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domingo, 6 de fevereiro de 2011

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES

                                                  
                                                                                                      Valdivino da Silva Cunha*

Tomei emprestado o título acima de uma música que muito provavelmente você já ouviu na voz de Geraldo Vandré. Por mais que o título seja sugestivo, não tenho nada contra as flores, até gosto delas, exceto aquelas que ficam em cima dos mortos, como se não fossem flores, essas até me assustam. Explico por que. Foi assim: eu estava num velório, aliás, eu e um punhado de gente, porque ficar só eu, o defunto e as flores, você há de concordar comigo, não é o melhor programa.


Como eu ia dizendo, eu estava num velório, já próximo da meia-noite, as pessoas cansadas, tristes e um silêncio tenebroso tomava conta do ambiente naquele momento. De repente, assim quase do nada, algo forte e repentino bateu sobre os meus olhos. Por alguns segundos perdi a visão, cobrir o rosto com as mãos, vi estrelas, senti medo.

- Medo de quem?

- Do defunto oras bolas! De quem mais poderia ser?

Por alguns milésimos de segundos, empalideci, as mãos gelaram e as pernas tremeram. Talvez até me chamem de frouxo, de medroso, mas aquele lá era o momento de flores baterem em meu rosto soprado pelo vento?

Refiz-me do susto. Não teve nada a ver com o defunto, ele não se mexera, ainda bem, pois se isso tivesse acontecido, sei muito bem do limite de minha coragem, as paredes que me cercavam por todos os lados, seriam transponíveis num piscar de olhos. A funerária assim como paga gente pra cuidar de defuntos, que pagasse também um pedreiro no dia seguinte pra tapar o buraco da parede, feito por mim.

Do susto refiz-me, mas não do cheiro. Você há de me perguntar:

-Cheiro do defunto?

- Claro que não, quem disse que defunto cheira?

Estou me referindo ao cheiro das flores, não daquelas que exalam seus perfumes nos campos e nos jardins, que a gente sente a milhares de metros de distância, esse cheiro sim, a gente quer que a mulher amada sinta, mas não foi esse perfume que ficou impregnado em minha roupa. O perfume era de flores, é bem verdade, mas de flores mortas. Aí meu olfato associou: flores-defuntas, defuntas-flores. Se eu tivesse a capacidade de produzir aquela essência, não venderia uma gota se quer. Você me compraria um perfumezinho desses?. Acho que não, a não ser que você já tivesse batido as botas pra usar lá no, lá no, no.......deixa isso pra lá. No máximo esse perfume seria utilizado num cenário de filme de terror. Frankstein seria um cliente em potencial.

As flores que estavam postas sobre o defunto, já estavam murchas, daí resolvi comprar alguns ramalhetes, num local um pouco distante dali que era aberto 24 horas.

As flores de uma maneira geral são lindas, não lindas de morrer como exageram alguns, lindas de viver. Têm as vermelhas, as brancas as amarelas e as roxas. Essa última não sabe por que, sempre me deixam de pé atrás. Adentrei no estabelecimento onde elas são vendidas e ninguém veio me receber de imediato como fazem quase todos os vendedores quando um cliente chega. Era um lugar não muito convencional, diferente, uma ornamentação esquisita, cara de velório. Como ninguém apareceu pra saber que flores eu queria, perguntei ao vento:

- Tem flores?

Era uma pergunta meio óbvia, mas o que eu iria perguntar se não fosse aquilo mesmo? O som ecoou estabelecimento adentro. Passado certo tempo, uma voz trêmula, grossa e cansada respondeu:

- Só rooooooooooooooooooooooooooooooooooooxa(cor roxa).

Quase caio de costa, tamanho o susto. O pior é que ouvi a voz e não vi a pessoa (ou a coisa). Parecia voz do além, assombrosa. Pensei com meus botões: eu vou dá o fora, o defunto que me perdoe às flores que se danem. Comecei a dar passos de marcha-à-ré, feito caranguejo, sem fazer barulho. Pretendia sair de fininho quando de repente uma mão grande e gelada pega em meu ombro, por trás e me pergunta:

- Posso ajudar?

Podia sim, pensei, e uma boa ajuda, seria acender as luzes daquele estabelecimento, porque já era tarde da noite, faltava uma melhor visibilidade. Podia muito bem abrir a porta, deixar-me passar e desejar-me boa noite e assim liberava minha carreira, se pernas eu tivesse, ganharia Robson Caetano, velocista olímpico brasileiro dos cem metros rasos. Correr, correr, correr, era tudo que eu queria naquele momento, nada mais.

Pensei em encarar, aquela coisa que tocava meus ombros, mas, cadê a coragem? Jamais imaginei que um simples comprar de flores fosse me trazer tantos transtornos. Se eu adivinhasse, não teria saído do velório, teria deixado o sol raiar, era mais seguro, menos tenebroso. De repente me veio um pensamento: será que o defunto me seguira? Não, não poderia ser verdade aquele pensamento, afinal, defunto não anda, aliás, ele pode até andar, se for levado, carregado num caixão, mas eu não o trouxera, jamais faria isso, corajoso como sou.

Por mais que aquela mão gelada parecesse com a mão de um defunto que já morrera há bastante tempo, tinha a esperança de que de fato não fosse um defunto, pois se fosse mesmo, a partir daquele momento seriam dois defuntos e no meu certidão de óbito constaria como causa mortis: medo.

Não desejo essa situação a você e nem a ninguém, aliás, desejaria sim, ao meu pior inimigo, se eu tivesse, ele que se danasse com aquela situação. Ele que comprasse a flores, de preferência as roxas, que ganhasse um abraço daqueles braços gelados. Confesso que desejei muito ser criança naquele momento, naquela situação. Você há de me perguntar

- Por que criança?

- Ora por que.

Se criança eu fosse, daria um grito pedindo socorro que todo o quarteirão ouviria e ninguém debocharia de minha cara depois, pelo fato de eu ser criança, exceto alguns moleques, desses travessos, que não deixam passar nada, nada mesmo. Mas eu com essa idade, venhamos e convenhamos não dar pra pedir socorro por qualquer situação, não pega bem, ainda mais numa floricultura. Se fosse num cemitério, depois das “doze badaladas noturnas”, num beco escuro, vá lá, até era compreensiva, mas ali não, era o mesmo que assinar e datar um documento afirmando: sou medroso.


Quero deixar claro uma coisas aqui: Eu não tenho medo de flores, desde que elas não estejam sobre um defunto e que também não sejam roooooooxas!

         * Professor de Sociologia do Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME)    da
 
 Secretaria Estadual de Educação (SEDUC-PA).
 
          Gostaria de agradecer a colaboração do companheiro Vadivino da Silva Cunha pela  sua belíssima

  crônica. E você leitor, que tem textos para publicações, mande para j.lira.oliveira@uol.com.br
 
Um feliz domingo.

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