Fernando Capez
Vivemos nos dias de hoje uma crise geral. Fala-se em crise nos órgãos de segurança pública, no sistema penitenciário, no Direito Penal, na Febem, sempre desconsiderando o fato de que todo esse estado de coisas é um reflexo da crise da sociedade em seus mais amplos espectros.
A trajetória de violência que vem se desenvolvendo em nosso país é produto de uma das mais graves crises: a da educação, pedra angular da formação dos indivíduos e do Estado Democrático de Direito. Quando esse segmento da atividade humana fracassa, não há política de segurança pública que possa conter a onda de criminalidade.
Sem as normas educacionais, morais e religiosas, que atuam na formação e na inibição do indivíduo para a prática de crimes, dificilmente o Estado conseguirá conter a criminalidade. A sociedade desorganizada e deseducada continuará sendo uma “fábrica” de criminosos, e o Estado, na mesma proporção, continuará despendendo dinheiro público para conter tais criminosos.
É um grande círculo vicioso que só a educação poderá romper. No entanto, há anos o Poder Público atua com descaso na formação dos indivíduos. Muitas vezes as escolas construídas são verdadeiras mega-estruturas, como os CEUs, mas não contém o que realmente importa: condições para a formação do indivíduo como cidadão, isto é, como indivíduo construtor de sua trajetória individual e social. Sendo assim, o Estado Democrático de Direito, sem cidadãos formadores de opinião, participativos e conscientes, é uma verdadeira falácia.
O Poder Público se esquece que a formação do cidadão não se resume à construção escolas e à inserção dos menores nessa estrutura. Até porque a maior parte desses menores advém de ambiente familiar nocivo, onde imperam maus-tratos, drogas e álcool. E que é pior: os próprios menores já se encontram num quadro de alcoolismo e de dependência química.
Infelizmente, as escolas não têm estrutura nem um projeto para a fixação desses indivíduos nos bancos escolares. Mas como fixar as crianças e adolescentes nas escolas? Como fazer para que permaneçam nos bancos escolares sem que seja em troca de merenda escolar? Como estimular esses indivíduos para que o estudo seja um desafio em suas vidas?
Como podemos, ao lado da formação educacional, tratá-los psicologicamente, para que as frustrações pessoais não desencadeiem processos auto-destrutivos que levam às drogas, à bebida e ao crime? E como tratar aqueles que já se encontram nesse quadro?
Podemos fazer algumas constatações a respeito da atual crise no sistema educacional:
• Está havendo a politização da educação em detrimento de uma política educacional;
• A preocupação política reside em disponibilizar verbas sem ao menos ter uma proposta clara de Projeto Educacional;
• As tentativas feitas até então se distanciam da busca da reconstrução do indivíduo como cidadão crítico, criativo e participativo;
• O Estado buscou a universalização do ensino, a sua democratização através da construção de escolas, mas isso não implicou necessariamente na manutenção do indivíduo nos bancos escolares;
• Uma política educacional não se resume tão somente em verbas destinadas a cobrir as deficiências; ultrapassa esse plano, pois envolve pessoas com suas potencialidades e papéis a desempenhar na sociedade, que por alguns fatores de ordem social, econômica, cultural e educacional estão sendo desvirtuados das finalidades consubstanciadas nos proponentes da educação como processo formativo e informativo;
• É preciso que as autoridades tomem consciência da importância de se investir na educação como uma das formas mais relevantes de formação de cidadania no que diz respeito ao seu compromisso social, onde o indivíduo possa aprender a atuar conforme os padrões morais, éticos e legais, canalizando toda a sua potencialidade de forma transformadora.
Podemos concluir que:
• É preciso que se opere uma transformação do papel do professor como agente de mudança para as novas gerações. O professor é a pedra angular do projeto de transformação do indivíduo;
• É necessário encontrar formas de manter o vínculo do menor com os bancos escolares;
• Para que isso se dê, são necessários projetos em parceria, em que os esforços do Estado vão ao encontro dos da sociedade, destacando o papel das universidades, associações e fundações como mediadores nessa integração do sujeito em formação. Precisamos de um Projeto de Reconstrução da Cidadania;
• Há também a necessidade da instituição da escola em tempo integral, na qual se trabalha o aprimoramento da educação da criança nos aspectos físico, psíquico, intelectual e de socialização, onde haja uma grade de aulas diversificada, que inclua não só matérias curriculares, mas também extracurriculares, como artes, aulas de ballet, karatê, capoeira, artesanato, jogos intelectuais, xadrez, higiene pessoal, musicalização, formação humana, oratória para crianças, línguas estrangeiras, artes, literatura infantil, esportes, educação ambiental, entre outros;
• Ao lado disso, o Poder Público deve assegurar atendimentos por psicólogos e assistentes sociais a alunos das escolas públicas de educação básica que deles necessitarem;
• É preciso, enfim, ter em mente que a auto-estima do sujeito está vinculada à sua capacidade de percepção e consciência enquanto indivíduo autor e construtor de seu próprio projeto de vida. Quando se perde esse sentido, desencadeiam-se processos que o levam à sua própria autodestruição, levando às drogas, ao álcool e à violência. È fundamental despertar para o acompanhamento, tanto do ponto de vista da prevenção como do resgate da pessoa por meio da educação.
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