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domingo, 26 de janeiro de 2020
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
segunda-feira, 13 de janeiro de 2020
VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS NO S.O.M.E.: desafios, aprendizados e superações
* Raimundo do Rosário
A educação escolar paraense
(formação de 2º e 3º graus), até a década de 1980, estava concentrada na
capital – Belém. Assim, se alguém de outros municípios, desejasse continuar os
seus estudos, teria que mudar-se para a capital do Estado. Essa condição
forçava muitas pessoas desistirem de prolongar os seus estudos, sobretudo por
não terem como se instalar e se manter na cidade - grande.
O desenho demográfico
paraense crescia de modo vertiginoso e desordenado, com o advento do movimento
migratório ora programático e falho - criado pelo governo federal; ora
espontâneo e autônomo, para diversas mesorregiões do Pará, contribuindo para o
aumento dos conflitos agrários no campo. À medida em que se organizavam vários
povoados e currutelas, surgia a necessidade da construção de infraestruturas
urbanas, que mais adiante contribuiriam para a criação de novos
municípios.
O Sistema de Organização
Modular de Ensino – SOME, surge como uma proposta emergencial de Educação Pública, para
atender demandas de estudantes existentes nos municípios. Do ponto de vista
pedagógico, o seu perfil identitário se coaduna com a Pedagogia da Alternância, porque em linhas gerais, o
seu perfil de atuação, se coaduna com
processo ensino-aprendizagem construído
a partir da realidade do meio
sociocultural discente, projetando-se para dimensões regionais, nacional e global,
pautado em uma linha filosófico-pedagógica crítico – reflexiva e progressista,
e portanto, contribuindo para a formação de atores sociais ativos e
transformadores qualitativos da sua realidade. Além de que, a formação discente
no seu locus, contribui para que o mesmo continue na sua terra de origem, e
participe do desenvolvimento daquela.
Coube a Fundação
Educacional do Pará – FEP, em 1980, sob a coordenação do educador Manoel
Moutinho, criar uma equipe interdisciplinar de técnicos em educação e docentes,
construir, e dar os primeiros passos na aplicação do SOME, em municípios
relativamente próximos a Belém. Após o primeiro ano da experiência-piloto ter
sido positiva, nos anos posteriores cresceu a solicitação para que o SOME se
instalasse em tantos outros municípios. E como o escopo acadêmico da FEP era o
3º grau, o Projeto SOME foi transferido para a responsabilidade da Secretaria
de Estado de Educação e Cultura – SEDUC, salvo engano, a partir de 1983.
Minhas Vivências Profissionais
no SOME
Utilizarei a primeira
pessoa do singular para fazer este relato, e como metodologia, utilizo a
história de vida.
Recém graduado em
Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Pará – UFPA, em 1986 e
desempregado, encontrei na página de Classificados do Jornal A Província do
Pará, um anúncio pequeno e discreto, que comunicava o cadastramento de
professores que desejassem dar aulas no interior do estado, via Sistema
Modular. Não hesitei e de imediato, procurei o Departamento de Ensino de 2º
Grau, da SEDUC, na Rodovia Augusto Montenegro. Ouvi detalhes da proposta de
trabalho e fiquei interessado, mesmo porque a remuneração era boa. Fiz meu
cadastro e fiquei aguardando ser convocado.
Uma semana depois, fui
convocado para fazer um treinamento sob a coordenação da equipe pedagógica do
SOME, nas instalações do então Colégio Lauro Sodré, na Avenida Almirante
Barroso. Fiquei entusiasmado com a proposta do trabalho e sobretudo porque
trabalharíamos em quatro localidades distintas, em forma de rodízio, durante um
ano letivo.
Para facilitar a minha
vivência profissional no SOME, divido-a em três momentos ou fases. O primeiro momento eu chamo de Fase Áurea (de
1980 a 1989); o segundo, denomino como Fase de Expansionismo Acelerado (de 1990
a 1999); e o terceiro momento, chamo de Fase de Contingenciamento Estrutural e
de Incertezas (a partir de 2000 aos dias atuais).
#
1º Momento: Fase Áurea (de 1980 a
1989).
O meu ingresso no Sistema Modular
de Ensino se deu em um contexto conjuntural peculiar daquela época. Senão
vejamos:
a)
Em nível global, o Estado do Bem-estar Social já
cumprira o seu papel de restaurador econômico-financeiro do epicentro
capitalista. E o Toyotismo se apresentava como o novo paradigma produtivo
capitalista. O Estado Neoliberal (articulado por Ronald Reagan e Margareth
Tatcher), se apresenta como modelador geopolítico pragmático para atender as
demandas estruturais da nova ordem mundial emergente, cujas medidas viriam se
refletir no cotidiano brasileiro nos próximos anos;
b)
Em nível nacional, vivenciávamos a transição
política do regime de exceção para o regime democrático; pois, do ponto de
vista institucional estávamos saindo do regime militar;
c)
O Brasil era regido por uma Constituição Federal
encomendada pelo Presidente Artur da Costa e Silva, ajustada pelo Congresso Nacional,
outorgada em 1967 e que foi reformada em 1969;
d)
José Sarney assumira a Presidência da República em caráter excepcional, em
março de 1985, face a morte de Tancredo Neves; tendo sido este o último
presidente da República eleito de modo indireto, pelo colégio eleitoral, com
mandato de seis anos;
e)
O Sistema Educacional Brasileiro – SEB era regido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB nº 5.692/71;
f)
Com a redemocratização do país, Jáder Barbalho – apoiado pelo ex governador dissidente do regime militar -
Alacid Nunes, se elegeu para este cargo, em 1982. A partir do governo
jaderista, o Sistema de Organização Modular de Ensino, não só paulatinamente se
expandiria, como também se consolidaria enquanto proposta educativa alternativa
e eficaz;
g)
Portanto, pelo prestígio adquirido, o SOME tornou-se moeda de troca concernente
as relações de poder, dominação e prestígio, entre os grupos políticos e
empresariais municipais, e o governo do Estado. E que tal constatação
influenciaria negativamente na estrutura logística e operacional do SOME,
posteriormente.
Após oito dias de
intensivo treinamento sobre a dinâmica operacional do SOME, eu e cerca de
quarenta e oito (48) docentes - sem saber - fomos avaliados de diversas formas
(escrita, oral e sensoriais). Ao termos sido selecionados, fomos indicados para
sermos contratados como serviços prestados, para atuar como professores nas
diversas habilitações profissionais que o SOME ofertava para os municípios (Técnico
em Administração, Contabilidade e Curso de Magistério).
Fui indicado para
atuar no Curso de Formação em Magistério para professores de 1ª a 4ª séries do
ensino de 1º grau, para lecionar a disciplina Fundamentos da Educação II, cujo
conteúdo programático compunha-se de Filosofia, História e Sociologia da
Educação, com três horas/aula por turma em uma semana. Fui destacado para atuar no circuito formado pelos municípios de Portel, Irituia, Oeiras do Pará
e Limoeiro do Ajuru. E após ter sido
apresentado aos meus colegas de equipe de minha disciplina-mãe, passamos a
planejar o ano letivo de 1987. A nossa equipe docente era composta por
Sociólogos e Filósofos, que naquele ano foi composta pelos seguintes professores: Agostinho Araújo, Carlos Lima,
Estelita Pantoja, Jerônimo Cruz, Lúcia Melo, Raimundo do Rosário e Sílvia
Lemos.
O entrosamento com os
colegas veteranos da equipe de Fundamentos da Educação II, com a equipe técnica
do Departamento de Ensino de 2º Grau – DESG, e com a Equipe de Coordenação do
SOME, foi rápido pois, todo mundo estava focado no trabalho a ser desenvolvido
nas localidades para as quais viajaríamos. Essa empatia tinha um forte motivo
para acontecer porque a Diretoria de Ensino – DEN, foi assumida por uma educadora
que fizera parte da equipe que criara o Sistema Modular, na FEP, a Pedagoga
Aldalice Wotherloo. Já o DESG foi
assumido pela sua assessora direta, a Pedagoga Albene Lis Monteiro.
Por isso, o DESG em
conjunto com a Coordenação do SOME trabalhavam com afinco no sentido de dar o
suporte necessário para os professores viajarem, com todas as condições
possíveis, no desempenho de seus trabalhos. E isso era evidente diante da
estratégia de gestão e da logística que fora criado para o funcionamento
qualitativo do SOME, pois:
a)
A simetria administrativa entre a DEN, DESG e
Coordenação do SOME facilitava, sobremaneira, a retroalimentação de recursos de
toda a ordem para o funcionamento do Projeto;
b)
Compra de passagens aéreas (ida e volta), para
localidades distantes e ou de difícil acesso;
c)
Criação no DESG, de um acervo bibliográfico e de
recursos tecnológicos para subsidiar as atividades educativas dos professores.
Esse acervo podia ser emprestado por tempo determinado;
d)
O DESG dispunha de uma equipe interdisciplinar
de professores, que orientavam e auxiliavam pedagogicamente os docentes do
Módulo, nas suas respectivas disciplinas;
e)
A Coordenação do SOME possuía uma equipe técnica
que, todo ano fazia uma assessoria nos municípios, no sentido de verificar como
as equipes de professores do Módulo tinha trabalhado. Entretanto, essa visita
técnica poderia ser excepcional, caso houvesse algum problema nesse ou naquele
município. Caso o problema não fosse resolvido com a visita técnica, o mesmo
era transferido para ser analisado pela Coordenação do SOME, em Belém;
f)
O Sistema Modular de Ensino só funcionava nos
municípios, mediante a celebração de um convênio entre a Governo do Estado,
representado pela SEDUC e o Município solicitante. Nesse convênio, a SEDUC
entrava com o corpo docente, vencimentos e ajuda de custo para cada professor.
Já o município entrava com uma casa digna para os professores se alojarem; uma
funcionária para cuidar da manutenção da casa; alimentação e, eventualmente a
cedência ou o ressarcimento de passagens rodoviárias e/ou fluvial. De modo que,
financeiramente, compensava trabalhar no Sistema Modular;
g)
Cada equipe docente do Módulo tinha a liberdade de produzir e reproduzir
material didático em Belém (textos mimeografados ou xerocados); solicitar
material didático auxiliar, como: caixa de giz branco e/ou multicolorido, resma
de papel A4, cadernos de borrão, cadernos de papel pautado, cartolinas,
apagadores, tubos de cola plástica, grampeadores, réguas, garrafas de álcool
para stencils, folhas de stencil’ a álcool, folhas de stencil’s a tinta, fita
crepe, fita durex, etc;
h)
A permanência da equipe docente no município era de 46 dias letivos, caso não
houvesse alunos em recuperação, e de 54 dias quando houvesse.
i)
Enfim, com essa estrutura, era possível se trabalhar no SOME com motivação, compromisso
e prazer.
O governador Jáder Barbalho (MDB),
conseguiu derrotar o PDS e elegeu o seu sucessor Hélio da Mota Gueiros, cujo
mandato foi de março de 1987 a março de 1991, que por sua vez, nomeou a sua
esposa, como Secretária de Educação - Profa. Terezinha Gueiros.
Ano Letivo de 1987
O primeiro local que
atuei como Professor do Módulo foi a cidade de Portel, a partir do dia 09 de
março de 1987. Apesar de ter iniciado a vida de professor um ano antes, no
Colégio Anchieta (Av. Almirante Barroso, onde funcionou recentemente o Colégio
e a Faculdade Ypiranga). Confesso que inicialmente fiquei meio inseguro diante
do desafio, que era lecionar para uma clientela que tinha grande expectativa do
trabalho a ser desenvolvido com ela, nos municípios que iríamos atuar.
Além de uma mala com
roupas e uma valise com pertences pessoais, levei uma caixa de papelão cheia de
livros. E como dava aulas somente à noite para duas turmas de 2ª série e uma de
3ª série do Curso de Magistério, sobrava todo o dia para estudar e elaborar as
aulas. Era um trabalho intenso, que em média durava duas semanas por avaliação
intervalar; o equivalente a um bimestre para o ensino regular.
Embora
desse aulas de reforço, em casa, para os alunos necessitavam de reforço de
aprendizagem, a ociosidade me incomodava e ficava pensando que tipo de
atividades eu poderia fazer para ocupar o resto do dia. Assim, eu e meu colega
de História José Nicolau Leite, articulamos duas atividades
extras-classes:
1ª) Realização de um Domingo Alegre,
com um Torneio de Futebol de Salão, com vários times da cidade, seguido de um
Bingo e Leilões, nas dependências da quadra de esportes do “Camel” (um dos
Clubes da época). Essa atividade foi amplamente divulgada, inclusive com
propaganda volante e pelo serviço fixo de publicidade. Essa ação foi realizada
pela turma dos alunos do 3º ano, que continuava arrecadando dinheiro para a
realização de sua colação de grau;
2ª) Realização de uma atividade
de Integração Cultural Poliesportiva, entre os alunos e professores do Sistema
Modular de Portel e Breves. Essa
atividade durou três dias e se deu na cidade de Breves. Foi um sucesso. Cabe
destacar que o Sistema Modular já começara a ser substituído, paulatinamente,
pelo sistema regular de ensino, no município de Breves.
Concluído os
trabalhos em Portel, a nossa equipe rumou para a cidade de Irituia, onde deu-se
o segundo Módulo de 1987. Além de mim e do colega José Nicolau Leite, a nossa
equipe aumentou com a presença da Pedagoga Maria Rosa Abreu e, de passagem (apenas
duas semanas), o colega de Educação Física, Lomelino – o Loló. Em Irituia eram
três turmas: uma de 1ª série, uma de 2ª e outra de 3ª série, todas à noite.
Enquanto equipe, o
nosso trabalho sempre foi articulado como forma de os alunos não perderem o
foco das atividades desenvolvidas intra ou extras-classes. E sob esse espírito,
a nossa equipe docente se articulou com os alunos do 3º ano, e colaboramos na
organização e realização de uma megafesta junina, para angariar fundos para a
formatura deles. Essa foi realizada na principal praça da cidade, frontal a
Igreja de Nsa. Sra. da Piedade, padroeira local.
Reativação da Associação dos Professores e a APSOME
Ao entrarmos de férias,
no mês de julho, todos os professores regressavam a Belém. E no afã de todo
mundo se reencontrar, marcamos algumas reuniões, nas dependências do Colégio
Orlando Bitar. O primeiro ponto de pauta dessas reuniões, sempre se focava em
dinheiro, pois:
1º a maioria dos professores
modulenses era do Quadro Suplementar do Magistério Estadual, ou seja, eram serviços
prestados (contratados e sem estabilidade funcional), e isso gerava um desdém,
da parte dos professores do Quadro Permanente do Magistério (os efetivos – com
estabilidade funcional);
2º os professores serviços
prestados não tinham contracheque. Recebiam na Tesouraria da SEDUC, por meio de
uma lista nominal;
3º a Ajuda de Custo, também era
paga na Tesouraria da SEDUC, tanto para os serviços prestados quanto para os
efetivos. Porém, havia um problema comum: raramente a ajuda de custo era paga
em tempo hábil. Às vezes a demora era tanta que, viajávamos com pouquíssimo
dinheiro para os municípios. E quem a recebia, eram os nossos procuradores;
4º quando os serviços prestados
iam ao comércio fazer um crediário, eram impedidos por não terem como comprovar
a sua renda.
Os professores
modulenses antigos e do quadro funcional efetivo, criaram uma Associação.
Segundo relato dos mesmos, essa entidade voltava-se para fins lúdico-culturais
(passeios, festas, almoços/jantares, empréstimos emergenciais (caixinhas),
adesão a consórcios para compra de carros, etc. Com o decorrer do tempo, essa
associação diluiu-se.
Um aspecto
interessante que merece registro, é o fato de que os demais funcionários da
SEDUC-sede viam os professores modulenses com uma certa inveja, por conta de
esses serem bem remunerados em relação àqueles.
Diante desse
cenário, a massa docente de serviços prestados (a maioria) puxou a criação de
uma entidade que lutasse por melhores condições de tratamento por parte da
estrutura Seduquiana. E após diversas reuniões, conseguimos criar a Associação
de Professores do Sistema de Organização Modular de Ensino – APSOME. E elegemos
uma Coordenação Provisória (com cerca de 12 professores), da qual fiz parte.
Diga-se que nenhum professor efetivo, teve a coragem de se candidatar para a
composição de coordenação de nossa entidade.
Pela dinâmica
laboral do SOME, a APSOME só conseguia se reunir em Belém, quando entrávamos de
férias, ou de recesso. Na verdade, a APSOME era uma entidade meramente política
(na essência da palavra), porque nunca conseguimos redigir um Estatuto e
registrá-lo em cartório. Mas mesmo assim, ela foi legitimada por todos os
professores (as) do SOME, mesmo por àqueles (as) que “odiavam política”. Pois,
sempre que recebíamos denúncias de coação contra professores, ou mesmo as
determinações da SEDUC que considerávamos discrepantes ou abusivas,
procurávamos o respectivo setor competente da Secretaria e solicitávamos
audiências para intermediar ou conflito ou negociar os impasses.
Começávamos a
nos organizar politicamente para reivindicar junto a SEDUC, tudo o que
julgássemos essenciais para o bem-estar de nossa categoria. E, em uma Assembleia
Geral da APSOME, ocorrida em julho/87, redigimos um documento contendo uma
pauta reivindicativa, encaminhado a Sra. Secretária de Educação Terezinha
Gueiros, no qual solicitávamos uma audiência, como forma de negociarmos
diretamente com ela (e sem intermediação da DEN ou do DESG), porque
desconfiávamos que se assim o fosse, eles tentariam abafar o nosso movimento
pleito; que aliás sempre o fora, em prol da nossa categoria.
A Profa. Terezinha
concedeu a audiência e fomos recebidos em seu gabinete. Claro, com presença dos
representantes da DEN, do DESG e da Coordenação do SOME. Para essa histórica
audiência, convidamos para assessorar a APSOME, o recém-chegado em Belém, o
DIEESE, leia-se Roberto Sena. Fomos convidá-lo porque vivíamos uma ciranda
inflacionária galopante. O nosso salário todo mês era reajustado, como forma de
evitar uma defasagem maior. Porém, a Diretoria Financeira da SEDUC não
reajustava a nossa ajuda de custo, na proporção da inflação mensal. Com a sua
competência técnica, Roberto Sena consegui convencer a Sra. Secretária e o seu
estafe, de que era necessário atualizar os valores da nossa ajuda de custo, no
ritmo inflacionário.
As principais deliberações
dessa emblemática audiência, foram:
1ª A partir de setembro/87, todos
os professores, na condição de serviços prestados, receberiam os seus
vencimentos em contracheques. Isso ocorreu, mas os mesmos vinham com um carimbo
“serviços prestados”. Retornamos com a Profa. Terezinha Gueiros que, ordenou a
retirada daquele carimbo preconceituoso dos nossos contracheques;
2ª As nossas ajudas de custo
passaram a ser atualizadas pelo percentual inflacionário do mês anterior;
porém, a demora no seu pagamento na Tesouraria continuava. Daí a mesma ser
pejorativamente chamada de “Ajuda que custa”.
Enfim, as lutas da APSOME
continuaram nos anos posteriores, até o momento em que os professores do SOME
se transformaram em uma sub sede do SINTEPP; o que particularmente penso que
foi um erro crasso da nossa categoria, porque o tipo de trabalho do SOME difere
radicalmente de quem trabalha fixo; por isso as suas reivindicações possuem uma
demanda de temporalidade diferente, dos trabalhadores de educação lotados nas
escolas de ensino regular.
Continuação do Ano de 1987
O nosso 3º Modulo
foi na cidade de Oeiras do Pará. Lá, trabalhamos uma turma de 2ª e outra de 3ª
séries à tarde; uma 1ª , uma 2ª e uma 3ª séries à noite.
O diferencial desse
Módulo foi uma articulação e a realização de ações pedagógicas que envolveram
os alunos de todas as turmas, a participarem do I Congresso de Educadores do
Baixo Tocantins, coordenado pelo recém-criado Sindicato dos trabalhadores (as)
em Educação Pública do Pará – SINTEPP. Esse evento contou com a participação do
Deputado Estadual Edmilson Rodrigues, Padre Savino – do CIMI, Luís Araújo -
Coordenação Estadual Sintepp, etc.
Fechamos o 4º
Modulo de 1987 em Limoeiro do Ajuru. Trabalhamos uma 1ª, uma 2ª e uma 3ª série
pela manhã e, a mesma quantidade de turmas e séries à noite. Foi um módulo
comum, sem nada além das atividades pedagógicas programadas.
Ao concluirmos o
ano letivo de 1987, voltamos para Belém, entregamos o Relatório de Atividades
para a Coordenação e entramos de recesso.
Em seguida, todos
os professores foram convocados para uma avaliação geral do que ocorreu no ano
anterior de trabalho. O ponto positivo dessa atividade foi a troca de
experiências que pude fazer com outros colegas, ora da nossa disciplina, ora de
outras e de outros circuitos.
Particularmente
fiz as minhas reflexões sobre as experiências vividas no meu primeiro ano,
enquanto docente do SOME, que ora enumero:
1ª Que embora fôssemos acompanhados
por uma coordenação modular local, a mesma não intervinha nos nossos trabalhos.
Tínhamos autonomia total para desenvolvermos as nossas atividades;
2ª Era comum termos alunos -
funcionários de diversos níveis administrativos do município, vereadores e em
alguns casos, até mesmo o prefeito local, estudarem conosco. Talvez de modo involuntário, mas éramos
vigiados nos municípios. Por isso, não podíamos extrapolar as regras
convencionais de sociabilidade, sob pena de recebermos sanções, ou mesmo,
sermos denunciados ao deputado ou ao senador daquele território político. Se a
denúncia fosse branda, ficava a nível de SEDUC. Em outras palavras, fazíamos
jogo de cintura, sem adulterar a proposta pedagógica do SOME, como forma de não
gerar conflitos nos municípios;
3ª Naqueles tempos não se usava
os termos construtivismo, multi, inter e transdisciplinaridade. Mas, se
analisarmos com profundidade as atividades educativas que desenvolvíamos nos
municípios, atuávamos sob esse viés pedagógico;
4ª Que em vez de ficar ocioso até
a hora das aulas, eu usava esse tempo livre para estudar, caminhar por pontos
estratégicos da cidade, visando identificar a cultura local, os seus valores.
Adotei a metodologia da escuta e do diálogo e perspectiva da austeridade. Com
isso, adquiri saberes com diversos atores sociais com quem conversava
(marítimos, pescadores, caçadores, agricultores, sindicalistas, religiosos,
poetas, músicos, artesãos, etc);
5ª sempre que possível, mantinha
contato com outros colegas professores, que trabalhavam nas diversas escolas,
e/ou repartições públicas em Belém, como forma de me atualizar.
A partir dessas
reflexões pessoais, iniciei os trabalhos nos anos letivos seguintes, um pouco
mais lúcido politicamente e compromissado com o meu trabalho e as minhas
reações interpessoais. E, buscando novas a realização de novas atividades
pedagógicas extra-classes, nos próximos anos letivos, sempre em conjunto com a
equipe do Módulo que eu estava, articulávamos com a coordenação local do SOME,
prefeitura, Câmara Municipal, etc. atividades como:
Ano
de 1988.
- Participação na elaboração e na
realização do II Encontros de Estudantes do SOME do sul e do sudeste do Pará:
Bom Jesus do Tocantins – última semana de maio. Municípios Participantes: Bom
Jesus do Tocantins, Rondon do Pará, Abel Figueiredo, Xinguara, Rio Maria, Brejo
Grande do Araguaia e, Vila Palestina;
- Integração Cultural
Intermunicipal dos Professores e Alunos do SOME em Igarapé – Miri - últimos dias de Junho e primeiros dias de
Julho. Municípios Participantes: Igarapé – Miri, Moju, Muaná, Limoeiro do
Ajuru. Nessa época, a coordenadora local do Módulo, era a Profa. Ester
(...?...), que mais adiante, viria ser a Coordenadora Estadual do SOME por
longos anos.
- Rodada de estudos preparatórios
para os exames do Vestibular/89 da UFPA- Núcleo Cametá. Município: cidade de Oeiras
do Pará. Essa experiência teve como saldo, cinco (05) candidatos aprovados no
Vestibular, sendo todos ex-alunos modulenses.
Ano
de 1989.
- Curso de Capacitação Para
Professores de 1ª a 4ª Séries do 1º Grau (redes municipal e estadual de
ensino). Local: Cidade de Limoeiro do Ajuru – última semana de abril. Duração do Curso: 8 horas-aulas/dia - carga
horária: 40 horas. Essa proposta foi audaciosa para a época, porque causou
‘estranheza’ para a Coordenação Estadual do SOME (Maria da Glória Paixão), a
nossa equipe procurar o DESG para pedir ajuda na execução dessa atividade.
Apesar da resistência inicial, com a ajuda da equipe técnica do DESG/SOME
(Glória Rocha, Rosa Gomes da Costa, Léia, Regina Celi, Ana Conceição, Benedita
Amaral, Guilherme Carvalho, Orlando Melchíades, Raimundo W.Júnior, etc.)
conseguimos apoio, recursos humanos e
materiais, para a execução dessa proposta. A Diretora do DESG cedeu a Pedagoga
Ilsanelma como representante daquele
Departamento, bem como uma das instrutoras do curso para o CTRH Prof. Arthur Porto, também nos ajudou
nessa ação, cedendo seus instrutores para compor a equipe docente do Curso de
Capacitação, certificados para os participantes que foram entregues aos mesmos,
pelo representante da diretoria daquele Centro de Treinamento, o Prof. João
Luis. Esses cursos envolveram professores atuantes nas escolas da cidade,
quanto de alguma parte da zona rural;
- III Congresso dos Educadores do
Baixo Tocantins. Município – sede: Limoeiro do Ajuru – penúltima semana de junho,
Municípios participantes: Limoeiro do Ajuru, Igarapé-Miri, Moju, Muaná, Acará,
Oeiras do Pará, Cametá, Mocajuba, Tucuruí. Adotamos a mesma estratégia
pedagógica, aplicada em Oeiras do Pará (1987) na participação de nossos alunos;
- Curso de Capacitação Para
Professores de lª a 4ª Séries do 1º Grau (redes municipal e estadual de ensino).
Local: Cidade Irituia – 3ªsemana de outubro. Duração do Curso: 8 horas-aula/dia
– carga horária: 40 horas. Esse curso contou com as mesmas parcerias,
verificadas no curso anterior. E com o mesmo público-alvo.
Balanço do 1º Momento ou Fase
Áurea (1980 – 1989).
Chamo esse
primeiro momento do SOME de Fase Áurea, por conta das circunstâncias históricas
da época; senão vejamos. A disputa pela liderança política do nosso estado,
entre Jarbas Passarinho (homem de confiança e porta – voz da ditadura militar
de 1964 no Pará) e seu então companheiro de caserna, o Coronel Alacid Nunes,
provocou a separação de ambos.
Passarinho articulou em Brasília um boicote sistêmico aos repasses de
verbas federais ao nosso estado, no período do governo alacidista (1978 –
1982). E foi a partir de 1979 que o governo de Alacid Nunes solicita a FEP que
criasse um projeto para atender a carência da educação rural paraense. E todos
os convocados para construir o Projeto SOME, acreditaram no mesmo, pois era uma
oportunidade de se propor algo, em termos de educação, com liberdade e
autonomia técnica e pedagógica. E, os governos seguintes (de Jáder Barbalho de
1982 – 1986) e de Hélio Gueiros (1987 - 1991), continuaram com o compromisso de
garantir todas as condições, para que o Projeto Modular desse certo.
Os
primeiros municípios onde o SOME se instalara, já começavam a aderir ao Ensino
Regular. O Projeto modular, cada vez mais se distanciava de Belém e das cidades
– sedes municipais.
Assim, desde o seu início, até a permanência
da Profa. Aldalice Wotherloo na
Diretoria de Ensino e, Albene L. Monteiro, dirigindo o Depto. De Ensino de 2º
Grau, o SOME vivenciou o seu melhor momento, em todos os sentidos. Fato esse
que se diluiria nos próximos momentos, por conta do esvaziamento progressivo
daqueles profissionais que atuavam na DEN, DESG e Coordenação do Projeto.
Um fato
histórico significativo merece ser registrado: a promulgação da Constituição
Federal Brasileira, em 06 de outubro de 1988. Esse fato, contribuiu para que as
propostas pedagógicas do SOME se sedimentassem nas diversas atividades
desenvolvidas pelos seus professores. Além de fortalecer a redemocratização do
país, reativar a atuação dos movimentos sociais e a política dos direitos
humanos.
#2º
Momento: Fase do Expansionismo Acelerado (1990 – 2000).
Em 1988, houve uma greve
estadual dos educadores e, certo dia, a concentração do movimento grevista, se
concentrou no prédio – sede da SEDUC, pois a Coordenação do movimento
(SINTEPP), tinha audiência para negociar com a Sra. Secretária Terezinha
Gueiros. Houve impasse, a ponto de chamarem a cavalaria da Polícia Militar,
para dispersar o movimento. A Profa. Aldalice apoiou os grevistas. Isso foi a
“gota d’água” para ela ser exonerada da DEN. Aos poucos, os membros de sua
equipe de trabalho que estavam no DESG e na Coordenação do SOME, começaram a
pedir transferências de lá.
Assumiu a DEN, a Profa.
Sílvia Santos (pessoa de confiança de Terezinha Gueiros), para o DESG, foi
nomeada a Profa. Maria da Glória Paixão. Ambas, meras tecnocratas. O ensino de
2º grau do Pará, a partir daí, passou a reproduzir uma linha de educação
conservadora, acrítica e reprodutivista.
Com a morte de Glória
Paixão, o DESG passou a ser dirigido pelo Prof. de Matemática, José Maria, recém-chegado
do Curso de Mestrado, mas que não tinha uma visão sistêmica e progressista de
educação.
Impulsionado pelo crescimento
migratório e pela “indústria de novos municípios”, nessa década o SOME se
expandira não como antes, com estudos criteriosos, mas em nome dos compromissos
políticos entre as lideranças locais e os políticos com mandatos (vereadores,
prefeitos, empresários, deputados, senadores e governador). Isso contribuiu
para que o Sistema Modular, cada vez mais se distanciasse de Belém, cidades –
sedes dos municípios e fosse atingindo rincões inóspitos, expondo os
professores modulenses a condições precárias de trabalho e começasse a sofrer o
sucateamento logístico.
Balanço do 2º Momento ou Fase
do Expansionismo Acelerado.
Em 1993, o governador
Jáder Barbalho transformou a Fundação Educacional do Pará - FEP, em
Universidade do Estado do Pará – UEPA.
No fim de seu mandato –
tampão, o Presidente Itamar Franco - PMDB lançou em 1994, o Plano Real e com
ele, a ciranda inflacionária que predominava no país, desapareceu. Fernando
Henrique Cardoso, PSDB se elegeu presidente da República e governaria o Brasil
de 1995 a 2002. No ano seguinte, Almir Gabriel - PSDB substituiu Jáder Barbalho
- PMDB, no Governo do Estado e governaria o nosso estado, no mesmo período
Presidente FHC.
Em dezembro de 1996, foi
promulgada a nova L.D.B, n} 9.394/96. Já em 1997, foi criado o Fundo de
Desenvolvimento da Educação e de Valorização do Magistério – FUNDEF, que
seguindo a hierarquia sistêmica da L.D.B., repassaria de dez em dez dias,
verbas para os subsistemas estaduais e municipais de ensino.
Vejamos o que aconteceria
com a educação pública paraense, doravante:
1º Com a vigência da nova L.D.B.
todos os municípios ficariam responsáveis pela manutenção dos subsistemas
municipais de ensino. A União começou a repassar para os municípios paraenses
as verbas do FUNDEF, seis meses (06) antes que o resto do Brasil (“acordo de
cavalheiro entre o ninho tucano – FHC, Paulo Renato de Souza -Ministro da
Educação e, Almir Gabriel – Governador do Pará);
2º Salvo engano, em 1998 o
Governo Federal desativou todas as Delegacias Regionais do MEC, deixando ativas
somente as dos estados do Rio de Janeiro e a de São Paulo;
3º Em 2004, o governador Simão
Jatene (sucessor de Almir Gabriel – também PSDB), extinguiu o Centro de
Treinamento de Recursos Humanos “Prof. Arthur Porto”.
Com o repasse regular
dos recursos financeiros pela União aos municípios, e estes, seguindo as
diretrizes da L.D.B. e legislação correlata, surgiu a necessidade de todos os
professores se graduarem em Licenciatura Plena, como forma de erradicar a
figura do professor leigo, que aliás predominava nas escolas municipais, porque
as nossas Universidades ( seja a UFPA,
UNAMA ou mesmo a UEPA), não atentaram para a criação de programas
específicos para a formação de professores,
para suprir as diversas carências
nas redes municipais de ensino. Ocorre que para isso, nem o MEC e muito menos a
SEDUC orientou os municípios para esse fim. E, aproveitando esse vacilo
institucional, a Universidade Vale do Acaraú – UVA, veio lá do Ceará, formar
centenas de professores e ganhar essa fatia expressiva do FUNDEF municipal.
Não sei se por
incompetência ou proposital, o governador Almir Gabriel que, ganhara de
presente do Governo Federal, seis (06) meses de FUNDEF, em relação aos outros estados da União; por
que não barganhara, também com àquele, a permanência da DEMEC-PA, para que essa
orientasse tecnicamente os municípios, no sentido de se organizarem
institucionalmente para desenvolver com qualidade, o seu trabalho de gestão
escolar?
E os erros
continuaram. Obcecado com a política neoliberal, o governo de Simão Jatene, deu
o ‘tiro de misericórdia’ na educação pública paraense, ao extinguir CTRH “Prof.
Arthur Porto”, em 2004. O CTRH, desde a sua criação na década de 1960, com a
denominação de Centro de Estudos Pedagógicos do Pará – CEPEPA, por meio de
convênio com os diversos municípios, executava Cursos de Capacitação em
Educação Fundamental, com recursos oriundos do Salário Educação (verba existente
no MEC para esse fim).
Com o fim do CTRH,
as diversas redes municipais paraenses ficaram órfãs do órgão que lhes ajudavam
na formação continuada de educação. E o que o SOME tem a ver com isso? Muita
coisa, pois, se a FEP o criou e depois o repassou para a SEDUC; por que “na
febre de erradicação dos professores leigos” a SEDUC não fez parceria com a
UEPA e esta, faria uma formação acadêmica aplicada ao corpo docente do SOME,
para atuar na formação dos professores municipais? Ou por outro lado, os
próprios professores do SOME teriam feito um projeto de transformação, em um
“Instituto de Formação de Educação Continuada” e o negociariam com a UEPA (Universidade da
casa) ou via Assembleia Legislativa Estadual, na busca de parceiros
internacionais, como a UNESCO?
No meu ver, não
há ninguém melhor que os docentes
atuantes no SOME, com o seu vasto cabedal pedagógico, para atuar na formação
continuada dos professores municipais.
Quando o SOME tornou-se uma Subsede do
SINTEPP, ele perdeu o foco de sua luta, perdeu a sua alteridade, o seu poder de
pertencimento. Por que afirmo isso? É porque o seu perfil de atuação não
prevalece na capital, nas escolas regulares; o SOME é uma modalidade de
educação presencial e itinerante e por isso, as suas demandas logísticas e
laborais são inerentes a sua prática profissional.
#3º Momento: Fase do Contingenciamento Estrutural e Incertezas (a partir de 2001 aos dias atuais)
Seguindo fielmente
as orientações de gestão neoliberal, a partir do surgimento do FUNDEF, o
governo do estado aumentou o contingenciamento de recursos materiais,
financeiros e logísticos do SOME, pois, agora, a L.D.B. define a quem cabe
manter o Ensino Médio: os estados membros da União. Assim, o Convênio entre a
SEDUC e as Prefeituras Municipais, sofreram mudanças. A ponto de os professores
terem que alugar casas para se alojarem e comprarem a sua alimentação, durante as
suas estadas nos municípios. Se no
passado, trabalhar no SOME, valia a pena; hoje, essa premissa é relativa,
porque além de o local de trabalho estar mais distante, houve uma redução
drástica, no que tange a oferta de recursos didáticos para se levar e usá-los
nos municípios.
Enfim, com a
intensificação das redes virtuais de informação, estou convencido de que o
SOME, aos poucos se extinguirá, ora pelo seu custo; ora pela redução
progressiva de discentes, ora pela concorrência da Educação do Campo, etc...
* O autor é Sociólogo e ex Professor do SOME.
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