) e quantas e quantas noites não ficamos na solidão de nossos quartos estudando mais um pouco, até duas, três horas da madrugada, tendo que levantar seis da manhã pra tomar banho, se vestir, tomar café e correr pra parada de ônibus contando o tempo pra não chegar atrasado no trabalho. Essa é a história de muita gente que sonhou e ainda sonha em viver em um país de oportunidades, que valorize seus trabalhadores, seja em que área ele atuar; que respeita seus aposentados e aqueles que ainda estão na luta, que deram e ainda dão seu suor pelo bem do país.

Todo sonho tem um preço! Nós pagamos o preço exigido pelo sistema. Nos sacrificamos, perdemos noites e noites de sono e conquistamos nosso lugar ao sol. Quanta honra e orgulho ao receber o diploma de nível superior em licenciatura. Deu vontade de correr pra uma praia deserta ou pro alto de um prédio e gritar: “Agora, sou professor!” Tudo isso, porque ser professor em nosso país requer muita disposição, determinação, dignidade, coragem pra lutar contra um sistema apodrecido pela corrupção, contra a fala ensaiada de políticos hipócritas que só falam bem do professor no seu dia, em homenagens oficiais. Eles esqueceram que pra chegar aonde eles estão tiveram que passar por vários professores ao longo de suas jornadas, desde o ensino infantil até o superior. Não há como fugir desta verdade. Não há como esconder esta verdade. E quando tentam diminuir a importância do professor na sociedade, estão diminuindo a importância de seus próprios pais e familiares, que são seus primeiros educadores. A educação é o que torna as pessoas sábias, inteligentes, cultas, sensatas, críticas e honestas, quando está fortemente enraizada em princípios e valores sólidos; é o que torna possível o progresso, o desenvolvimento de um povo em todas as suas instâncias. Não há como negar que a educação é a base, o alicerce de toda sociedade que quer desenvolver-se, progredir, ascender social e humanamente.

Mas por que há tanta discriminação com a Educação? Por que forças políticas que passaram por ela desde o berçário, tentam, agora, sufoca-la, cala-la, coloca-la dentro de um caixão e enterra-la sete palmos abaixo desta terra que pisamos?  Como entender esse tipo de atitude vinda de seres humanos se a educação só faz bem à humanidade? Foi ela que nos deu o século das luzes, os grandes cientistas, inventores, poetas, escritores, pesquisadores; foi ela que fez o homem enfrentar os mares bravios nunca d’antes navegados e chegar a outros continentes, conhecer outras culturas, expandir a comercialização, tornar possível a revolução industrial, a invenção da imprensa que possibilitou o acesso ao livro a todas as camadas da sociedade, inclusive, às classes mais pobres; foi ela que ensinou o homem a lutar pelos seus direitos, a construir pontes e cidades e artes.; foi ela que trouxe luz ao período chamado pelos historiadores de “Idade das trevas”; que nos deu as ciências biológicas, os estudos de História, Filosofia, Química, Física, Matemática, Línguas, Literatura, Sociologia, Astronomia, Artes. Ela é o que faz separação entre o que é racional e irracional, entre a máquina e o indivíduo humano.  Se alguém se perdeu na sua trajetória de aprendizagem é porque a sua educação não estava vinculada a princípios e valores sólidos.

 

“Oh, meu senhor! Cadê a educação?

A reforma do doutor Benjamin

Aquele sonho que eu sonhei pra mim

Ministério especial da instrução

Educação nacional: que ilusão.

 

Rimar educação com instrução

É pensamento de positivista

Porque aqui o homem nativista

Não dá bola pra essa aculturação

Nem percebe o jogo do fanfarrão.

 

A politicagem ensandecida

Abriu a porta para o particular

Posto o ensino na balança a pesar

Assassinou a nossa instrução pública

Que virou mercadoria, cor púrpura.”

(trecho do poema Retratos da Amazônia – Carlos Prestes)

 

E isso tudo tem início dentro de casa, no lar, com o senso comum de nossos pais, uma vez que “a palavra ‘educação’ significa mais que um curso de estudos num colégio. Começa com o bebê, nos braços da mãe. Enquanto a mãe está moldando e formando o caráter dos filhos, ela os está educando.” (WHITE, 2001, p. 12), ou seja, Os pais devem primeiro se educar para depois educar as crianças, caso contrário, os maus hábitos são levados para a adolescência e para toda a vida, mas o aprendizado é moldado e direcionado na escola formal, dentro da sala de aula, com professores presentes, feitos de carne e osso, e de mente pensante. Ali, naquele laboratório, o estudante começa a desenvolver seu conhecimento que vai do empírico para o crítico, teórico, metódico; ali, ele começa a viajar no tempo passado, presente e futuro, envereda pelas diversas ciências, caminha pelas regiões do planeta, descobre a fauna e a flora, até chegar no espaço sideral, esse infinito espaço, que nos faz crer que o conhecimento é um universo que nunca chega ao fim.

 

“Olha pro alto! Olha em derredor!

Vê! Mede o tamanho do mundo

A vista não alcança o pormenor

Saber! Saber! Poço sem fundo.”

(Carlos Prestes)

No Pará, a história não é diferente. O segundo maior estado do Brasil, o segundo maior pedaço de chão do território nacional, onde cabem, no seu interior, diversos países da Europa. Neste Pará, desde a década de 1980 existe um projeto de educação inovadora, e que hoje, pela sua importância, tornou-se uma política pública. Estou falando do SOME – Sistema de Organização Modular de Ensino, que é hoje o maior trunfo da Secretaria de Educação do Pará, reconhecido pelos resultados que tem apresentado no ensino público e pelos avanços e desafios que tem enfrentado nas localidades mais distantes do interior do estado.


    Fig. 01 – Açaiteua / Viseu: década de 1990.

De acordo com os estudos de Sousa (2020), que, também, é professor do SOME em Cametá:

O Sistema de organização Modular de Ensino (SOME) é um “modelo” educacional genuinamente paraense. Criado pelo Governo do estado do Pará em 1980, na gestão do governador Alacid Nunes (1979-1983). Surgiu como um projeto inovador que apresentava uma proposta alternativa de ensino, pensada exclusivamente no sentido de atender e se enquadrar à realidade da clientela estudantil situada em localidades do interior do Estado e que até aquele momento estava excluída do processo de ensino, a nível de segundo grau (hoje ensino médio) e, posteriormente, também veio atender o ensino de 1º grau (atual ensino fundamental) (SOUSA, 2020, p. 17).

Antes desse projeto, não se tinha conhecimento de outro igual que contemplasse os interesses da educação voltada para as localidades do interior dos estados brasileiros. Portanto, o Sistema Modular de Ensino é pioneiro não apenas no Pará, nem no Brasil, mas no mundo, pois foi copiado para ser implantado em outros lugares. E por quê? Porque deu certo. E não se mediu esforços para que desse certo, porque o dar certo, seria levar conhecimento e cultura aos mais longínquos rincões de nosso estado, espantando as trevas e acendendo e libertando os sonhos aprisionados de comunidades inteiras.

 

“E lá se foi o valente professor

Em busca de um lugar desconhecido

Na sua bagagem livros e mais livros

Pelas paragens do interior.”

(trecho do poema Canção para o SOME – Carlos Prestes)

 

Olhemos para a figura 01, uma foto tirada com uma máquina fotográfica kodak, não tem a mesma tecnologia de hoje, mas nos privilegiou com esta cena congelada no tempo. Ela nos conta um pouco do dia a dia das aulas em Açaíteua, um distritozinho no interior de Viseu, com apenas uma rua principal, chão de piçarra, com casas de um lado e de outro da rua, num tempo em que não havia luz elétrica nem na cidade de Viseu, mas apenas luz de geradores, que funcionavam das seis da tarde até às dez e meia da noite, quando encerravam as aulas do dia. Lá, nesse lugarzinho, quase esquecido, o sistema modular estava presente.

 

AÇAITEUA

 

“Uma rua vermelha... de canto

Uma escola na entrada do lugar

Uma igrejinha, na qual o padre,

Vindo não sei de onde,

Vez por outra celebra missa.

Uma pracinha mal iluminada

Onde costumam se encontrar

Adolescentes enamorados.

Outra escolinha lá... no fundo da praça,

Esquecida.

Um carro de boi

Com um lamento ruidoso...

Eis o retrato de Açaiteua.”

(Açaiteua - Carlos Prestes)

Esta fig. 01 mostra uma exposição de artes desenvolvida por alunos, com orientação de uma professora de artes do SOME. Nesta exposição, vemos as principais construções do distrito em miniatura. Parece simples, mas quem não conhece, não pode imaginar as dificuldades para se levar material da capital para o interior, naquela época, em ônibus da Boa Esperança, que só fazia aquele trajeto uma vez por dia, com cerca de sete horas de viagem, a fim de que o trabalho escolar fosse efetivado, e as aulas teóricas, conceituais, fossem postas em prática. Quantas e quantas vezes o ônibus atrasou ou deu prego de gasolina ou o pneu que furou, e chegamos em Açaiteua por volta de uma hora da manhã, as ruas e casas totalmente na escuridão. No outro dia, tínhamos que estar prontos e dispostos para nos apresentar na escola, conhecer os alunos e começar as aulas. Não podíamos perder tempo, porque tínhamos um calendário de cinquenta dias letivos a cumprir.

                             Fig. 2: Dificuldades de acesso para a localidade, estrada de Capitão Poço/PA-2018.

São esses tipos de desafios e dificuldades que nossos professores e alunos enfrentam no dia-a-dia contra a ignorância das autoridades, quer sejam municipais ou estaduais. Aqui a luta é enorme para formar nossos alunos e dar a eles a oportunidade de ter uma vida digna, de crescerem como seres humanos. Quem quer realmente fazer a diferença nas áreas social, educacional, cultural, política e econômica não se nega a enfrentar essas estradas lamacentas, consumidas pelas enxurradas e descaso das autoridades que tentam frear o caminho da educação. Quem já andou pela Transamazônica sabe que isso é uma realidade.

 

“A Transamazônica

Que ora é sinônimo de pobreza

Miséria e desgraça

Outrora dourou o sonho

De muita gente boa e pacata.”

(trecho do poema Uruará – Carlos Prestes)

 


 Fig. 3: Acesso pelo rio em período chuvoso. Cametá/PA – 2017.

As paisagens podem se diferenciar em relação às localidades, mas a realidade dos transportes para se chegar à escola é a mesma, ou, pelo menos, são muito parecidas, uma vez que a diversidade geográfica é ampla, como se percebe no excerto a seguir:

O Estado do Pará, na linguagem geográfica, possui ampla extensão territorial, com dimensões intercontinentais, abrangendo cidades bem dispersas ao longo de sua territorialidade, algumas com enormes distâncias entre si, com seus processos de ocupações bastante singulares, congregando populações com uma diversidade gigantesca e bem heterogêneas quanto às origens dos povos que habitam a Amazônia (COSTA, NASCIMENTO e OLIVEIRA, 2020, p. 23).

Aqui, a figura 03 nos expõe a realidade de alunos e/ou professores tentando atravessar de barco o furioso rio para chegar ao seu destino: a escola. As lembranças mostram também que, por infinitas vezes, muitos professores lotados nos circuitos do Baixo Amazonas ou da região marajoara, tiveram como transporte desde embarcações grandes e confiáveis, como as que viajavam para os lados de Gurupá, Porto de Moz, Breves, Santarém, até pequenas embarcações, como os conhecidos popopôs e as rabetas. Os furos dos rios guardam em suas enchentes e vazantes as marcas das passagens de professores atravessando o seu leito misterioso, por vezes, durante o dia, por vezes, durante a madrugada, passando por aperreios, mas, por fim, chegando são e salvo em mais um circuito, pra mais um módulo, em alguma cidadezinha do interior, enquanto lá, na cidade grande, a família dorme tranquila, porque sabe que pode contar com o seu provedor. No entanto, esse distanciamento familiar trazia também seus problemas, suas consequências, como se observa no trecho abaixo:

Os atos de ir e vir dos docentes mobilizavam as famílias também e moldavam os comportamentos. Recordamos que uma fala comum nos docentes, nos corredores da Secretaria de Educação (SEDUC), apelidado de “muro das lamentações”, quando iam recebem material de trabalho, é que nos primeiros anos de viagens, os familiares iam até o aeroporto, ou porto, ou rodoviária, para se despedir de seu familiar que partia para o trabalho no SOME; com o passar dos anos, tudo virava rotina, já não compareciam nos embarques para as tais despedidas; pelo contrário, com a presença do docente em seu núcleo familiar por mais de uma semana, já provocava questionamentos, tipo: quando você viaja? Quando vai trabalhar? Isso era dito com uma dose de humor, mas servia para destacar as adaptações de todo um contexto familiar, às formas e relações de trabalho (COSTA, NASCIMENTO e OLIVEIRA, 2020, p. 36).

É preciso esclarecer que nem todo professor ou professora passou por esse tipo de problema, ou foi questionado sobre quando iria viajar. Mas é imperativo registrar que muitos docentes tiveram sérios problemas familiares, ao ponto de culminar em separação, divórcio, traição, alcoolismo, depressão, insegurança, laços familiares destroçados e até morte.

O que faz, realmente, com que um professor deixe o conforto do seu lar, o aconchego da sua família, da sua cidade, dos amigos, e vá se embrenhar em alguma localidade do interior do estado, a fim de ministrar aula para alunos da escola pública? Talvez seja a oportunidade de colocar em prática o que aprendeu durante os quatro anos nos bancos de uma universidade; talvez seja porque alimentou, desde os tempos da universidade, o sonho de querer mudar o mundo através da educação; ou talvez seja pela necessidade da própria sobrevivência, de suprir as necessidades de seus familiares.

A verdade é que somente cada docente, individualmente, conhece o tamanho de sua dor, de suas necessidades, prioridades e escolhas, uma vez que ele é também, mais um trabalhador lutando pela sua própria sobrevivência, no contexto de uma sociedade que elitiza alguns cursos superiores (medicina, direito, arquitetura, engenharia) em detrimento de outros (filosofia, sociologia, história, geografia), ou mais especificamente, os cursos de licenciatura.

GAIOLA

 

Lá vai o Gaiola

Pendurado de redes

De tudo conté cor.

 

Lá vai o Gaiola

Cheio de gente, de sacola

Farinha, açaí, cupuaçu.

 

Lá vai...

Lá vai o Gaiola

Subindo e descendo o rio.

 

Ladeira acima

Ladeira abaixo

Lá vai...

 

Lá vai o Gaiola

Carregando em seu leito frio

A humanidade esquecida.

(Gaiola – Carlos Prestes)

 

O SOME E A ESCOLA

 


                                                      Fig. 04 – Escola em Palestina, sudeste do Pará.

Eis, na figura acima, o retrato da escola do interior! Quase sem pintura, suja, desprezada. Mas é nela, dentro dela, que o conhecimento se desenvolve, que o aluno aprende a colocar suas esperanças em prática; é dentro dela que o professor e professora se sentem realizados e têm a certeza de que estão no lugar certo, na profissão certa, porque sabem que estão ajudando muita gente a bater asas e voar, voar para fora, para o alto; esses professores sabem que estão formando cidadãos para ajudar a construir uma sociedade mais justa. É dentro dessas salas de aula que é dado o primeiro passo para o nível superior, para o mestrado, doutorado e pós, em que, muitas vezes, o aluno supera seu mestre, pois continuou trilhando seu caminho na educação, um caminho que nunca acaba, mas que dá prazer. Ali, naquela sala de aula, o aluno começa a trilha sua independência. Mas, infelizmente, não é somente a escola que influi na qualidade de ensino do corpo docente do SOME e de aprendizado do corpo discente. Há outros fatores também, tais como: 

A infraestrutura da moradia destinada aos professores, bem como da escola; as condições de alimentação; o nível do relacionamento entre os colegas de trabalho: a maturidade psicológica para suportar a distância e a saudade dos elos familiares; as formas de relacionamento com a comunidade e com a estrutura de poder do município (prefeituras, secretaria de Educação, Gestão Escolar, etc.) (COSTA, NASCIMENTO e OLIVEIRA, 2020, p. 36).

Todo ser humano passa por uma escola, tem um professor ou professora que lhe ensina as primeiras letras (como se estivesse aprendendo a dar os primeiros passos) até o nível mais elevado. E, nessa trajetória escolar, muitos são os mestres e mestras que vão dando tudo de si até os cabelos ficarem brancos ou grisalhos. Que pena que muitos desses aprendizes, que se tornaram políticos, pessoas públicas, com poder de decisão, tenham virado as costas para as suas raízes e esqueceram de onde vieram, deixando suas regiões, as escolas e sua gente à mingua. O poema a seguir é o testemunho real de um professor do SOME, ao descrever sua escola numa comunidade do interior do estado.


                                                              

  
:                                                              Fig. 05 escola         

SALA DE AULA DO INTERIOR

 

Era um pequeno espaço

Media seis ou sete metros quadrados

Mais ou menos...

Umas trinta cadeiras decoravam

O ambiente rústico.

No canto esquerdo de quem entrava

Havia uma mesinha de madeira.

O tamanho era bastante para se por

Alguns pertences.

A parede exibia um quadro

Todo pintado de verde.

Estava um pouco riscado de giz.

No teto, passeavam passarinhos.

Ah! Como cantavam...

O resto era tudo silêncio.

Silêncio e vazio...

Era uma sala de aula

Sem professor

Sem aluno

Maltrapilha

Triste

Como muita gente quer.

(Sala de aula do interior – Carlos Prestes)

Esse poema é a imagem da realidade de muitas e muitas escolas que se encontram abandonadas nos rincões desse imenso território paraense. Escolas mal pintadas ou sem pintura, cadeiras quebradas, lousas riscadas, salas quentes e desconfortáveis, professores se esforçando pra ensinar, alunos se esforçando pra aprender, porque desejam superar essa realidade. Em muitos lugares, nem escola há, senão barracões improvisados, muitas vezes, pelos próprios alunos.

 

 


                                                                                      Fig. 06: escola

E pra subir nessa escala social é preciso estudar, estudar e estudar. Por isso, o papel do professor nessa escalada social é fundamental para os aprendizes e, nesse sentido, o professor produz desenvolvimento social, científico, cultural e tecnológico. Sem ele, tudo isso se esvai e nos tornamos selvagens, cidadãos de última categoria, deixando-nos impregnar e guiar por culturas alheias às nossas origens; nos tornamos fracos e facilmente influenciáveis por civilizações que dominam o conhecimento. E quando dominam o conhecimento, dominam também nossas mentes, nossa vontade, não somos mais donos de nós, voltamos a ser escravos, mas escravos de todas as cores e nacionalidades.

E é isso que tentam fazem no Pará, quando atentam contra o SOME, querendo faze-lo desacreditado, indiferentes à sua história de lutas memoráveis, indiferentes aos milhares de alunos aprovados que terminaram o ensino médio, que passaram no vestibular, no Enem, que se tornaram mestres e doutores, e que hoje estão ministrando aulas nas universidades, faculdades, trabalhando em multinacionais, empresas, órgãos públicos ou trabalhando em grupos de pesquisas, e, ainda, trabalhando como docentes no próprio SOME. Não, nada disso é levado em conta quando a meta é enriquecer com o dinheiro público. É bem verdade o que a célebre frase de Odorico Paraguaçu, personagem interpretado por Paulo Gracindo na novela “O Bem Amado”, nos faz refletir: “A ignorância é que atravanca o progresso!”

O SOME, mesmo com toda a precariedade de parte das escolas em que os professores trabalham, em alguns municípios, ainda consegue apresentar uma metodologia não bancária, em que o aluno tem o seu lugar, voz e participação, numa troca de conhecimentos e saberes. E o professor, enquanto ensina, também aprende com a cultura e sabedoria popular das comunidades. E, nesse contexto, Miguel Arroyo acrescenta que a educação bancária serviu e ainda serve para adestrar ou manipular a educação do povo. E é esse controle, essa manipulação do povo que o sistema não quer perder, porque quer

educar com adestramento, com moralização para termos um povo ordeiro e trabalhadores submissos. Esta visão de educação é bastante divulgada. A escola, o ensino, o aprender as letras lembram processos sociais menos conformadores, mais libertadores. Desencontros que têm marcado a visão da educação e da escola e a autoimagem de seus profissionais. Nos vemos mais como docente do que como educadores e vemos a escola como tempo de ensino, mais do que como tempo de educação (ARROYO, 2010, p. 50 apud OLIVEIRA, COSTA, NASCIMENTO, 2020, p. 47).

O poema a seguir traz uma reflexão que envolve poder-manipulação-submissão, e todos estes termos encontram-se relacionados explicitamente em campanhas políticas. É um reflexo da educação bancária, a fim de que o rei não perca o seu trono pra um aventureiro qualquer.

 

          Fig. 07: Fachada antiga da Escola Estadual Leopoldina Guerreiro, em Afuá.

 

O MÁGICO

 

Eu não sou contra o Estado

Ou contra o povo

Sou contra mim

Ora Estado, ora povo.

Um elege, outro intima.

O que legaliza se desencanta

Mas para o eleito, que importa?

O poder já foi dado

Passado em folha de papel

Voto a voto contado.

Não foi usurpado com exércitos

E canhões e gritos angustiados.

Foi premiado pela oratória planejada

De projetos e promessas.

E o povo ria e se divertia

Enquanto se condenava.

A esperança era uma barriga cheia

Emprego com carteira

Casa com divisão

Educação sem muro nem portão.

Mas o grande mágico

Fez uma autorreflexão

E viu o que me devia:

Juros altos

Impostos

Demissão.

O povo não é o Estado

E o Estado não é o povo.

Quisera fosse essa aglutinação:

Povotado

E a dignidade não seria uma

Reivindicação.

Ao proletário, a clausura.

Ao Estado, a celebração.

As suas gargalhadas abafam

Os meus protestos – pobre Ernesto.

Tenho fome, já não posso gritar.

Roubaram-me a linguagem da alma

E o telhado da casa.

Arrancaram a leitura das minhas mãos

Mas os calos ficaram acenando

Numa perturbadora acusação.

Fez-me sua Geni

Sua Bola de Sebo

Fui feito pra apanhar

Sou bom de se cuspir.

Tudo assim... Pirimpimpim!

Num passe de mágica...

Eles só precisam mentir.

(O Mágico – Carlos Prestes)

 

 

O SOME E O PROFESSOR


Parodiando Fernando Pessoa eu poderia dizer que “o professor é um lutador, luta tão completamente que chega a lutar com a dor, a dor que seu aluno realmente sente”. Muitas vezes, esquecemos a nossa própria dor da ausência de nossos familiares, da distância, da separação, das coisas que deixamos para traz, aquela dor física e também emocional, e entramos num mundo que, para muitos de nós, era completamente desconhecido; pisamos numa terra que não imaginávamos existir, nos deparamos com uma cultura diferente da que estávamos acostumados, conhecemos pessoas com hábitos singulares, próprios de suas regiões, como do Marajó, do baixo Amazonas, do sul e sudoeste do Pará, das vicinais da Transamazônica, gente simples ribeirinha das águas, caboclas, gente do campo, quilombolas, gente que tinha a cultura do churrasco entranhada nas veias, gente que de manhã bem cedinho saia pra pescar, fazer avoada na beira da praia ou do rio, gente de todas as regiões do Brasil, uma mistura de raças e culturas que fazem do Pará uma terra miscigenada, rica de pessoas, de falares, de conhecimento popular. Assim,

As experiencias docentes no âmbito do SOME envolvem uma complexidade de situações inusitadas que desafiam a formação acadêmica, a visão de mundo e até os padrões de relações interpessoais que os profissionais levam em sua “bagagem”. Isso ocorre porque os professores, ao ingressarem no projeto, passam por um processo de reestruturação de suas vidas, desvinculando-se da convivência com seu lócus familiar na maior parte do tempo de um ano letivo, passando a conviver diariamente com outros professores do seu grupo de trabalho, na mesma casa destinada a alojar os docentes itinerantes, em diferenciadas culturas, entre as diversas comunidades (COSTA, NASCIMENTO, OLIVEIRA, 2020, p. 35).

Quem conhece o território paraense na palma da mão como o professor do Modular? Ele, que conviveu com a realidade de cada município onde trabalhou, que conhece cada comunidade por dentro, porque estava lá, ninguém contou pra ele uma história, nem leu em livros didáticos, não... ele estava lá, viu com seus próprios olhos. E não conhece apenas a comunidade, mas o professor do SOME conhece seu aluno e sua família, participa de seus sonhos, ânimos e desânimos, sofre junto com seu aluno e comemora com ele sua vitória. Toda sua experiencia e conhecimento são colocados à disposição de seus alunos na sala de aula e fora dela. E onde estão esses professores agora? Professores da antiga e nova geração, onde estão? O que o estado tem feito por eles? Que tipo de agradecimento lhes tem honrado a memória?

 


Fig. 08: professores Nonato Bandeira, Carreirinha, João Guilherme e Claudete (in memoriam) – Medicilândia, 1990, num momento de descontração.

 

ONDE ESTÃO VOCÊS?

Onde estão...?

Onde estão vocês?

Pra onde aqueles pés empoeirados os levaram?

Em que porto descarregaram as bagagens?

Os livros, as cadernetas de anotação

O álcool azulado, o stencil?

Onde estão as fitas k-sete?

O mimeógrafo amarelo?

As fotografias da Kodak?

As lembranças da polaroide?

Onde estão...?

Onde estão vocês...?

Há pegadas nas maresias do Baixo Amazonas

Pegadas que nadaram nas águas de Breves,

Gurupá, Porto de Moz

Embaladas pelos contos amazônicos do boto,

Do curupira, da matinta

Levadas pelo Rodrigues Alves

Pegadas... Pegadas...

Tantas pegadas...

Pegadas invisíveis que o tempo – esse carrasco –

Tem por ofício apagar...

Onde estão vocês que meus olhos

Só vislumbram nos velhos álbuns de fotografia?

Éramos assim... uma família fora do lar familiar...

Uma equipe que brincava e brigava

Conversava e discutia

Festejava e se consolava...

Sim, tinha que ser assim

Um no ombro do outro

Porque a saudade nos assaltava

Nas noites silenciosas

Nos maltratava com lembranças

Do que ficou pra traz

Ah, Belém, Belém!

Belém do Pará!

Tu nos fizeste ir... e nós fomos

Fomos de mala e cuia

Mochila nas costas

Maleta nas mãos

No Boa Esperança encaramos a Transamazônica

Descemos em Altamira, passamos por vitória do Xingu

Voamos por Medicilândia, atracamos

Em Uruará, Placas, Pacajá

O pó amarelado da rodovia cortava o ar

E manchava as cores da floresta...

O veículo, destemido, deslizava na estrada

Escorregadia de sabão

E, mesmo assim, íamos desbravando as vicinais

Que entrecortavam a rodovia...

Sim, tantas diversidades diante de uns olhos

Maravilhados.

Assim, fomos viajantes na nossa terra

Conhecendo o desconhecido

Cultura

Costumes

Gente

Enfrentando a braveza das águas

Nos furos do Marajó

A água batendo insistente no casco do Gaiola:

Chuá... Chuá...

Parecia uma canção melancólica batendo

No casco de nossas memórias.

Oh, que nostalgia!

Que tempos vividos dos projetos

De intervenção

Das atividades culturais

Da dança, das peças ensaiadas

Das memórias transcritas do lugar

Da sala de aula, da escola, dos alunos...

Do professor...

Ah, professor, professor!

Tanta história pra contar

Tantos livros a escrever

Tudo guardado no baú da memória

Que te parece como que uma voz a clamar:

Conta! Conta! Antes que se apague da mente

E se vá.

Se a morte ainda não veio nem mostrou

Sua palidez

Eu volto a indagar:

Onde estão vocês?

 

Não somos uma “Sociedade de poetas mortos”, cujas fisionomias ficaram congeladas na vitrine de um grande quadro pendurado na parede da sala de uma casa, nem somos uma geração ultrapassada, porque o professor nunca será substituído por uma máquina. A máquina, fria, não pode dar calor, esperança, ao aluno; não pode debater em sala de aula, ouvir o outro, tirar dúvidas ali, na hora, fazer intervenções, elogiar o esforço coletivo ou individual, ou mesmo chamar a atenção para questões importantes; a máquina não vai à casa do aluno saber porque ele faltou à aula, nem se preocupa em saber porque o aluno está tirando notas baixas. A máquina não consegue relacionar o baixo rendimento ou comportamento do aluno a questões familiares, não derrama lágrimas nem se emociona. O professor do SOME traz toda essa bagagem dentro de si, porque a aula vai muito além da sala de aula, muito além da escola, muito além de um contracheque.  Ali, ensinamos e aprendemos num relacionamento mútuo, com troca de conhecimentos formais e empíricos, dentro e fora dos muros da escola. Isso é educar de verdade, preparar o aluno para caminhar com seus próprios pés, pensar e tomar decisões com sua própria liberdade de consciência, de escolha, numa contextualização de educação formal, não formal e informal. Ali, o professor enxerga o ser humano.

O termo “educação à distância” já é, por si próprio, depreciativo, não traz consigo a “bagagem” de experiencias que só a vida e a convivência pode proporcionar, pois anula a figura do professor em sala de aula, diminui totalmente a relação professor-aluno, o corpo a corpo, a socialização e cooperação mútuas, aspectos tão inerentes ao ser humano, substituindo-o por uma máquina projetada para emitir imagens e sons – a televisão -, com programação pré-gravada e imposta, onde o instrutor não vê o aluno, não se relaciona com ele, não sente o calor nem os desafios da sala de aula. Ali, sua única função é informar sem saber se há aprendizagem ou não.   Ali, a máquina não vê o aluno nem ouve suas críticas e ponderações. Ali, o aluno não tem com quem abrir o coração. Ele está, sozinho... sem o seu professor, aprendendo com uma máquina... uma educação bancária, como muita gente quer.

 

“Quem pode entender!?

Esse semideus

Máquina, tecnologia,

Criador e criatura

Que entre ferramentas e parafusos

Se mistura – afrouxa, aperta

Lubrifica a ideia e o sentimento

Mas no fundo, no fundo – bem lá no fundo -

Vive na clausura.

Oh, homem de ferro!

Essa capa que enferruja

Não te deixa suportar o peso

Nem ver que o mundo é belo.

Quem pode entender esse ser!?

Essa máquina... Esse homem

Esse homem... Essa máquina

Essa máquina... Esse homem

Esse homem... Essa máquina

Essa máquina... Esse homem

Esse homem... Essa máquina...”

                               (trecho do poema Quem pode entender!? – Carlos Prestes)

 

A educação à distância não apenas tira o professor da sala de aula, mas ignora seu trabalho, seus anos de capacitação e experiencia, diminui a qualidade de ensino, prejudica os alunos, deixa o professor com futuro duvidoso. Ela diminui a mão de obra apenas para garantir a contenção de despesas e encher o bolso com dinheiro de quem deveria zelar por uma educação de qualidade. É um tipo de ensino imposto pelo poder de quem tem nas mãos a autoridade de decidir, sem sequer consultar os mais interessados: alunos, professores, pais e comunidades.

 


                        Fig. 09: Faro – 1993 (prof. Ricky, Nilson e Joaquim)

Hoje, quando muitos desses professores deveriam estar felizes, comemorando, com seus cabelos grisalhos, a trajetória vitoriosa de tantos anos na estrada, ensinando em escola pública do interior, indo de um município pra outro com malas de materiais e conhecimento, pensando em revolucionar, pelo menos, aquele pedaço de chão, se deparam, de repente, com Brutus apunhalando Júlio César pelas costas, uma referência ao governador do Pará representado pelo secretário estadual de educação, numa investida contra o SOME e seus representantes.

Olhem para a imagem congelada no tempo! Olhem, professor e professora! Vejam se vocês não se veem nessa imagem? Vejam se não dá saudade daqueles tempos em que desbravávamos o Pará? Perguntem pra si mesmos se não fariam tudo outra vez, se fosse preciso, para que o SOME não pare de voar.

 

“O SOME começa assim a voar

Voar pra outras terras além do Pará

Vai muito, muito além do Amapá

Pra países além do nosso rio-mar...

 

Estrofe XX

E, assim, com tanta história pra contar

Histórias de alunos e professores

Muitos viraram mestres e doutores

Outros ainda têm chão pra pisar...

 

Estrofe XXI

Olha que trato com a educação

Que recupera do povo a memória

Relatos vivos de uma dada história

Feita com projeto de intervenção...”

(trecho do poema Uma Canção para SOME – Carlos Prestes)

 


Fig. 10: Medicilândia (professores Joaquim, Erecê e Carlos Prestes do SOME visitando a usina Pacal (década de 1990). Professor Carlos prestes está batendo a foto.  

 

A imagem da figura 09 mostra professores do SOME visitando a usina Pacal no km 90 da Transamazônica, município de Medicilândia, onde foi realizado um grande projeto cultural através da dança e dramatização, envolvendo as turmas do 1º, 2º e 3º graus magistério e contabilidade (hoje ensino médio). Ali, muitos projetos de intervenção foram realizados, projetos que marcaram a história do município, que movimentaram toda a comunidade escolar e familiares de alunos, políticos, autoridades e a população em geral.

 

“Quem já andou, caminheiro

As tantas léguas deste Pará

De certo que já pisou este trecho

Cuja cana-de-açúcar avortada dá.

 

Por trás daquelas serras, caminheiro

Que dão pras bandas de cá e de aculá

Onde a vista se perde no cacaueiro

Por lá, fique certo, já andou o professor do modular.”

 

(trecho do poema Canção para Medicilândia – Carlos Prestes)

 

 

                                                            Fig. 11: dança folclórica (Medicilândia) 
   

     


                                                             Fig. 12: Dramatização (Medicilândia)   



                                                               Fig. 13: dança do boto (Medicilândia)

 

Assim foi que, em Medicilândia, até as autoridades municipais se envolveram no projeto cultural dos professores do SOME, porque sabiam que aquilo era bom pro município e para a própria prefeitura que alugou um palco móvel e contratou uma dupla de cantores sertanejos para se apresentarem durante a programação dos alunos do SOME. As apresentações foram tão boas que os professores do regular pediram que nossos alunos se apresentassem no fechamento das aulas do 1º semestre do ensino regular. A dança folclórica faz renascer, no indivíduo, o gosto e interesse pelo nosso passado, nossas raízes, nossa terra, nossos costumes, os costumes originários de cada região que torna o nosso país tão especial e diferenciado. Isso marca a história dos alunos e dos professores.

Não foi uma programação à toa, apenas para diversão da comunidade. Não! Aquilo era um projeto de intervenção, onde as aulas teóricas discutidas em sala de aula, com livros, lousas, cadernos e canetas eram estendidas, dali, para o palco da vida, numa materialização de todas as disciplinas. Ali, as dramatizações traziam à luz temas sociais para serem percebidos pela comunidade, como a ida do homem do campo para os grandes centros urbanos em busca de emprego, carregando na bagagem o sonho de ganhar dinheiro, melhorar a vida da família e retornar para sua terra natal; a infância perdida de crianças que vivem nos abrigos ou nas ruas, abandonadas ou maltratadas pelos pais; a questão das oportunidades de estudo para alunos oriundos de famílias de baixa renda em contraste com alunos de famílias de alto poder aquisitivo; a difícil  vida fácil de prostituição nas ruas dos grandes centros urbanos; a profunda desigualdade social entre as classes mais favorecidas e menos favorecidas como causa da marginalização e aumento da violência no mundo,  etc. Todas as apresentações foram inspiradas por temas musicais que serviram como pano de fundo para debates, criação de textos, ensaios e apresentação.


4: Santarém Novo: casa dos professores (pousada), década de 1990.

A imagem acima é de uma equipe de professores em uma pousada, onde estavam alojados, em Santarém Novo, uma cidade do Estado do Pará, onde havia a presenta do Sistema Modular. Os habitantes se chamam santarenos. O município se estende por 229,5 km² e contava com 6 709 habitantes no último censo. A densidade demográfica é de 29,2 habitantes por km² no território do município.
Vizinho dos municípios de 
MaracanãSão João de Pirabas e Primavera, Santarém Novo se situa a 18 km a Sul-Leste de Maracanã, a cidade mais próxima nos arredores. (disponível em https://www.cidade-brasil.com.br/municipio-santarem-novo.html).

A foto registra um momento comum de descontração na pousada onde os professores estavam hospedados, uma vez que, nem todos os municípios tinham condições de oferecer uma casa para abrigar os professores. Naquela mesa, se conversava sobre assuntos de aula, do dia-a-dia, particulares, política, cultura, música e sobre família ou planos para o futuro. Mas nunca se concebia que um dia nos veríamos longe uns dos outros, separados pelo espaço geográfico, por região, por Estado, pela palavra saudade batendo forte na mente e no coração. Por onde andamos nós? A Estelita continua em Ananindeua, aposentada e com a família ao seu lado; o Joaquim se arranjou com a Ritinha, sua aluna na época em Açaiteua (Viseu), deixou o SOME e foi ser professor do regular no mesmo local; a Karina, ainda em atividade, anda desbravando o Abaeté. Os outros professores da foto não sei por onde andam, nem me vem à memória seus nomes, mas estejam onde estiverem, qualquer um deles e, ainda outros, que não estão aqui nesta crônica improvisada, que celebra as memórias do SOME, estejam onde estiverem, sabem que fazem parte dessa história, que ajudaram a construí-la, que só existem mestrados e doutorados e trabalhos acadêmicos sobre o SOME por causa deles – do professor e da professora do SOME.


 

O SOME E OS ALUNOS


“Coração de estudante / há que se cuidar da vida / há que se cuidar do mundo / tomar conta da amizade” (Coração de estudante: Milton Nascimento)

“Durante um tempo na história do Brasil, a elite econômica que dirigia esse país não gostava que o povo estudasse. Só estudava aqui no Brasil quem tinha dinheiro pra mandar pra Portugal, pra mandar pra França, pra mandar pros Estados Unidos, pra Inglaterra. Como esse país foi um país de forma hegemônica criado por índios, negros, no primeiro momento, não era preciso que essas pessoas estudassem. Então, eu conto sempre uma história muito engraçada: o Peru, que é um país mais pobre do que o Brasil, em 1554, já tinha a Universidade de São Marcos. Não importa de que tipo que era a universidade, mas o Peru tinha a universidade de São Marcos. O brasil só foi ter a sua primeira Universidade em 1920. Quatrocentos e vinte anos depois da descoberta, a gente foi ter a primeira universidade, que na época era chamada Universidade Brasil. mas ela não foi criada porque havia preocupação de ter estudantes nas universidades. Ela foi criada por que na época o rei da Bélgica vinha fazer uma visita pro Brasil, e um rei para visitar um país era obrigado a receber o título de doutor honoris causa. Então, criou-se a universidade para criar um título de doutor honoris causa ao rei da Bélgica. Isso demonstra um pouco o atraso a que a sociedade brasileira foi submetida durante tantos e tantos tempos. É por isso que muitas vezes a gente pega os dados socioeconômicos e a gente vê o Brasil tão atrasado; é por isso que a gente vê que, proporcionalmente, o Brasil tem menos alunos nas universidades do que o Chile; é por isso que a gente vê que o Brasil tem menos alunos, proporcionalmente, nas universidades, do que a Argentina. Por que em 1918, a Argentina já tinha tido em Córdova, a sua primeira reforma universitária. Em 1918, ela já tinha feito a sua primeira reforma universitária, e o Brasil não tinha tido a sua primeira universidade. É só pra vocês lembrarem, quando vocês tiverem na frente do espelho xingando alguém e falar que o país é atrasado, pra vocês saberem que alguém quis que o país fosse assim, alguém desejou. Então, quando eu tomei posse, eu não tinha nem diploma universitário e nem o meu vice José Alencar, mas eu tinha adquirido consciência nas minhas lutas sindicais. Eu no aprendizado que eu tive de que não existe na história da humanidade e, muito menos existia alguma nação que tivesse se desenvolvido sem antes investir na educação. Ou seja, a educação é, definitivamente, a base principal pela formação intelectual, profissional e cultural de uma sociedade.

     

                                                                   Fig. 15: estudantes  

 

Vida de aluno não é tão fácil assim, principalmente para quem mora no interior do Estado, e, mais difícil ainda é, para quem mora no interior do município, em um daqueles distritos onde não havia luz elétrica, nem feira, nem comércio; onde se matava um boi por semana, sempre aos domingos, e se fazia fila no centro da única pracinha pra tentar comprar pelo menos um quilo de carne. Sim, em muitos lugares era essa a realidade. E tanto professores como alunos sentiam na pele essa dura realidade. Porém, muito mais os alunos, uma vez que, após 50 dias letivos, os professores retornavam para a capital, mas os alunos não. Eles moravam ali, e tinham que suportar os dissabores de morar num lugar tão desassistido pelo poder público. Esse, talvez, fosse o maior incentivo pra que eles estudassem e removessem as pedras do meio do caminho.

Como deixar de falar desses heróis anônimos que moram no interior do Estado, quando tantos e tantos andaram quilômetros na Transamazônica pra chegar à escola por baixo de chuva e chão lamacento? Assim mesmo, eles chegavam com a camisa molhada, a calça levantada até o joelho, os pés sujos de barro, cansados e ofegantes, mas não faltavam à aula; quantas vezes não foram pra aula com fome, o ônibus quebrou, o gerador queimou. É por isso que o professor do SOME tinha um compromisso mais do que social com esses meninos e meninas. O professor tinha um compromisso humanitário.

GAROTO                                     

Eu olho pra ti, garoto

E vejo a minha adolescência

Tímida, passiva

Na carteira passiva, tímida

Da sala de aula.

 

               Eu olho teus olhos, garoto

               E vejo uma sombra de lágrima

               Escondida, retraída

               Minha lágrima perdida.

 

Eu olho tua face, garoto

E vejo aquele sorriso aprisionado

De um menino que queria ser amado

Não despedaçado.

 

               Eu olho pra ti, garoto

               E vejo o silêncio na nota dada

               A perplexidade da prova passada

               Coisa que não vai dar em nada.

 

Eu ainda olho pra ti, garoto

E ainda vejo o reflexo daquela

Aula normativa, metrificada

Fragmento de avaliação meritocrática.

 

               Diante de tão sofrida batalha

               Me desanuvias os olhos que a noite tragara

               Arrancando-me o mármore do peito

               Pesado mármore que me tinha por eleito.

 

Foi preciso ver-me em ti, garoto

Foi preciso te descobrir

Foi preciso ver teu não sorrir

Foi preciso sair daqui.

 

               Então saí, do alto do meu palácio

               Desatrelei-me dos conceitos empoeirados

               Botei fora o latim clássico

               Aprendi tua língua sem embaraço.

 

Agora, quando te vejo, garoto

Escrevendo no quadro desta sala

Analisando a poesia apresentada

Lembra-me as noites, os dias, as horas

De ofício, e eu sei que valeu a pena.

 

A experiencia que adquirimos como professores do SOME, os anos que passamos viajando por várias regiões do estado do Pará, nos fez ver de perto não apenas as inúmeras belezas naturais do interior do estado: os rios, igarapés, matas, culturas, costumes, hábitos, falares, contos, dança, folclore, mas também as dificuldades dos alunos, ou pelo menos boa parte dos alunos, em conseguir chegar até a escola. Não são poucos os relatos de transtornos vivenciados por nossos alunos no decorrer do ano letivo, pois, em muitos casos, o transporte era particular, alugado pela prefeitura.

Em certo momento, durante um módulo na localidade conhecida como Km 74, na Pará-Maranhão, os alunos de um distrito distante cerca de 10 km, para chegar à escola, tinham que ser transportados em caminhão pau-de-arara. As aulas começavam às dezenove horas e terminavam às vinte e duas horas e trinta minutos. No final das aulas era outra dificuldade para os alunos voltarem para casa, pois muitas vezes, o caminhão não se encontrava no local. Quando tínhamos sorte, a prefeitura contratava um ônibus para atender a comunidade escolar.  

Como se não bastasse os problemas com transporte, um dia, o gerador que atendia a escola, pifou e deixou a escola no escuro durante todo o resto daquele módulo. Tivemos que improvisar as aulas durante o período diurno.

A figura 15 mostra uma sala de aula transformada em sala de leitura pelos professores do SOME. Todas as vezes que se dirigiam à Belém em algum final de semana, retornavam à localidade com livros, revistas, jornais que eram deixados na sala de leitura para que qualquer pessoa pudesse pesquisar, estudar, ler.


Fig. 16: escola municipal de Açaiteua/Viseu-Pará5  (década de 1990)

 

Nesta localidade, também houve problemas com transporte escolar. Certa noite, o dono do ônibus não quis levar de volta uma parte dos alunos que moravam em uma vila a alguns quilômetros de Açaiteua, porque a prefeitura já vinha atrasando o seu pagamento em mais de dois meses e ele tinha que tirar dinheiro do seu próprio bolso pra colocar combustível e fazer a manutenção do coletivo. Um morador que tinha um caminhão, se condoeu com a situação dos alunos e se ofereceu para leva-los de volta à vila onde moravam.

Na figura acima, temos, também, uma amostra de trabalhos de arte feita por alunos do primeiro ano, curso magistério.

O Sistema Modular foi, sem sombra de dúvida, a melhor política pública de educação feita para atender os estudantes de ensino fundamental e médio do interior do estado do Pará. Agora, a família não precisa mais se separar, os pais não precisam mais mandar seus filhos para os grandes centros, ou para Belém, a fim de darem continuidade aos estudos do ensino médio, porque isso já é uma realidade em grande parte do território paraense. E quem sonhou, implementou e executou foram os professores do SOME, através dos cursos de magistério e contabilidade e, com isso, formando professores para atuarem em suas próprias comunidades.

Sabemos que a vontade de vencer dos alunos é maior do que as dificuldades encontradas durante os períodos de aulas, como a estrutura precária da sala de aula observada na imagem abaixo. Um barracão improvisado de chão feito com terra batida. Nota-se também, a atenção dos alunos quanto ao assunto dado. Uma realidade bem diferente das escolas privadas, com suas mensalidades caras, seus currículos direcionados, sua metodologia obrigatória, sua vestimenta bem alinhada, seu corpo docente obediente e não questionador. Como competir com um tipo de ensino que agrada o sistema, onde a aprendizagem do aluno é avaliada através de uma prova escrita, pela sua capacidade de resolver problemas e escrever as respostas certas, ou seja, sua capacidade de memorizar e não por uma avaliação continuada, holística. Em vista disso,

Tendo contextualizado alguns fragmentos acerca da história da educação no Brasil e os desafios que trouxeram para nós hoje, em especial no território paraense, consegue-se perceber que os educadores do SOME, na qualidade de professores itinerantes, vem tendo a dificílima missão de apresentar uma proposta educativa não apenas inovadora para os padrões tradicionais e regulares, mas que realmente seja qualitativa, competitiva, capacitatória nos pensamentos e nas ações efetivas, que provoque mudanças de comportamento, mudanças na realidade social do aluno  e da aluna, e no espaço que ocupam dentro da comunidade, uma vez que a educação está fragmentada em vários subtemas que fazem parte do dia-a-dia escolar, tais como: avaliação, currículo, evasão escolar, fracasso, escolar, repetência, ensino-aprendizagem, plano de curso, plano de aula, carga horária, projetos pedagógicos, etc., e que exigem resultados convincentes a dar à sociedade, uma vez que a escola pública sofre com os parcos investimentos em infraestrutura, recursos humanos e qualificação profissional (PRESTES, 2022, p. 50).

 


                                     Fig. 17: alunos do SOME em Cametá/PA

Sim, todo aluno e aluna que passaram pelo Sistema Modular sabem da sua importância na vida de suas famílias e da comunidade como um todo. Seja aonde for que o professor tenha que ir, enfrentando, de kombi, de carro ou de ônibus, a tortuosa Transamazônica e suas vicinais, ou de lanchas, rabetas e popopôs, margeando as ilhas, os furos, os rios das cidades ribeirinhas tipicamente paraenses, seja aonde for, o professor modular está sempre pronto para cumprir seu ofício, pois, por onde quer que passe, a pegada de seus pés fica gravada na mente da comunidade estudantil e das famílias para sempre, porque aquele encontro de gerações e culturas diferentes culmina em relacionamentos permanentes de amizades.

 


Fig. 18: alunos ribeirinhos indo a caminho da escola.

 

“Ora, e vem-se a falar agora em territorialidade

E pessoalidade docente na Amazônia paraense.

Mas do que vem a tratar esse estudioso brasiliense,

Senão do SOME em toda a sua expansividade...?

 

Expandir pra onde esse ensino de humanidades?

Por que não até onde der pra voar

Com essa ampla estratégia de inclusão escolar

Que vai dar em muitas localidades...?

 

Localidades onde esse modelo se ajustou

À complexidade amazônica de costumes tantos

Que já vai aí mais de uma década, 41 anos...

Memorizando as comunidades por onde passou...”

(extraído do canto II, do poema Repertório de Saberes – Carlos Prestes)

 

 

 

O SOME E A CASA DOS PROFESSORES

 

   Fig. 19: casa dos professores – Santa Cruz - Aveiro/PA

A imagem acima, registra o momento da inauguração da Casa dos professores do SOME em Santa Cruz, município de Aveiro, construída pela própria comunidades e colaboradores. Agora, professores não precisam mais pagar aluguel de casa para se alojarem durante o período letivo das aulas, uma vez que a maior parte destes profissionais são da capital do estado.

O SOME, desde sua implantação, funciona através de parcerias entre a SEDUC, representante do estado, e as prefeituras de municípios onde havia ou era solicitado o projeto.

Até o ano de 2003, competia aos municípios o custeio com alojamento e alimentação dos professores e professoras durante o tempo de duração de cada módulo. Necessário acrescentar que a casa de moradia deveria estar rigorosamente mobiliada e com uma secretária do lar para atender os docentes, cuidando das atividades domésticas da moradia. Alguns municípios chegaram a ter uma funcionária para cuidar da casa e outra para o preparo da alimentação dos docentes (SOUSA, 2020, p. 23).

A realidade é que, em muitos municípios por onde os professores passaram, eram bem recebidos pelas autoridades de educação, como secretários, diretores e professores, que procuravam dar aos professores do SOME o melhor conforto possível, dentro da realidade do município, com uma pessoa para fazer as atividades domésticas da casa, além de alimentação ou ajuda de custo em dinheiro. Porém, havia e ainda há, municípios cujas prefeituras não se importavam (ou ainda não se importam) com a educação escolar da comunidade, muito menos com a estadia dos professores, cujos alojamentos, os quais chamamos de Casa dos professores, se encontravam em estado de abandono, sujas, mal conservadas, sem mobília ou com pouca mobília. Quando muito, havia uma mesa com quatro ou cinco cadeiras, dois ou três quartos com camas de solteiros, um fogão com botijão de gás. O banheiro às vezes tinha água encanada, às vezes não, sem contar que, quando o módulo era no interior do município (interior do interior), os professores tinham que se deslocar uma vez por mês até a sede do município para comprar alimentação ou receber a ajuda de custo da prefeitura. Isso é apenas uma página do livro que poderia ser escrito contando exclusivamente sobre a casa dos professores.

Esse descaso com o SOME começou quando a Rosa Cunha, a partir de 2003, assumiu a secretaria de Educação do Pará e autorizou as prefeituras a descumprirem o convênio com o Estado, que mantinha o Sistema Modular nessas localidades com o mínimo de dignidade. Essa decisão pensada e articulada pelo governo do estado, foi a gota d’água para o processo de desmantelamento do SOME, pois, “assim, muitas prefeituras continuaram mantendo e honrando o convênio, mas por outro lado, outras prefeituras se aproveitaram do momento para diminuir custos e encargos que consideravam dispensável com a educação” (SOUSA, 2020, p. 27).

Hoje, por não ser mais obrigatória a ajuda dada pelas prefeituras municipais aos professores do SOME, as dificuldades se multiplicam, não somente para o SOME, mas para o corpo discente também, já que, muitas vezes, há problemas pra se arranjar moradia para os professores, escola, sala de aula com, pelo menos, o mínimo de condições de funcionamento. Tudo isso parece fazer parte de uma grande campanha de enfraquecimento do Sistema Modular de Educação, que culminou, agora, com a tentativa de substituição dos professores por televisores em sala de aula. 

 



                 Fig 20 Pousada que servia como casa dos professores – Santarém Novo: década de 1990

A CASINHA AZUL

Casa...

Casinha...

Casarão...

Casa azul, da pintura, da madeira já antiga,

Desgastada pelos anos...

E quantos anos!

Vai o ano de oitenta e oito,

Décadas e décadas atravessando

Tempo e vento

Vento e tempo...

Casinha dos olhos murchos

Querendo se apagar...

Cansados, quem sabe, de tanto labutar,

Pois tua pele, teu rosto,

Estão a precisar de pintura nova,

De cuidado extremo,

Porque em ti está um pedaço

Dele ou dela que ali aportou,

Por um tempo...

Vindo de tão longe,

Quem sabe de Belém...

E aí, no teu interior, repousou,

Conversou, sorriu, gargalhou,

Contou, ouviu histórias...

Mas um dia ele ou ela se foi,

Foi bater pernas no espaço geográfico,

Foi ajudar a reinventar a história.

E, assim, tu foste envelhecendo

Apenas na aparência, porque aí dentro,

Dentro de ti,

Ainda estão aqueles professores sorrindo,

Dando gargalhadas, contando histórias.

Ainda estão aí, dentro de ti,

Aquelas mulheres, fortes mulheres,

Que ajudaram, com suas finas mãos,

A te construir.

Casa...

Casinha...

Casarão... Eu vou, estou de mala pronta,

Mas tu vás comigo também

Na lembrança...

Na fotografia...

No meu celular.

(A casinha azul – Carlos Prestes)

 

         Fig. 21: Casa dos professores na localidade de Mangabeira, Mocajuba/PA

O município de Mocajuba é cortado por um dos maiores rios brasileiros, o Rio Tocantins, e, no município, ele chega a uma largura de mais de 3 km. Os municípios que fazem limites com Mocajuba são: Baião, Cametá, Igarapé Miri, Moju e Oeiras do Pará. Em 10 de outubro de 1854 foi fundada a Vila de Mocajuba, o menor território municipal no baixo Rio Tocantins. Mais de um século depois, Mocajuba tornou-se o maior produtor nacional de pimenta-do-reino e despontou como promissor município do Pará (disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Mocajuba. Acesso em 07.dez.2024).

Na imagem acima, é possível perceber o retrato do descaso do gestor público, eleito pelo voto do povo, em relação ao apoio àqueles que têm como ofício a licenciatura, e, do mesmo modo, àqueles que precisam do ensino público para se desenvolverem, crescerem, sonhar alto, neste caso, os alunos.


                              Fig. 22: Professora Gisele Santos, na casa dos professores, em Apacê – Aveiro.


O SOME E OS PROJETOS DE INTERVENÇÕES


O projeto de intervenção era uma atividade complementar da carga horária do professor, o qual tinha liberdade para criar um projeto e desenvolve-lo, através do corpo discente, junto à comunidade escolar ou frente à toda a comunidade local. As atividades eram as mais diversas possíveis, desde pesquisas sobre histórias, memórias escritas e/ou orais da comunidade ou de pessoas, passeios, visitas a instituições, meio ambiente, até atividades culturais, como danças folclóricas, ensaios de peças teatrais, jogos, etc. Muitos desses projetos de intervenção, tornaram-se conhecidos na região onde foram executados e, mesmo na SEDUC. Em alguns lugares, foram realizados totalmente pelo esforço de professores e alunos; em outros lugares, houve participação da prefeitura e outras autoridades municipais, com ajuda material. Porém, quando o projeto estava sustentado com base em temas sociais, em que as autoridades políticas locais entendiam que iam de encontro aos seus interesses, havia conflitos que resultavam em ameaças a professores e, estes, por diversas vezes, tiveram que sair escondidos e às pressas do município, a fim de resguardarem suas vidas e sua própria vida.

            Os relatos de autoritarismo das autoridades municipais são inúmeros: professores que foram visitados pelo gestor municipal na própria casa dos professores, no horário da noite, depois das aulas, pra que saíssem do município naquela mesma noite; professores que foram obrigados a embarcar em avião, no interior do estado, por causa de ameaça de morte; professores que foram denunciados na sede da SEDUC porque estavam criticando, em sala de aula, a gestão municipal, etc.

Abaixo, estão selecionadas apenas algumas dessas atividades intervencionistas em alguns municípios do Estado do Pará:

 

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Fig. 23: O Negro na sociedade brasileira: Projeto de intervenção sobre o 20 de novembro para a sociedade brasileira.  Executado na Vila de Forquilha, município de Tomé Açu, em 2015. 


Fig. 24: Projeto sobre o Natal na Vila de São Raimundo, município de Bujaru, em 2012, com distribuição de brinquedos para as crianças da Escola São Raimundo de funcionamento do SOME. 




Fig. 25: Resgatando a história e a memória na Comunidade Quilombola de Pacoval no município de Alenquer.

 



                                                   Fig. 26: Atividade de soltura de tartarugas em Afuá.

   


 

Fig. 27 e 28: Publicado no dia 19 de julho de 2019, o projeto “História, Memória e Oralidade – Bannach”, sob as orientações dos professores Marina Costa e Sérgio Bandeira. A pesquisa foi realizada no ano de 2001.


Fig. 29: IV festival de teatro realizado pelo circuito 09 do SOME, na cidade de Gurupá, em 1996. A imagem mostra alunos do Magistério de Melgaço apresentando a peça teatral “A verdadeira face da cidadania”, escrita pelo ex-aluno e professor Agenor Sarraf (fonte: livro Educação na Amazônia em repertório de Saberes: o sistema Modular de Ensino, vol. 1).


Fig. 30: Atividade desenvolvida pelo prof. Ribamar Oliveira, vila de São Raimundo, município de Bujaru, ano 2011. Foi solicitado aos alunos do SOME que fizessem um resgate histórico de sua comunidade, com base em memórias e história oral, para descobrirem suas origens, seus antepassados (projeto História, Memória e Oralidade).


 

O SOME E OS AUTORES E OBRAS


O SOME também é pesquisa e literatura, contendo em seu quadro, um vasto número de professores que se dedicam à pesquisa individual e/ou acadêmica, com destaque para temas relacionados à educação e ao SOME, e à produção de literatura nas diversas modalidades, tais como: poesia, contos, crônicas, romances, memórias, literatura de cordel, etc.

A seguir, alguns exemplares de produção acadêmica e literária de professores do SOME. Algumas, recém produzidas e lançadas na feira do livro ou em eventos particulares, cuja finalidade é fortalecer o SOME, compromissado com uma política pública de qualidade para a educação paraense, principalmente, para os discentes que residem no interior do Estado.

 

   


      







         








  








































 













O SOME E AS LUTAS, RESISTÊNCIAS E MANIFESTAÇÕES

 

Quando se trata de suprimir recursos para economizar gastos públicos, a primeira menção que vem à mente dos gestores públicos são as palavras “EDUCAÇÃO” e “CULTURA”. Parece, assim, que não passam de termos abstratos, sem nenhuma relevância, quando comparados a termos como “AGRONEGÓCIO”, “MINISTÉRIO DA ECONOMIA”, “TURISMO”, “SEGURANÇA PÚBLICA”, “MINISTÉRIO DAS CIDADES”, “MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA”, “MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO”, “MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES”, “MINISTÉRIO DA DEFESA”, etc., que, na visão de autoridades políticas, é o que impulsiona e materializa o crescimento econômico e social de um país, esquecendo-se de que  são os Ministérios da Educação e da Cultura os responsáveis pelo aprendizado e preservação da história e da cultura local, sem as quais, não temos identidade, nem registro de nascimento, e é começando na escola, pelo contínuo e perseverante trabalho dedicado do professor na sala de aula, cuidando de aprimorar o intelecto de seus alunos, que faz um indivíduo, um país, uma nação crescer nas mais diversas áreas do conhecimento, pois, do contrário, o que seria do homem sem conhecimento, sem cultura, sem domínio da língua e da ciência num mundo cada vez mais tecnológico, digitalizado, globalizado, em que os mais fortes se impõem sobre os mais fracos, e o poder e independência se materializam justamente em favor de quem domina o conhecimento? Quem minimiza e rejeita o conhecimento, a cultura, a educação, está entregando as chaves de seu país ao lobo mau, à bruxa da maçã envenenada, às nações dominantes deste mundo, que não querem a nossa amizade, mas apenas explorar as nossas riquezas, sequestrar a nossa cultura e nos tornar seus servos.

“Aqui a gente toma guaraná

Quando não tem Coca-Cola

Chega das coisas da terra

Que o que é bom vem lá de fora

Transformados até a alma

Sem cultura e opinião

O nortista só queria fazer

Parte da nação

 

Ah! Chega de malfeituras

Ah! Chega de triste rima

Devolvam a nossa cultura

Queremos o Norte lá em cima!

Por quê? Onde já se viu?

Isso é Belém!

Isso é Pará!

Isso é Brasil!”

(Belém, Pará, Brasil – Mosaico de Ravena)


Mas a busca por se perpetuar no poder tem feito com que as elites do Brasil (vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, presidentes, militares, empresários, banqueiros, etc.), utilizando-se de um falso moralismo ideológico, se coloquem na posição de (defensores dos bons costumes de uma sociedade que se diz conservadora), tornando-se, assim, inimigos número um da Educação e da Cultura consideradas progressistas, e, consequentemente, dos que trabalham com educação, que vêm amargando profundas perdas históricas de seus direitos conseguidos com tanto custo, como o que vem acontecendo no Pará, em que o governo do Estado conseguiu que a Assembleia Legislativa aprovasse um projeto que diminui as conquistas dos profissionais do magistério, causando um impacto muto grande nos seus proventos. Outro ataque, deu-se na tentativa de trocar as aulas presenciais feitas pelos professores do SOME no interior do Estado, pela teleaula, ensino à distância, sem a presença do educador em sala de aula para interagir com os seus alunos. Mas, apesar de toda essa força demonstrada pelo poder público, os professores, estudantes, pais de alunos, se organizaram, se mobilizaram e foram para as ruas lutar, repudiar essa política suja, feita por políticos sujos, não confiáveis, que querem se perpetuar no poder e fazer dos estudantes e da população em geral, indivíduos sem vontade própria. E, para que tenham êxito, precisam enfraquecer economicamente os profissionais da educação.

Abaixo, alguns exemplos de mobilização em várias partes do interior do Estado e em Belém, além de denúncias contra o atual secretário de educação do Pará.

 

DENÚNCIAS            

Ex-secretário de Educação do Amazonas é condenado por improbidade em ação do MP-AM

O ex-Secretário de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas (Seduc) e atual secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Rossieli Soares da Silva, foi condenado por improbidade administrativa em ação movida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) por omissão em fornecer documentos necessários a processo investigatório do Ministério Público. “Das duas uma: ou predomina a desorganização naquela instituição, ou eles entendem que têm um poder maior, acima dos princípios que regem a administração pública”, censurou a Promotora de Justiça Wandete Oliveira Netto, que impetrou a ação.

Fonte: ministério Público do estado do Amazonas, Procuradoria-Geral de justiça. Disponível em https://www.mpam.mp.br/slides-noticias/9503-ex-secretario-de-educacao-do-amazonas-e-condenado-por-improbidade-em-acao-do-mp-am. Acesso em: 25.nov.2024, às 13h03.

 

Ex-secretário de Educação do Amazonas é condenado por improbidade em ação do MP-AM

Fonte: Jusbrasil. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/ex-secretario-de-educacao-do-amazonas-e-condenado-por-improbidade-em-acao-do-mp-am/395861864. Acesso em 25.nov.2024, às 13h11.

 

Educação

Candidato, ex-secretário de Educação de São Paulo é denunciado por suposto abuso de poder político

 


Fonte: Carta capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/candidato-ex-secretario-de-educacao-de-sao-paulo-e-denunciado-por-suposto-abuso-de-poder-politico/. Acesso em 25.nov. 2024, às 13h23.

O ex-secretário de Educação em São Paulo Rossieli Soares (PSDB), agora candidato a deputado federal, é acusado de fazer uso da estrutura do estado para angariar capital político para sua campanha. Se confirmada, a conduta pode violar princípios da Le... Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/politica/candidato-ex-secretario-de-educacao-de-sao-paulo-e-denunciado-por-suposto-abuso-de-poder-politico/. O conteúdo de CartaCapital está protegido pela legislação brasileira sobre direito autoral. Essa defesa é necessária para manter o jornalismo corajoso e transparente de CartaCapital vivo e acessível a todos

 

MOBILIZAÇÕES

                


 





MANIFESTO DA HORA

 

Oh, guerreiro menino!

O herói invisível que está fora de moda!

Por que acham que não és de carne?

Alguém ouve o teu choro? O teu choro desesperado,

Escondido, abafado?

Só os pequenos ouvem o teu choro

Que ecoa pelas periferias da cidade

Sem cor, sem luz, cobertas de trevas

Que te fazem sumir.

 


 

              


                                


 

Pois é! Esse trabalhador também chora,

Também ri e dá gargalhadas da vida,

Essa vida feita de planaltos e planícies,

De fartura e de fome.

Fome física, que está no corpo, na barriga

Vazia,

Fome de subir o planalto e vencer...

Vencer o gigante Golias,

Vencer a pedra no meio do caminho.

 




CONCÓRDIA DO PARÁ PARTICIPAÇÃO NA QUINTA PLENÁRIA DO SINTEPP REGIONAL DO BAIXO TOCANTINS....
APOSENTADO, MAIS JAMAIS INATIVO

 

Esse guerreiro menino precisa de

Descanso,

Precisa de um sonho que o mantenha

Vivo, forte, capaz, mesmo que a lágrima

Não deixe de escorrer pelo rosto duro

E sem brilho.

Oh, trabalhador! Como ser feliz num país

Que te amordaça a dignidade?

Que te faz comer o pão que o diabo

Amassou?

Que te pilha até o último centavo

De esperança?                         

 


         


                                                                     SOME Altamira


                                                                      SOME Altamira

 

A hipocrisia nem tem mais vergonha

De se mostrar nas ruas, nem nas redes sociais,

Porque o que era certo virou errado, e o

Errado virou certo.

Oh, guerreiro menino, não chores mais!

Porque, se Deus quiser, tudo vai dá pé,

E a guilhotina será para quem a inventou.

 




Ocupação da SEDUC, em outubro de 2017, com alun@s de vários municípios, estes são de Campo Verde, município de Concórdia do Pará, com objetivo de lutar pelas matrículas dos alun@s no primeiro ano. 

 

E tudo que estava preso será libertado: a

Esperança, a alegria, o sorriso, a dignidade,

A vontade de gritar, de saltar e dançar

Pelas ruas, porque a canção caminha junto

Com a multidão, e a flor há de vencer

O canhão.

 


Bujaru: Professores do SOME reunidos, montando estratégias de luta em favor da educação presencial no interior do estado.

 

Vamos vivendo e as horas vão se passando

Com as mesmas velhas discussões, que também

Vão se perdendo no tempo, na mesa de bar,

Entre grupos de amigos.

Será que eles venceram?

Será que o sinal está fechado pra nós,

Que somos jovens?

 

    

                                                                    SOME Monte Alegre 

 


                                                                SOME em Alenquer

A ferida está viva no meu coração, e eu

Sinto o cheiro da nova estação.

Cadê aquele jovem, cabelo ao vento

Que eu vi na rua vigiada, entre gritos

E protestos?                                                                  

 

 

   

                                                                                 Alça Viária

 

Oh, que dor!

Porque ela vem da parede da memória.

E aquele jovem de luta foi perdendo

Espaço pra idade.

 


                                                                                             Belém

 

Ainda somos os mesmos?

Ainda vivemos como nossos pais?

Ou deixamos a tarde cair como um viaduto

Sobre nossas cabeças?

 


                                                                           Belém.


Aquele bêbado poeta que fazia irreverencias

Mil pras noites do Brasil, sumiu, perdeu-se

Nessa transição de geração.

Tanta gente que partiu, que nem se fala

Mais no Henfil.

 


                                                                     Belém


Chora! Chora, Brasil!

Choram as nossas Marias e Clarices,

Porque o exílio já existe.

 


                                                                                   Belém


Oh, guerreiro menino!

Essa dor pungente não matará a esperança,

Porque, mesmo na corda bamba, de sombrinha,

O artista sempre será artista,

O seu palco será sempre as ruas,

O público sempre será o povo,


                                                                      Belém

E aquele jovem de cabelo ao vento

Há de acordar...

Sim, depois de três décadas de flores

E de liberdade, aquele jovem há de acordar!

 


REFERENCIAS

COSTA, Marina de Sousa; OLIVEIRA, José Ribamar Lira de; NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do. O SOME na Amazônia paraense: territorialidade e pessoalidade docente. [In]. COSTA, Marina de Sousa; OLIVEIRA, José Ribamar Lira de; NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do. (Org.). Educação na Amazônia em repertório de saberes: O sistema de Organização Modular de Ensino. – Belém / Pará: Paka-Tatu, 2020.

OLIVEIRA, José Ribamar Lira de; COSTA, Marina de Sousa; NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do. O Blog do Riba: O SOME em uma bela janela virtual da Amazônia para o mundo. [In]. COSTA, Marina de Sousa; OLIVEIRA, José Ribamar Lira de; NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do. (Org.). Educação na Amazônia em repertório de saberes: O sistema de Organização Modular de Ensino. – Belém / Pará: Paka-Tatu, 2020. 

PRESTES, Carlos Alberto Trindade. A proposta pedagógica do SOME e a importância dos registros de memórias. [In]. NASCIMENTO, Sérgio Bandeira do; COSTA, Marina de Sousa; OLIVEIRA, José Ribamar Lira de. (Org.). Educação na Amazônia em repertório de saberes: O Sistema de Organização Modular de Ensino. – vol. II, Belém (PA): Cabana, 2022. 

SOUSA, Arodinei Gaia de. SOME: educação no campo da Amazônia Paraense. Cametá (PA): AGS, 2020.

WHITE, Ellen G. Pais preparados, filhos vencedores. Edição especial para os ministérios da família. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001.


* O autor é poeta, escritor e ex-professor do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME.


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