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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Educação na Escola Pública: Um olhar de Dalcídio Jurandir


                                                       


                                                      Maria de Fátima Santos de Oliveira*


O debate educacional percorre os mais diversos caminhos historiográficos, inclusive aquele que nos permite estabelecer o diálogo entre a história e a literatura.

Diante desta perspectiva, procurei fazer uma abordagem da educação pública no Estado do Pará percorrendo a literatura dalcidiana através da obra Passagem dos Inocentes e como suporte teórico a micro-história.

A micro-história é mais uma das contribuições científicas que podemos lançar mão para se obter o passado, o que implica dizer que não devemos nos limitar em documentos escritos oficiais, mas também utilizar narrativas, fruto de como os sujeitos viveram e pensaram sua própria existência. No dizer de Ginzburg (1989) [...A singularidade na micro-história (...) assume o paradigma indiciário ...], este é um modelo epistemológico baseado na interpretação dos indícios sobre o passado. Portanto, a educação elemento ou fragmento usado na obra narrativa é um indício de um contexto maior no período em estudo, revelado pela contribuição literária do marajoara Dalcídio Jurandir.

 Passagem dos Inocentes, é a obra escolhida para sinalizar os “sintomas da doença” educacional do século XX, pois traça um perfil educacional em Belém no Grupo Escolar “Barão do Rio Branco”, Escola esta que foi palco da vida estudantil deste escritor nos anos de 1922 a 1924.

O orgulho da Escola, percebe-se nas suas palavras [...o caminho para o Barão, passava pelo Grupo Escolar do Largo de Santa Luzia, o Doutor Freitas, e espichava o beiço: esse – um aí? Coitado. Não tinha a boa parecença do Barão, este sim...] (1984). No entanto Alfredo fica decepcionado com o método das aulas, era obrigado a decorar datas, fatos que o deixava perplexo, por isso duvidava do que ouvia da professora. Veja o fragmento: [...Quem em mil quinhentos e quarenta e nove chegou na Bahia? E isto dos Séculos? Tempo contado em cem anos?  Era de verdade um tempo? ...] (p.115). Estas memórias de Dalcídio Jurandir, pontuam indícios da educação escolar do século XX baseado na concepção de transferir o conhecimento para o aluno simplesmente memorizá-lo. Observe mais uma vez o que diz Alfredo sobre suas aulas no Grupo Escolar “Barão do Rio Branco” [... lições giz cobria a pedra de máximo divisor comum, volumes, quantias, governadores-gerais, coisas do mais puro faz de conta (...). A maçã de que saia a fração, cadê a maçã?...] (p.116). São fragmentos que a literatura dalcidiana nos conduz a uma reflexão do processo ensino aprendizagem, ou seja, no século XX aquela era a melhor aula, pois o aluno queria mais.


Na imaginação de Alfredo a aula bem que poderia ser diferente, ele dá a seguinte sugestão: [...Pela porta do lado, procurar as mangueiras do fundo e sem estames ou pistilo chamar os alunos: esta vocês conhecem de berço. Olhem se tem manga, vamos comer umas e olhar o caroço, olhem uma ali grelando, e as folhas, o que estão vendo nas folhas? Já viram um reino de formiga todo ocupado em carregar cargas e cargas de folha? Quanta folha em Cachoeira nem uma agora para a lição de coisas na mesa da professora...] (p.116). Observe que o aluno propõe o uso dos objetos concretos mas que não são utilizados pela professora, isso nos dá a dimensão da inquietude do aluno que tem na escola um aparato pedagógico, mas não tem a melhor aula. Talvez porque a professora usava muito mais o aparato pedagógico e curricular em detrimento da contextualização do cotidiano do educando.

Sem perder de vista que o paradigma da época é tradicional, convém lembrar que Alfredo sugere uma aula mais dinâmica e criativa. No entanto, o procedimento metodológico da professora é outro, por isso, o aluno infere-se a angústia de ter uma aula fora do seu contexto social, por exemplo, quando lembra o seu cotidiano, como as mortes e a sujeira no Umarizal contrastando com a beleza e limpeza da Estrada de Nazaré e se pergunta o que sei de tudo isso? Que é que as professoras vão explicar  no Barão? Ou não vão saber?...] (p.214). Observa-se que o contexto social, da qual faz parte Alfredo era separado pelo muro escolar, ou seja, a obra Passagem dos Inocentes apresenta indícios de como era a aula do passado. Fica explicito que era uma aula baseada no paradigma tradicional, onde decorar datas, sem de fato entrar no significado do que se estudava e o uso da memorização se sobrepunha aos saberes do cotidiano do educando.

E hoje o que mudou na vida escolar?

Rubem alves  (1999) faz também reflexões sobre o aspecto desinteressante do ensino e constata que a escola não seduz o aluno. Ele fala [...assombra-me a incapacidade das escolas de criar sonhos.  Enquanto isso, os meios de comunicação, principalmente a televisão que conhecem melhor os caminhos dos seres humanos vão seduzindo as pessoas com seus sonhos pequenos...].

Os caminhos literários do escritor Rubem Alves e Dalcídio Jurandir, estão associados a uma impossibilidade de a escola oferecer práticas pedagógicas interessantes aos alunos. Esta situação está intimamente associada à formação do professor, também, que muitas vezes contribui para que seus alunos sejam omissos e desinteressados.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais [...A lei Federal 9.394, de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, destaca o papel importante da escola e lhe confere propostas inovadoras...] (1998), como exemplo, o paradigma da Pedagogia das Competências, fundamentada em dois eixos temáticos como a interdisciplinaridade e o uso do cotidiano no contexto escolar. Por essa proposta de ensino os alunos não devem ser moldados para reproduzir conhecimentos. Como diz Perrenoud (1999)[...é impossível avaliar competências de forma padronizada...], ou seja, a avaliação assume dimensão de acompanhamento e procura desfazer o caráter de punição tradicionalmente utilizado nas nossas escolas. O paradigma das Competências não ignora os conteúdos e propõe que a interdisciplinaridade deve ser trabalhada através das temáticas ou projetos educacionais. Nesta perspectiva, o cotidiano passa a ser fundamental para a aprendizagem.

É importante lembrar, que a obra Passagem dos Inocentes sinaliza questionamentos sobre o método educacional do século XX, pois, o método tradicional da educação já é controvertido para Dalcídio Jurandir. Na fala de Alfredo quando ele diz “que é que as professoras vão explicar no Barão”?. Ele quer explicação para os acontecimentos do dia-a-dia como: greve dos coveiros, greve das costureiras da fábrica Aliança, morte de tantas crianças na Maternidade da Santa Casa, porque morava num cheio de lama? Porque os doutores só faziam conferências em vez de acabar com as mortes dos anjos?. Enfim, essas reflexões já sugerem uma nova abordagem educacional do século passado.

Edgar Morin (2002), nos alerta [...O ser humano é a um só tempo, físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico. O ser humano é totalmente desintegrado na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível apreender o que significa o ser humano...]. Em outras palavras significa dizer que o uso do cotidiano escolar é importante na medida em que o aluno é visto como ser humano em toda sua globalidade. Diante desta afirmativa posso concluir que Alfredo é o porta-voz do aluno, mas o aluno inquieto pelo descaso social, o aluno visto como ser global, pois s inquietações educacionais de Dalcídio Jurandir são tão atuais como Edgar Morin, Perrenoud, Rubem Alves, Paulo Freire e outros.

Enfim, o cotidiano de Dalcídio Jurandir também é marcado de angústias e incertezas seja por ter sido preso no antigo Presídio São José, seja pelo desemprego por diversas vezes, contudo, contrariar todos os obstáculos como preconceito por ser pobre, negro e ser natural da Amazônia já o fazem digno e respeitado não só pelas convicções políticas como pela obra literária. E mais, Dalcídio vivencia o caos social da República e pela visão crítica de mundo que possui faz denúncias desse caos, entre eles, a educação pública vigente no século passado.




 REFERÊENCIAS

Alves, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência – o dilema da educação. SP: Loyola,1999. 11ªed.

Ginzburg, Carlo. Sinais:Raizes de um Paradigma.In:Mitos,Emblemas: Morfologia e História:trad-SP:Companhia das Letras, 1989

Jurandir, Dalcídio. Passagem dos Inocentes. Belém: Falangola, 1984

Morin, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro.Trad.SP: Cortez, 2000
Parametros Curriculares Nacionais: Mec, 1998

Perrenoud, Philippe. Construir as Competências desde a Escola: Porto Alegre: ArtMed.1999


*A autora é Professora Especialista em História do Brasil, História da Amazônia e atuando na EEEFM "Maria Gabriela Ramos de Oliveira". Texto produzido durante a especialização na Universidade da Amazônia- UNAMA, com apoio da Secretaria Estadual de Educação - Seduc, em 2005.

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