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segunda-feira, 22 de março de 2021

O MÓDULO QUE DUROU UM ANO


                                Prof. Arodinei Gaia


O ANO DE 2020, mostrou à comunidade moduleira um módulo nunca visto na história do SOME, o módulo que de cinquenta dias se prolongou por cerca de um ano.


Era o mês de março e estávamos no primeiro módulo do ano letivo. Os noticiários destacavam diariamente a existência de um vírus que havia surgido na China no final de 2019 e agora se espalhava para o mundo. Parece que para nós, viventes do interior na labuta diária, o mal não chegaria. Estamos longe dos grandes centros, “protegidos” pelo descaso de políticas públicas e invisibilidade social. Foi um lerdo engano. As políticas públicas, essas, sim, demoram a chegar, porém o vírus logo encontrou o caminho de nossas comunidades na mata amazônica do interior do Pará.


O desconhecido e aparentemente frágil vírus, mostrou sua verdadeira cara, quando no dia 18 de março veio a ordem governamental para que parássemos nossas atividades escolares. 


- É ... a coisa não é simples! É um vírus diferente, perigoso.


Mesmo assim retornamos no outro dia à comunidade para dar uma satisfação do decreto estadual. Ao nosso ver seria uns 15 dias de paralização. Foi o que muitos docentes falaram aos estudantes.


- É só por um período até que as coisas se acalmem. Acredito que umas duas semanas. Logo estamos de volta pra fazer a segunda avaliação e concluir o módulo.


Foi mais um engano. O vírus se espalhou rapidamente navegando na facilidade de locomoção da globalização. O vírus tornara-se passageiro nas viagens internacionais e logo nas nacionais, inclusive a bordo de rabetas e barcos de passageiros.


Palavras desconhecidas ou de pouco uso, logo entraram para o vocabulário popular: lockdawn, aula remota, ensino híbrido, auxílio emergencial, toque de recolher, distanciamento social, etc.


Distanciamento social?!! Como assim?! Isso é possível num país cujo povo gosta de estar junto, de se abraçar, de se acarinhar, de se amar? Foi difícil conceber uma nova reorganização social. Enfim! O covid 19, mudou nossa vida diária. Tivemos que desacostumar com o acostumado. Mudar a rotina e o mais difícil ficar quieto em casa.


O calendário escolar foi modificado, depois deixado de lado. Tivemos férias antecipada em maio, folga em junho, a ideia de recuperar os dias com aula no final de semana, e quando não havia mais desculpa para assegurar o ano letivo de 2020, veio o difícil consenso coletivo de que tudo devia parar, mesmo contrariando a normalidade. A ficha, finalmente, havia caído. Era o novo normal. 


Mudou-se também o calendário festivo. Festa junina, páscoa, círio de Nazaré, festas de padroeiro, calendário esportivo, festas de fim de ano, bailes, shows. Tudo cancelado. Só se salvou o carnaval por que antecedeu a chegada do mal. Porém, a festa da alegria, possivelmente, foi um difusor do vírus no país, pois o mal aqui já estava. Em meio a alegria o vírus também começava a fazer a festa.


O povo ficou em casa. Fora, apenas os guerreiros da Saúde, da força de segurança e trabalhadores de setores de primeira necessidade.


Ah, os guerreiros de branco, que na rotina do uso de máscaras, como verdadeiros super-heróis, não estranharam quando veio a determinação do uso, OBRIGATÓRIO, da bendita máscara e álcool 70 para toda a população. O que estranharam mesmo foi o engarrafamento de corpos nos corredores dos hospitais. Este, tão maltratado pelo inchaço, agora era congestionado de pessoas vivas e pessoas mortas.


A televisão virou nossas janelas. É de lá que vimos o mundo pelo noticiário jornalístico que ocupou a maior parte da programação diária. Dessas janelas, vieram as diversões por meio dos canais de atrações de entretenimento como filmes. Nunca se assistiu tanto filmes e séries em canais fechados. E os shows? Esses brotaram das cinzas através da LIVES diárias de artistas para todos os gostos. 


As Lives também, passaram a ser usadas de forma pedagógica pelos guerreiros da educação. Os docentes do modular fizeram várias. Aula remota, ensino híbrido, era uma tentativa, quase desesperadora, para manutenção da produção do conhecimento, ainda estava na mente as provas do Enem.  Ainda conspirávamos contra o mal, achando que tudo logo passaria de repente, da mesma maneira como começou, ‘do nada’, de repente.


Nosso contato com nossos alunos se limitou a recados, mensagens de textos e conversas pelas redes sociais com aqueles que possuem esse instrumento em casa, que a bem da verdade não é a maioria. A internet ainda é um elemento escasso e de luxo para o nosso público estudantil do campo.


Mesmo assim, não eram poucas as perguntas que chegavam:


- Quando a aula vai retornar? 


- Quando vocês vêm?


- Estou agoniada de estar em casa.


Muitos estudantes, talvez pelo isolamento dos grandes centros urbanos, não tinham noção da gravidade do momento que se estava vivendo. Sabiam que era grave, mas não imaginavam o tanto que era. Mas a maioria sabia exatamente da gravidade, pois muitos compartilharam o luto com os seus mestres, pois familiares de ambos, amigos e colegas de profissão foram vitimados pelo monstruoso vírus, outros, ainda nutrem a esperança de recuperação na cama de hospitais, muitos deles entubados.


  Os docentes do modular e regular, em campanhas coletivas ou individuais, se lançaram em ações solidárias doando alimentos e produtos de segurança contra o vírus. E assim, muitos, estão ainda hoje.


Finalmente! Véspera de terminar o ano, fomos informados do retorno em duas etapas (Etapa 1- 1º e 2º módulo e Etapa 2- 3º e 4º módulo). No mês de dezembro e janeiro os moduleiros retornaram às localidades para entregar e receber atividades que não valeriam nota, mas sim a presença do estudante. O diário fora substituído pelo relatório de atividade remota. Todos estavam aprovados.


Os alunos estranhavam esse retorno por que haviam condições e normas de segurança a serem seguidas para virem até a escola. O uso de máscara, álcool, cuidado com o distanciamento, etc. eram regras protocolares, alguns seguiam outros acabavam esquecendo tão importantes recomendações.


O primeiro módulo, agregado aos outros três, finalmente terminou quase um ano depois de ter iniciado. Pela primeira vez na história, de mais de quarenta anos de SOME, um módulo extrapolou todo o limite de desvio do que é permitido nas regras educacionais e definidas pela Lei do SOME. Tudo por causa de um vírus, que ao contrário do que alguém dizia, não era só uma gripezinha.


No ano letivo de 2021, retornamos as atividades em março, mas fomos novamente obrigados a parar. A pandemia continua. O mundo voltou ao lockdown. O número de morte no Brasil beira os 300 mil, quase 3 mil por dia, e a vacina, única solução definitiva da crise, é aplicada “no conta gotas”, o governo federal foi negligente na compra e o povo sofre as consequências. 


O país teve que parar novamente, alguns sofrem mais, como os trabalhadores autônomos e ambulantes, e não sabemos quando tudo vai terminar e voltar ao normal, se é que é possível ainda a volta do normal.


* O autor é educador do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME (SEDUC/PA)

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