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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

SALA DE AULA: UM PROJETO PEDAGÓGICO DE VIDA (Peça Teatral): Parte VI

 



                                          Carlos Alberto T. Prestes



CENA 6

 

PERSONAGENS:

PROFESSORES(AS): Salomão e Ivani

ALUNOS(AS): Ana Cristina, Darinez, Carlos, Cleidiane, Nara

A escola Paulo Freire havia matriculado muitos estudantes no ano de 2002. As salas de aula estavam com cerca de trinta e cinco alunos por turma, principalmente, no horário da manhã. No último horário da manhã de quinta-feira, o professor Salomão e a professora Ivani entram juntos na sala de aula da turma A – 708, dos alunos do 8º ano.

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PROFESSOR SALOMÃO: 

Bom dia, pessoal! Esta é a professora Ivani que vocês todos já conhecem.

PROFESSORA IVANI: 

Oi, tudo bem turma?

ALUNOS: 

Tudo bem, professora.

PROFESSOR SALOMÃO: 

Bem, vocês sabem o que é um estereótipo?

ALUNOS: 

Não!

NARA (ALUNA): 

Essa é uma palavra bem complicada até pra gente falar, professor. Imagina saber o significado.

PROFESSOR SALOMÃO: 

Pois é, Nara. Mas dizemos que algo é estereotipado quando é reproduzido fielmente, um chavão, que se torna comum. Por exemplo, nas novelas, até hoje, geralmente, quem faz o papel de empregada doméstica é a mulher negra, não é?

CARLOS (ALUNO): 

É verdade, professor. Naquela novela Mulheres apaixonadas, a Zilda era uma empregada doméstica negra e de família pobre, e que trabalhava para uma família de pessoas brancas e bem de vida.

NARA: 

Mas na novela Êta mundo bom, que é uma novela antiga, dos tempos do meu bisavô, tem empregada negra e empregada branca. Na fazenda, no interior de São Paulo, tem duas empregadas negras, tia e sobrinha. A sobrinha engravida do filho da dona da fazenda, mas todos tem jeito de matuto, gente do interior que não tá acostumada na cidade grande. Na cidade grande, em São Paulo, tem duas empregadas que trabalham na mansão de dona Anastácia, uma senhora muito rica, dona de uma grande fábrica de sabonetes. Uma das empregadas, dona Quitéria, é uma senhora negra e cinquentona; a outra é branca e jovem, deve ter uns vinte e cinco anos. Essa empregada nova, a Maria, era filha de gente bem de vida. O pai era dono de uma loja de tecidos para confecção de roupas e metido a moralista, mas só na aparência, pois ele vivia se encontrando com uma moça da vida que trabalhava num lugar onde se dançava toda noite. Um dia, ela, a Maria, engravidou do namorado, o namorado morreu e o pai, quando soube, expulsou ela de sua casa. Foi assim que ela acabou indo trabalhar na casa de dona Anastácia. Simplesmente por um capricho do destino. É diferente da história da outra empregada negra, que já está idosa, mas continua trabalhando em casa de família.

PROFESSOR SALOMÃO: 

Analisas-te bem, Nara. Realmente, há um abismo muito grande entre a história de Maria e da empregada negra. Maria só se tornou empregada doméstica, porque engravidou do namorado, ele morreu, ela virou mãe solteira e acabou sendo expulsa da casa de seus pais. Como é uma novela de época, os costumes eram mais rígidos, e as famílias não aceitavam que uma filha fosse mãe solteira. Era uma desonra para eles. Hoje em dia, as coisas não são bem assim. Tem muita mocinha adolescente engravidando cedo.

CLEIDIANE (ALUNA): 

Tá bom, professor. Agora é a minha vez. Por que a bruxa dos contos de fadas tem que ser sempre uma velha, cheia de verrugas e com narigão? Não podia ser uma mulher nova, bonita, uma princesa?

PROFESSOR SALOMÃO: 

Vocês estão vendo? Isso tudo que vocês falaram sobre os personagens de novelas e contos de fadas, são estereótipos. É sobre essas coisas que aparecem sempre nas historinhas imaginárias, ou mesmo na vida real, que nós temos que parar para refletir. Por que personagens de cor branca se sobressaem aos de cor negra? Por que as pessoas de pele branca ocupam sempre as melhores posições na escala social? Por que personagens considerados feios são sempre os vilões das histórias, e os de rosto bonito, os heróis por quem as mocinhas sempre se apaixonam? Muitos livros de literatura infantil ajudam a reforçar preconceitos. Temos que ficar atentos para isso e não discriminar as pessoas pela sua cor ou beleza física.

PROFESSORA IVANI: 

Vocês já repararam que nos contos de fadas as mocinhas sempre são brancas e magras? E nunca são gordinhas?

NARA (ALUNA): 

Sim, professora! A Branca de neve, que é princesa e muito bonita, e tem uma madrasta má que quer que ela morra. A pele dela é clara como a neve. Por isso o nome “Branca de neve”.

PROFESSORA IVANI: 

No romance O Corcunda de Notre Dame que ficou famoso quando virou filme, o corcunda Quasímodo, feio, deformado, assustador e rejeitado pela sociedade, nutre um sentimento platônico pela bela jovem cigana Esmeralda, uma das protagonistas da história. A história gira em torno deles dois e da catedral de Notre Dame, em Paris. Uma tragédia anunciada.

PROFESSOR SALOMÃO: 

Pois é pessoal. Temos que tomar muito cuidado com as historinhas que contamos, pois muitas vezes, elas passam uma cultura que não é nossa. Uma cultura de gente branca, de pensamento branco, cultura colonizadora, de dominação sobre as demais raças.

PROFESSORA IVANI: 

Olha só, gente! Quantas cores de peles diferentes nós temos aqui? Alguém sabe dizer?

CLEIDIANE (ALUNA): 

Umas três, professora!

PROFESSORA IVANI: 

E você sabe apontar elas?

CLEIDIANE (ALUNA): 

Ah, ah, ah! Nós temos a cor negra, a cor amarela e a cor branca, que é a do Carlos e do Sérgio. O professor Salomão tá entre o branco e o moreno. É um moreno claro.

PROFESSOR SALOMÃO: 

Eu sou moreno claro? Rapaz, eu não tinha reparado nisso ainda. Quer dizer que eu nem tenho uma cor definida?

PROFESSORA IVANI: 

É o seguinte, gente: vocês gostam de ouvir histórias, não gostam?

ALUNOS: 

Gostamos!

PROFESSORA IVANI: 

Então, eu vou passar uma atividade pra vocês, e depois o professor Salomão passará outra.

DARINEZ (ALUNA): 

E o que nós vamos fazer?

PROFESSORA IVANI: 

Bem, eu vou dar um texto pra vocês. Só que esse texto tem apenas o título A menina e seu gato, e uma imagem, mais nada. Não tem nada escrito, vocês não vão ler nada. Vocês vão apenas observar a imagem de uma pintura.

(A professora distribui os textos aos alunos)

PROFESSORA IVANI:

Observaram bem a imagem?

ALUNOS:

Observamos.

PROFESSORA IVANI:

Então, agora vocês vão responder às seguintes perguntas: 1) Qual animal aparece nesse quadro?

ALUNOS:

Um gato.

PROFESSORA IVANI: 

Que nome vocês dariam ao gato e à menina?

ALUNOS: (Várias respostas).

ANA CRISTINA (ALUNA): 

Eu chamaria ela de Sônia e ele de dengoso, porque ela tem uma cara de sono e ele nem precisa dizer.

NARA (ALUNA): 

Eu chamaria ela de Núbia e ele de Bichano.

PROFESSORA IVANI: 

E por quê?

NARA (ALUNA):

Ah, professora! Porque a Núbia é minha prima, e ela é super-romântica. E Bichano é porque todo gato a gente chama de bichano.

PROFESSORA IVANI: 

Muito bem, agora digam: que sensação o rosto da menina transmite a vocês?

ANA CRISTINA (ALUNA): 

Eu acho que transmite calma e também tristeza.

DARINEZ (ALUNA): 

Parece que ela está triste e o gato feliz.

PROFESSORA IVANI: 

Se vocês aparecessem com um gato em casa, qual, vocês acham, seria a reação de seus familiares? E porquê?

ANA CRISTINA (ALUNA): 

Eu acho que todo mundo iria gostar lá em casa. Eles adoram gatos, principalmente siameses.

CLEIDIANE (ALUNA): 

Lá em casa a mamãe gosta, mas o papai não gosta muito não. Ele diz que o gato vive subindo na mesa, que fica deitando no sofá, e deixa pelo por todo lado.

CARLOS (ALUNO): 

Lá em casa, a gente gosta mais de cachorro. Nós temos três: a Princesa, que é a mais velha, o Prince, que foi achado na rua pelo meu irmão, e o Marrom ou Sebastian, que é filho da Princesa com o Prince. Eles têm uma mistura de vira-lata com outra raça.

DARINEZ (ALUNA): 

O papai tem um pastor alemão. O nome dele é Quebra Ferro. Ele passa a maior parte do tempo no quintal, já que ele é muito grande. Mas, de vez em quando, o papai vai passear com ele na rua.

NARA (ALUNA):

Se eu aparecesse com um gato lá em casa, a minha mãe iria me mandar deixar de volta aonde eu o encontrei, na mesma hora. A minha irmã tem problemas de alergia, e, por isso, gato nem pensar em casa. Aliás, nenhuma espécie de animal que tenha pelos.

PROFESSORA IVANI: 

Muito bem. Bom, agora o professor Salomão vai trabalhar outro texto com vocês.

PROFESSOR SALOMÃO:

Bem, pessoal, o texto que nós vamos trabalhar chama-se O peixinho. É o mesmo texto que o professor Inácio passou outro dia pra vocês, lembram?

ALUNOS:

Sim!

PROFESSOR SALOMÃO: 

Bem, como alguns alunos me falaram que o professor Inácio usou o texto voltado para o ensino da gramática, nós vamos usar o texto para interpretar, refletir, construir, enfim, para aprender a gostar dele, entende-lo.

CARLOS (ALUNO): 

Não vamos separar em sílabas, professor?

PROFESSOR SALOMÃO: 

Não, nós vamos recriar a história. Leiam o título e o texto com atenção, depois falem sobre o que os personagens conversam.

PAUSA: (Os alunos debatem)

PROFESSORA IVANI: 

Vocês acham que o que aconteceu na historinha, pode acontecer na vida real? Por quê?

CARLOS (ALUNO): 

Pode sim, porque a Thaís, minha amiga da 6ª série, me disse que, quando ela viaja com a mãe dela pra Muaná, ela vê os passageiros jogarem lata de cerveja e refrigerante no rio, durante a viagem. E resto de comida, saco plástico, canudinho de plástico também.

DARINEZ (ALUNA): 

E lá no Ver-o-Peso, quando o rio tá seco, a gente só vê lixo e urubu. Minha família é da Ilha do Combu, do outro lado de Belém, mas, por lá, a comunidade tenta preservar o meio ambiente.

ANA CRISTINA (ALUNA): 

É verdade, professora! A senhora já foi no Ver-o-Peso fazer compras? Naquela parte, na beira do rio, aonde os barcos ancoram, é um fedor insuportável. Por ali andam papudinhos, trombadinhas, maconheiros, trabalhadores, tudo misturado. A questão não é o que as pessoas são. É o que elas fazem. Elas sujam e poluem o ambiente. E não são só os pobres miseráveis sem cultura não, professora! Os cultos, de família bem de vida, também fazem a mesma coisa.

PROFESSORA IVANI: 

E o que vocês acham que podemos fazer pra mudar isso?

ANA CRISTINA: 

Podemos falar com as crianças da escola. Todas têm família. A gente fala pra elas do cuidado com o meio ambiente, pra não jogar lixo na rua, e elas falam pros seus pais. Não é uma boa ideia?

PROFESSORA IVANI: 

É sim, Ana Cristina.

DARINEZ (ALUNA): 

Podemos também fazer cartazes com cartolina e pregar no muro da escola, pra todo mundo ver.

PROFESSORA IVANI: 

Também é uma boa ideia, Darinez. Vocês são muito criativas. Acho que podemos juntar as duas sugestões com outras e, começaremos, pelo menos, um movimento de conscientização entre escola e famílias, cujos filhos estudam em nossa escola.

PROFESSOR SALOMÃO: 

É um bom começo. E é por aí mesmo que temos que começar: pelas famílias dos alunos. São eles, nossos alunos, que vão levar a informação sobre os cuidados que devemos ter com o meio ambiente, para as suas famílias. Podemos usar isso, inclusive, como atividade extraclasse. Vamos pôr em prática o Aprender fazendo.

PAUSA: Toca a campainha.

PROFESSOR SALOMÃO: 

Bem, turma, na próxima aula, continuaremos este assunto. Tchau.

 

 

FIM DA SEXTA CENA




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