Total de visualizações de página

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sete palmos de terra medida




                                Valdivino da Silva Cunha *


Em que pese a extensão territorial do Brasil, da Amazônia e do Pará, em nenhum estado brasileiro se mata mais pela posse da terra do que por essas bandas, notadamente no sul e sudeste do Pará. Essa barbaridade tem suas a raízes que remonta as capitanias hereditárias, as sesmarias.

Só nos últimos 30 anos, mais de oitocentas pessoas envolvidas com a posse da terra foram assassinadas, notadamente líderes sindicais, religiosos, ambientalistas e advogados envolvidos com a causa, entre outros. O faroeste é aqui.

Dia 24/05/2011, foi a vez de José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo que tombaram sobre os projeteis de revolveres calibre 38 e de espingarda cartucheira. Eles eram do Assentamento Agroextrativista Praialta, a 40 km da cidade de Nova Ipixuna-Pa. O crime que por suas características indicam, foi por encomenda, a mando de fazendeiros ou madeireiros cruéis, muito comum por essas bandas do Pará. O cenário já é conhecido: uma emboscada a beira de um ramal ou na própria casa do posseiro ou defensor da floresta.

Os assassinatos geralmente são praticados por pistoleiros de aluguel, encapuzados ou não, geralmente em dupla. Usam como instrumento de fuga uma moto e muitas vezes levam uma parte do corpo do assassinado (orelha) como foi o caso agora do casal, como prova de que o crime foi de fato consumado e receber o pagamento pela empreitada. O dinheiro que é pago aos pistoleiros vem de consórcios feitos entre madeireiros, fazendeiros, grileiros. Essa modalidade de crimes tem até tabela. Ela varia de preço dependendo da importância de quem será executado. Um bispo de projeção nacional tem um valor mais elevado do que um sindicalista local por exemplo, mas todos tombam impiedosamente

Grande parte dos crimes envolvendo a questão da terra, especialmente no Pará, são crimes anunciados, que tem todo um ritual, etapas. Primeiro tem o conflito direto pela posse propriamente dita. Numa ponta tem o posseiro que faz da terra seu instrumento de trabalho e sobrevivência, já que é uma das poucas coisas que sabe fazer, que é cuidar da terra. Na outra ponta tem quase sempre um grileiro, um fazendeiro, um madeireiro. Em seguida vêm as ameaças, a queima de barracos, a expulsão com violência. Se o conflito não for resolvido (a força) os personagens aqui citados (posseiros) passam a fazer parte de uma listagem dos marcados pra morrer(eles, o casal José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo estavam nesta listagem e nada foi feito para garantir-lhes o sagrado direito a vida) . Finalmente vem a consumação dos crimes. Em Seguida vem as determinações de autoridades coniventes para que os crimes sejam apurados e a impunidade continua. Ninguém precisa ser jurista para saber que a impunidade é a mãe incentivadora do crime.

Os dados apontam que menos de dez por cento dos crimes envolvendo questões de terras no Pará foram julgados. Por trás de todos esses crimes, existem mandantes e pouquíssimos estão presos e por isso mesmo a grilagem (falsificação de documentos) continua. A grilagem é tão escancarada que só de terras griladas no estado do Pará, existe o equivalente a quatro estados do tamanho do Pará. Um absurdo, uma afronta ao estado de direito.

Como é público e notório, no Pará existe a “profissão” de pistoleiro, só falta-lhes as autoridades assinarem suas carteiras com garantia dos direitos trabalhista. 

Um fato é curioso: nessa luta desigual, os mortos são sempre os mais fracos. Do jeito que coisa vai, corre-se o risco de termos aqui a política do olho por olho, dente por dente.


* O autor é sociólogo e professor da rede pública estadual das disciplina Estudos Amazônicos e Sociologia (valdivinocunha@yahoo.com.br)

Nenhum comentário:

Postar um comentário