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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A AMAZÔNIA COMO ESPAÇO IDENTITÁRIO LITERÁRIO - I Parte




                                                                                  * Valdir Ribeiro



É comum em nossos dias, encontrarmos escritos sobre a região amazônica, seja em forma de notícias, seja em forma de poesia exaltando e contando história sobre a região. Nesse sentido identificam-se nos rios, nas matas e nas cidades, lugares de um espaço discursivo onde a cada instante se criam novas identidades amazônicas ora pela beleza natural que existe e é vivenciada a todo instante, ora pela recepção de mensagem que nos é passado por artistas e profissionais de comunicação. Existem representações aguçadas por pensamentos identitários que nos colocam na condição de seres amazônicos, pois segundo Edir Augusto 2010 p. 185:


Na Amazônia constitui-se uma cultura de profundas relações com a natureza, que perdurou, consolidou e fecundou o imaginário (até o final dos anos de 1950) destes indivíduos “isolados e dispersos” (...) a construção da identidade é sempre um processo em curso – não necessariamente longevo e estável – a identidade é relacional e contrativa: envolve sempre diálogo e conflito, entre o passado e o presente, entre “nós” e os outros o dentro e o fora.


Este artigo será trabalhado com poesias musicadas e imagens de autores que nos proporcionam o gostar pela região, justamente pelas questões culturais, literária e identitárias amazônicas e nos colocam na condição de seres amazônicos, pois, estes fatores tem na recepção das mensagens, fatos comuns que acabam nos envolvendo neste espaço da região brasileira. A escolha deste trabalho veio também pela vontade de ampliar meus conhecimentos sobre literatura, cultura e identidade e a teoria do efeito estético na abordagem de Wolfgang Iser  não deixando de lado autores que trabalham com muita criatividade a questão da memória como, por exemplo, Maurice Halbwachs.


Segundo Edir Augusto 2010 p 204:


Importa, também, para entendermos o discurso da identidade, que permeia seus textos atentar para o contexto em que escrevem: intensificação do processo de modernização da Amazônia (...) implanta grandes projetos de drásticos impactos no ecossistema e no modo de vida regional.


 Aqui será representado pelo texto Saga da Amazônia:


 Era uma vez na AMAZÔNIA, a mais bonita floresta 
Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
 
No fundo d'água as IARAS, caboclo lendas e mágoas
 
E os rios puxando as águas
PAPAGAIOS, PERIQUITOS, cuidavam das suas cores 
Os peixes singrando os rios, Curumins cheios de amores
 
Sorria o JURUPARI, URAPURU, seu porvir
 
Era: FAUNA, FLORA, FRUTOS E FLORES
Toda mata tem caipora para a mata vigiar 
Veio caipora de fora para a mata definhar
 
E trouxe DRAGÃO-DE-FERRO, prá comer muita madeira
 
E trouxe em estilo gigante, prá acabar com a capoeira.
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar 
Prá o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
 
Se a floresta meu amigo tivesse pé prá andar
 
Eu garanto meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.
O que se corta em segundos gasta tempo prá vingar 
E o fruto que dá no cacho prá gente se alimentar??
 
Depois tem passarinho, tem o ninho, tem o ar
 
ICARAPÉ, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar.
Mas o DRAGÃO continua a floresta devorar 
E quem habita essa mata prá onde vai se mudar??
 
Corre ÍNDIO, SERINGUEIRO, PREGUIÇA, TAMANDUÁ
 
TARTARUGA, pé ligeiro, corre-corre TRIBO DOS KAMAIURA
No lugar que havia mata, hoje há perseguição 
Grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão
 
Castanheiro, seringueiro já viraram até peão
 
Afora os que já morreram como ave-de-arribação
 
Zé da Nana tá de prova, naquele lugar tem cova
Gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro 
Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
 
Roubou seu lugar
Foi então que um violeiro chegando na região 
Ficou tão penalizado e escreveu essa canção
 
E talvez, desesperado com tanta devastação
 
Pegou a primeira estrada sem rumo, sem direção
 
Com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
 
Dentro do seu coração.
Aqui termina essa história para gente de valor 
Prá gente que tem memória, muito crença muito amor
 
Prá defender o que ainda resta sem rodeio, sem aresta
 
ERA UMA VEZ UMA FLORESTA NA LINHA DO EQUADOR.
                                                             
                                                                       Geraldo Azevedo


A poesia remete-nos à lembrança de lugares, animais e objetos que fizeram parte de nossa vida e cria-nos uma aglutinada imagem em nossa mente, lembrando de detalhes que foram lidos ou vividos e nos recolocam na situação de seres da Amazônia. Segundo Renato Ortiz p.17 “cada espaço é mareado por valores particulares e por uma mentalidade coletiva modal, pois uma civilização é uma continuidade no tempo de larga duração”. No contexto de saga da Amazônia, vê-se o confronto do processo de autoridade da apropriação da região, sustentada pelo bem da economia nacional-internacional esmagando quem realmente precisa do espaço para viver e praticar suas ações culturais. 


Michel Pollack (1992, p.9) afirma em seu livro “Memória, esquecimento, silêncio” “A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis.“


Uma caracterização bem feita é aquela que torna viva a presença de personagens na imaginação do leitor!  Eles não devem ser personagens quaisquer, mas específicas de determinada história, isto é, devem ser singulares. Eurídice Figueiredo 1998 falando sobre a obra de Eduard Glissant que se constroi pelo acúmulo, “pela nomeação extensiva de todo um espaço-tempo vivenciado por personagens que se repetem de um livro para o outro, evoluindo, envelhecendo, refletindo, insistido naquela ideia fixa do autor, num diálogo intermitente, recortado, em que vários alter egos discutem numa duração interminável.


É com o intuito de mostrar ao leitor deste artigo as diversas maneiras que temos de focalizar objetos, seres e lugares que nos fazem reviver tempos distantes ou não, e que de acordo com outras memórias nos remetem com sensibilidade várias maneiras de se pensar nas pessoas, na região, na cidade nas ruas entre outras coisas que guardamos na lembrança e a cada instante mexe em nossa identidade. Pois segundo Halbwachs (2006, p.72):


Para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referências que existem fora de si, determinados pela sociedade. Mais do que isso, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu ambiente. Não é menos verdade que não conseguimos lembrar senão do que vimos, fizemos, sentimos, pensamos num momento do tempo, ou seja, nossa memória não se confunde com a dos outros.


É notável que a pós-modernidade trouxe com ela a diversidade identitárias como afirma Bhabha 2003 p.p. 20, 21


 a representação da diferença não deve ser lida apressadamente como o reflexo de traços culturais ou  étnicos preestabelecidos, inscritos na lápide fixa da tradição. A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria é uma negociação complexa em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em momento de transformação histórica.


Atenho-me aqui, a especificidade da vivência do ser amazônico produtos de interrogações e dúvidas passadas que revitaliza sua visão de forma a introduzir um pensamento mais forte da região amazônica, pois, para Bhabha 2003 p.27 “O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com o ‘novo’ que não seja parte do continuum de passado e presente.” Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente da tradição cultural. Aqui é mostrado pela poesia “olhando Belém” de vital lima:


O sol da manha rasga o céu da Amazônia 
Eu olho Belém da janela do hotel
 
As aves que passam fazendo uma zona
 
Mostrando pra mim que a Amazônia sou eu
 
E tudo é muito lindo
É branco, é negro, é índio
 
No rio tiete mora a minha verdade
 
Sou caipira, sede urbana dos matos
 
Um caipora que nasceu na cidade
 
Um curupira de gravata e sapatos
 
Sem nome e sem dinheiro
Sou mais um brasileiro
 
Olhando Belém enquanto uma canoa desce um rio
 
E o curumim assiste da canoa um Boeing riscando o vazio
 
Eu posso acreditar que ainda da pra gente viver numa boa
 
Os rios da minha aldeia são maiores do que os de Fernando Pessoa
 
( e o sol da manha rasga o céu da Amazônia )
 
Olhando os meus olhos de verde e floresta
 
Sentindo na pele o que disse o poeta
 
Eu olho o futuro e pergunto pra insônia
 
Será que o Brasil nunca viu a Amazônia
 
E vou dormir com isso
Será que e tão difícil.


Assim, a construção do identitário amazônico se expande mostrando na expressão do eu poético uma transformação através de espaços e vivências amazônicas.


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