Eduardo Amorim*
O debate pós-eleitoral incorpora
um tema novo, antes discutido aprofundadamente apenas em grupos restritos. A
agenda da democratização da comunicação não é nova. É fundamental para a
política, economia, cultura e a vida nas cidades brasileiras.
O grito ouvido durante o discurso
de posse da presidente Dilma Rousseff: "O povo não é bobo. Abaixo a Rede
Globo!". A fala da candidata Luciana Genro no início do debate final do
primeiro turno. O questionamento à cobertura no caso da Escola Base. E tudo que
ocorreu após a criticada edição do debate entre Collor e Lula em 1989 são
apenas as exceções que comprovam a regra. O tema é mais uma vítima do
silenciamento promovido pelas principais empresas de comunicação do Brasil.
Por isso, passadas as eleições, é
hora de fazermos uma reflexão que vá além das disputas partidárias para
entender onde podemos chegar, ou para que caminhos essa discussão pode nos
levar, diante do contexto de um Congresso Nacional com forte representação
conservadora e uma quarta gestão petista no Palácio do Planalto. Para iniciar,
uma provocação: você se lembra de um tema que sofreu censura na sua cidade em
2014? A verdade é que o silenciamento acontece diariamente, apesar da maioria
não ficar sabendo. Na crítica cultural, no jornalismo esportivo, na economia,
nas páginas de política e também em relação aos direitos urbanos.
No Recife, cito de cara o fato de
um estudante da UFPE ter sido atingido com um golpe de estrovenga na cabeça por
um funcionário público durante uma operação de higienização da cidade antes da
Copa do Mundo.Um absurdo filmado, fotografado, mas que não mereceu nenhuma
linha nos jornais pernambucanos. Por sinal, nem os mais criticados programas policiais
da TV se referiram à violência. E pouco se ouviu falar até mesmo do movimento
em que o jovem estava envolvido nas rádios pernambucanos, apesar do
#OcupeEstelita ter sido talvez o mais forte movimento de resistência urbana
durante o período do Mundial 2014 no Brasil.
A recente chacina em Belém é um
exemplo que merece bastante atenção. A situação, para um jornalista com
experiência em redações, parece ser um absurdo que mereceria estar naqueles
históricos plantões de horas ao vivo na televisão, nas manchetes de jornais de
todo o Brasil, ocupando espaço privilegiado nos portais e também nos debates de
rádio. Ao contrário, se vê uma pequena cobertura, quase que pedindo desculpa
por divulgar uma violência extrema, que aparentemente foi articulada via redes
sociais para se vingar pela morte de um policial. O fato do número de mortes
ainda não ter sido confirmado (terão sido nove ou mais vítimas?) só reforça a
importância de uma cobertura corajosa.
Após o resultado eleitoral, o
auditório que assistia à fala de posse da presidente Dilma Rousseff era formado
basicamente por partidários da candidata vitoriosa, jornalistas e integrantes
de movimentos sociais e partidos associados ao PT. Revoltados com as denúncias
sem provas feitas pela revista Veja, às vésperas das eleições mais disputadas
da nossa recente democracia, e a repercussão que deu a principal emissora de TV
do Brasil, especialmente no sábado à noite, milhões ouviram o grito contra a
Globo.
Mas, sinceramente voltarmos a
falar como se fosse só a família Marinho o problema é reduzir demais um debate
complexo. Como também é muito pouco pensar nessa questão apenas a partir do
exemplo das eleições. Temos que ter noção de que os interesses financeiros por
trás dos grupos de comunicação influenciam em todos os momentos, da vida esportiva
à cultura de uma cidade, passando também pelo campo e os pequenos municípios,
onde muitas vezes o domínio dos poucos veículos é ainda mais grosseiro.
Para aqueles que estão começando
a olhar para esse jogo agora, é preciso deixar claro que a eleição é apenas um
exemplo de como os grupos empresariais que controlam os grandes veículos de
comunicação no Brasil pautam a nossa sociedade de acordo com o interesse deles.
E para vencer a batalha para conseguir a democratização do setor, é preciso
unir forças que representam diversas matizes sociais.
É preciso entender que o
principal atingido pela manipulação da mídia não é o Governo Federal, ou
qualquer outro gestor público, mas sim a população em geral. Refém de veículos
de comunicação que têm nos anúncios sua principal fonte de renda, essas
populações veem suas demandas muitas vezes silenciadas.
Por isso, a pauta da
democratização da comunicação é das ruas. Muito antes de qualquer resultado
eleitoral, é dos movimentos que fizeram recentemente a Semana pela
Democratização da Comunicação e que lutam para construir o FNDC. Mas é também
dos ativistas da internet e das rádios comunitárias, é dos artistas e
comunicadores que ainda buscam espaço para desenvolverem seus trabalhos, mas é
preciso que toda a sociedade assuma a importância desse tema.
Os questionamentos surgidos
durante as eleições - e que foram pauta
também do ‘I Encontro dos Atingidos - Quem perde com os megaeventos e
megaempreendimentos?’ - são uma importante oportunidade para reunir pessoas que
acreditam na necessidade de lutar pelo direito à comunicação. Toda a
movimentação relacionada à demanda pela reforma política também deve casar a
democratização da comunicação.
É preciso ter foco e, ao mesmo
tempo sonhar, pois podemos ter na comunicação uma ferramenta essencial para
fazer um país mais justo.
*Eduardo Amorim é integrante do
Intervozes.
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