Total de visualizações de página

terça-feira, 14 de maio de 2024

REFLEXOS DO PENSAMENTO KANTIANO NA EDUCAÇÃO



       

 

Carlos Prestes

Cíntia Nascimento

Leonaldo Santos

Taís Nogueira 

 

 

 

O QUE QUERES? (Para uma teoria da Ciência e da Crítica)

 

O que queres?

Se na morte fatídica

Foge do ser a física robustez

E no complexo biológico

Do teu corpo

Uma ciência natural trabalha, pesquisa

Faz anotações da causa mortis?

 

O que queres?

Se a morte moral suga os valores

Da consciência humana;

Se o ato premeditado

Não justifica a inconsciência

Nem desculpa o inconsequente

Que observa o mundo com olhos insanos?

 

O que queres?

Se o logos guerreia incessantemente

Contra o íntimo do homem; se o homem

Se perde no conceito exato da razão;

Se a razão permeia a emoção;

Se tudo isso é a práxis

Entre pensar e fazer, escrever e viver?

 

Sim, diga, o que queres de mim?

Se a ética te observa o comportamento;

Se a essência do que és contradiz a tua história;

Se a história está para o homem

Como o saber está para o poder;

E a filosofia se acha

Em constantes divagações?

 

O que queres?

Se o homem, sem razão, perdeu a razão;

Se o conceito de moderno

Virou tragicomédia;

Se o antigo virou peça de bibelot,

E o catedrático historiador

Leva fama de contador de história?

 

Não! Não me digas o que queres.

Se o capitalismo extermina

A igualdade nata; se a igualdade

É apenas um belo vocábulo;

Se o vocábulo é apenas

Um fragmentado instrumento ideológico

De uma fragmentada utopia.

 

O que dizer?

Se a dúvida metódica

Leva ao conhecimento da primeira verdade

E, assim, a Deus; se a evidência

É indubitável; e a verdadeira filosofia

É uma metafísica raiz de árvore

Cujo tronco é a física?

 

O que dizer

Se a percepção é subjetiva

E os sentidos relativizam a leitura

Do mundo; se na teoria fenomenológica

O homem é aquilo que ele vive;

Se o verdadeiro não é real

E o real não é verdadeiro no pensamento pontyano?

 

O que dizer?

Se o comportamento behaviorista

É ordenado e determinado, se o homem

Não é livre de leis e regras gerais;

Se o objeto skinneriano é sempre exterior

Ao homem, e as variáveis fora do organismo

Determinam o comportamento observado?

 

O que dizer do evolucionismo sociológico?

Se as representações aparentam a realidade

Social; se o homem é sócio-individual;

Se tudo se reduz ao fenômeno material;

Se o começo de tudo está na observação

Dos fatos; se a observação subordina

 a imaginação?

 

O que dizer do existencialismo filosófico?

Se a imagem é sempre uma destruição

Do objeto: nunca o objeto, nunca o real;

Se o homem é a sua própria experiência

Física, psicológica e social;

Se a intenção media sujeito-objeto

E a liberdade é plena em sua consciência?

 

O que dizer?

Se na filosofia da linguagem marxista

A ideologia ocupa o seu ponto de essência;

Se o homem é um ser físico, histórico e social;

Se a sua cultura marca o seu materialismo;

Se a linguagem

É a transição entre sujeito e objeto?

 

O que queres, afinal?

Se a psicologia anda atenta à subjetividade humana

Se as manifestações do homem

São visíveis, invisíveis, singulares e genéricas;

Se há no ser íntimo

Uma cumplicidade físico-motora,

Intelectual, afetiva e social?

 

Não! Não me digas o que queres.

Pois te falei de Axiologia, Axioma, Antropologia;

Filosofia, Práxis, Epistemologia;

Logos, Lógica, Filologia;

Dialética, Ética, Pragmatismo;

Política, Cultura, Sociologia;

Dúvida metódica, Física, Metafísica;

 

Fenomenologia, Relativização, Percepção;

Behaviorismo ordenado e determinado;

Evolucionismo, Representação, Observação;

Existencialismo, Imagem, Objeto;

Marxismo, Ideia, Materialismo;

Razão, Experiência, Criticismo.

 

Há conhecimentos e buscas

Ciências e descobertas

Experimentos e teorias

Mas o tempo que não domino

Me bate à memória a indagar

O que queres?

Se na solidão do meu olhar expectante

Alcanço o alto e o horizonte

Percebo um pássaro voando em free way

Uma miragem se auto reproduz

Na equidistante trilha

De um espaço terreno

E profundamente abstrato.

Eu... De pé, encaro o mundo.

O mundo me cerca de todos os lados

Me empurra e berra em meus ouvidos.

Os olhos flamejam, criticam

Sinto o exterior...

Só não lembrei de sentir a mim mesmo.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Este trabalho tem por objetivo fomentar uma discussão crítica a respeito de Immanuel Kant, relacionando-o com a realidade educacional na qual estamos inseridos. Ademais, trata-se de um trabalho simplificado na atuação das palavras empregadas, mas cujo conteúdo deve contribuir significativamente para uma reflexão mais abrangente, realista e crítica acerca da atuação do nosso sistema educacional, seus objetivos e metodologias para alcançar um determinado fim, pois a devida compreensão da obra deste pensador, poderá nos revelar importantes detalhes e minúcias que vêm permeando toda a educação brasileira, tão influenciada pelos ideais iluministas de “liberdade, igualdade e fraternidade” que contagiaram o mundo, e que, muitos educadores, hoje, infelizmente, ainda não se deram conta desses fatos ou simplesmente passaram por eles sem querer nota-los, o que é muito pior.

 

 

PENSADORES, PENSAMENTOS E MOVIMENTOS

 

Os primeiros passos da profunda renovação cultural do século XVIII ocorreram, ainda, no século XVII. Descartes, John Locke e Isac Newton lançaram as bases daquilo que um século depois seria o Iluminismo.

O Iluminismo, conhecido também como Ilustração, possuía duas características comuns aos seus principais teóricos: A crença na razão como guia para se chegar ao conhecimento e a concepção do universo como máquina governada de leis próprias que poderiam ser conhecidas pela ciência.

Isaac Newton contribuiu decisivamente para uma mudança radical na visão de mundo quando aprofundou teorias desenvolvidas por Copérnico, Kepler, Galileu, no Renascimento, e por Descartes na primeira metade do século XVII, rejeitando a concepção medieval de um universo imóvel e estático. Com ele, surge uma nova perspectiva de universo, onde o movimento é considerado absoluto e o repouso, relativo. E esse movimento não ocorre de forma anárquica, mas sim regido por leis físicas invariáveis que podem ser conhecidas pelo homem através da ciência. O universo é, portanto, segundo Newton, mecanicista.

A filosofia de Newton não excluía a ideia de Deus, mas negava sua intervenção no cotidiano do universo, o qual funcionaria por leis próprias, sem necessidade de uma força divina que zelasse por seu movimento.

Os principais filósofos do movimento iluminista foram Voltaire, Montesquieu e Rousseau.

O Mercantilismo, doutrina econômica do absolutismo, seria condenada junto com ele. Os fisiocratas afirmavam que o comércio era uma atividade econômica estéril e condenavam ainda a intervenção do Estado na economia. Seu lema era: “Deixai fazer, deixai passar, o mundo anda por si mesmo”. Hoje, vivemos uma outra realidade. A população mundial cresceu, a tecnologia se desenvolveu, veio a revolução industrial, os poderes monárquicos caíram em decadência, a nobreza perdeu autoridade e prestígio frente ao comércio que se desenvolvia nos burgos, o comércio cresceu com as grandes navegações, novas conquistas de terras além-mar que foram colonizadas, surge uma nova classe social: a burguesia, a economia torna-se globalizada. Essa é a nova realidade. Uma nação dependendo de outra nação economicamente pra sobreviver. Ou seja, a economia está nas mãos de quem administra o país.

Quanto ao Despotismo esclarecido, caracterizou-se como uma tentativa de os soberanos modernizarem o país, mantendo, ainda, uma política absolutista.  Os déspotas procuraram aplicar algumas ideias do iluminismo, sem a participação do povo. Sua “boa vontade” para com o povo, traduzia-se nas seguintes palavras: “tudo pelo povo, sem o povo”

Atente para as seguintes palavras de Denis Diderot (1713-1784); “Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de gozar dela logo que goze da razão” (FREITAS, 1977). É possível gozar de uma liberdade plena sem limites? A razão se contrapõe ao estado emocional ou se junta ao ele? Não há que ter um equilíbrio (intermediação) entre razão e emoção? Esses dois estados d’alma separados não levam o homem ao perigo do extremismo? Neste sentido, a liberdade não seria o equilíbrio entre esses dois estados? Sim, porque sem esse cuidado não existiria liberdade. Seria como se não houvesse leis de trânsito. Como alguém poderia transitar livremente com seu carro pelas ruas de uma cidade sem colocar em risco sua própria vida ou a vida de alguém? Aí é que entra a liberdade administrada; é atribuído a François Marie Arouet, cujo pseudônimo é Voltaire (1694-1778) o pensamento: “posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito que tem de dizer”. No entanto, essas palavras foram ditas por Evelyn Beatrice (1868-1956) que assinava com o pseudônimo de S.G. Tallentyre quando escreveu a biógrafa de Voltaire na obra intitulada The friends of Voltaire (Os amigos de Voltaire), publicada em 1906. De qualquer modo, essa frase se coaduna perfeitamente com a essência de suas ideias: liberdade para se expressar, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, respeito à tolerância, separação entre igreja e Estado; Montesquieu (1689-1755) em O espírito das leis propõe a separação e o equilíbrio dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Defendia o liberalismo, mas nunca foi um democrata, pois possuía uma atitude de desprezo pelo povo, que ele classificava de “ralé”. Há muitas dessas figuras hoje, que se dizem representantes do povo, mas apenas o usam para os seus projetos de poder; exceção seja feita a Rousseau (1712-1778) que, dificilmente, se enquadrava entre filósofos iluministas. Naturalista, criticava aqueles que elevavam a razão à categoria de verdadeira deusa. São dele as frases: “... perecereis se esqueceres que a terra pertence a todos” e “para melhorar o estado social é preciso que todos tenham o suficiente, e que ninguém tenha demasiado” (ROUSSEAU, 2013). Mas os gananciosos, avarentos, não dariam ouvidos às palavras de um filósofo naturalista, pois, grande parte das terras no Brasil e no mundo, está concentrada nas mãos de poucas pessoas, assim como a riqueza. Isso quer dizer que, a maior parte dos seres humanos não têm o suficiente para sobreviver, e, outros, uma pequena porção, têm em excesso. O resultado disso é pobreza, miséria extrema em muitas partes do mundo. E essa miséria gera violência, um caos social. O que gerou isso, essa vontade de dominar sobre o outro da mesma espécie, de maneira tão animalesca? Razão ou emoção? Ou as duas juntas?

               No Brasil, os ideais revolucionários que inspiraram as lutas de libertação nacional, separando a colônia da metrópole – como na Inconfidência Mineira e na própria agitação política que levou à proclamação da Independência – começou a influenciar propostas liberais para a Educação, através da 1ª Constituição de 1824, na qual, segundo a professora Ester Buffa, da universidade Federal de São Carlos, já estava prevista a educação gratuita para todos, sem qualquer distinção.

               As exposições que norteiam o pensamento de kant, podem ser melhor compreendidas quando relacionadas com o período anterior. O objeto do estudo de Kant, indubitavelmente, fundamenta-se no princípio do desenvolvimento da razão humana. Essa razão, cujo próprio Rousseau ironizou chamando-a de “deusa”, e que era absorvida tão intensamente pelo sistema racionalista da época (apoiado nas ideias de René Descartes), tinha, na metafísica, a supremacia do conhecimento, relegando a experiencia a um plano secundário. A transgressão do domínio da experiencia pela razão na ânsia de chegar a conhecimentos de objetos, dos quais as únicas fontes de informação que possuía estavam restritas a conceitos que, em si, inviabilizavam qualquer pretensão  de se chegar a dados objetivos, despertou em Kant, aquilo que ele chamou de ideias, por haver uma proximidade com as ideias platônicas, pois estes conceitos ou ideias consistiam em representações de objetos que apenas eram pensados logicamente e fundamentados nas aparências em si, supostamente existentes. Essas ideias que eram entendidas como instrumentos heurísticos (do grego heurísko: descobrir, inventar, obter) consistiam em conjuntos de métodos e regras (ou mesmo estratégias) que visavam a resolução de um problema de modo mais eficiente. Solucionar um problema, racionalmente, significava abusar dos conceitos de entendimento que estavam voltados para a determinação da experiencia, pois, como afirmava Hobbes:

 

O estado de natureza é um estado de injustiça e violência, sendo necessário que o abandonemos para nos submetermos à compulsão da lei. Esta última, limita a nossa liberdade exclusivamente com o fato de que possa coexistir com a liberdade de todos os demais e, exatamente, devido a isso, com o bem comum (HOBBES, 1988).

 

Ora, a razão determinava o que era e o que não era, julgando e, ao mesmo tempo, condenando qualquer ato sem nenhuma espécie de mediador. Diante da possibilidade de a razão transformar-se numa irrazão levada pelo dogmatismo irrefreável que assolava seu tempo, Kant, com uma visão extremamente crítica, procurou estabelecer limites e equilíbrio à onisciência e onipotência da razão humana, através de um Método crítico baseado nas faculdades da sensibilidade e entendimento, intermediados pela imaginação que mediante a cooperação recíproca dessas faculdades, unificando percepções sob conceitos, o sujeito produz a experiencia, que é um conhecimento real e empírico, constituído por uma conexão de percepções apuradas pelo entendimento. Assim, a experiencia envolve dados a priori. O entendimento nada pode intervir e os sentidos nada pensar. O conhecimento só pode surgir de sua reunião (ROHDEN, 1986, p. 81). 


Dizia Kant: “Nossa época é a verdadeira época da crítica, a qual tudo tem de submeter-se” (KANT, 1985, p. 4, apud KEINERT, 2006, p. 15-16). A razão é limitada pelo senso crítico.


A crítica é livre e não pode ser freada ou constrangida pela razão sem que lhe cause descrédito. Por isso, a razão só existe como fonte de conhecimento verdadeiro, quando, por ela, passeia a liberdade de investigação que, após um longo processo de reconhecimento, dá-lhe o seu aval de confiabilidade. Deste modo, a liberdade é limitada pelo civismo, assim como a própria razão que só passa a ter sentido e existência em função dessa liberdade, pois, longe dela, a razão é uma irracionalidade, uma quase aberração mental que faz o homem tornar-se prepotente e autossuficiente.


Segundo Kant, o sujeito está ligado ao objeto na formação de um conhecimento. A razão deixa de ser absoluta e torna-se limitada, posto que a mesma é incapaz de conhecer as coisas em si. O sujeito só se relaciona com o objeto, quando esse se mostra a ele. Assim, a razão explica o objeto que o sujeito vê, e não o objeto em si. São palavras de Kant: “Eis, pois, o limite da razão: jamais conhecer o ser em si” (SOARES, 1999) e o objeto é conhecido por nós a partir do contato que temos com ele. Nesse contato, criamos grande parte do objeto quando o transformamos em ideia, de forma que, para Kant, a ideia assume uma importância maior que o objeto (Ibidem, 1999). 


Kant nos expõe duas formas de conhecimento que, na verdade, estão interligados. O juízo, a priori, é aquele onde as ideias são levadas em consideração, sem precisar fazer experiencias. O juízo, a posteriori, necessita de experiencias para ser confirmado. Essas categorias de conhecimento também podem ser estudadas de forma analítica e sintética. Explicando melhor, o conhecimento do juízo, a priori, é um conhecimento analítico, ou seja, eles independem da experiencia. Já o juízo sintético, que é o a posteriori, vem por meio da experiência e do juízo analítico. Nesse segundo momento, há uma interrelação dos juízos de conhecimento. Segundo Rohden:

 

Na medida que a síntese operada no juízo for meramente formal, teremos conhecimento de estruturas da experiencia, como o geométrico ou o físico. Esse fato implica a distinção de tipos de juízos diversos: juízos a priori, que não se fundem imediatamente na experiencia, e juízos a posteriori, que se fundam imediatamente nela (ROHDEN, 1986, p. 82).

 

Para Kant, a sensibilidade e o entendimento devem fundir-se (ou completar-se) para, assim, haver o real conhecimento, pois sem a sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e, sem entendimento, nenhum conceito seria pensado. Portanto, tanto é necessário tornar os conceitos sensíveis (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) quanto tornar as suas intuições compreensíveis (isto é, sobre conceitos) (KANT, 2003, p. 57).

 

Em Kant, a ação humana é determinada pela razão. No entanto, o indivíduo deve estar livre para fazer críticas a essa razão e, assim, conscientemente, estabelecer suas regras de conduta. Logo, precisamos entender que o indivíduo deve exercer perante a razão, a sua autonomia como sujeito. Esta autonomia está diretamente vinculada com a liberdade e a capacidade de criticar e criticar-se. Portanto, para Kant, a liberdade é o eixo precursor de toda a sua análise.


Kant critica leis impostas, as quais indicam ao homem que ele deve seguir este ou aquele caminho. Para ele, o homem por si só, e sua consciência, livre, é capaz de criar uma lei autônoma, na qual seus atos podem estar de acordo com a lei natural, universal. Kant explica que “a ação é presidida perla razão, mediante a qual o indivíduo procede conscientemente e estabelece regras de conduta. A autonomia, isto é, a existência de leis livres, é considerada a grande descoberta da segunda crítica” (KANT, 2003, p. 134).

Para Kant, o juízo é uma faculdade ligada ao sentimento de prazer e à capacidade de reflexão. Nestes juízos, temos um objeto, o qual o fim não pode ser determinado conceitualmente, pois esse juízo de gosto não é algo objetivo, mas subjetivo, onde as pessoas podem ter diferentes visões acerca de um mesmo objeto, e é nessas determinações subjetivas que podemos expressar o prazer que sentimos diante de algo que consideramos belo. Kant faz a seguinte colocação:

 

Esse julgamento meramente subjetivo (estético) do objeto, ou da representação pela qual é dada, precede o prazer relativo a ele, e é o fundamento desse prazer face a faculdades de conhecimento; mas é somente sobre aquela universalidade de condições subjetivas do julgamento do objeto, que se funda essa validade subjetiva universal da satisfação que vinculamos como representação do objeto que determinamos belo (KANT, 1974, p. 220).

 

“A sociedade, para Kant, é um passo racional, pelo qual o homem sai do estado meramente natural e adquire capacidade de determinar livremente o que quer fazer de si” (MESQUITA, 2014). É nela que ocorre uma espécie de “luta de homens”, onde cada um tenta se sobrepor ao outro, e é nesse nível social que o homem vive entre duas tendencias conflitantes: uma, de perseguir seus interesses particulares, não importando quem poderá afetar, desde que, com isso, consiga alcançar os seus interesses; e outra, onde o homem deve agir racionalmente e tentar se socializar na comunidade, e, também, seguir suas regras.


Ele defendia, também, uma transformação nas leis por reformas contínuas e críticas, e não por meio de revolução, na qual, essas transformações poderiam acontecer de forma imediata, e não era bem assim que ele propunha, apesar de simpatizar com algumas revoluções. Por outro lado, Kant também critica a relação do Estado com o cidadão, no sentido de que o Estado desconsidera a hipótese, ou até mesmo impede o desenvolvimento intelectual e a participação significativa do cidadão perante a sociedade. Observe a seguinte consideração de Kant:

 

... Mas enquanto os estudos continuarem a despender todas as suas forças nos seus vãos e brutais objetivos de expansão, impedindo, assim, o lento esforço de formação interna do modo de pensar dos seus cidadãos e privando-os mesmo de todo o apoio nesse sentido... (KANT, 1985, apud KEINERT, 2006).

 

 

ANÁLISE CRÍTICA DO PENSAMENTO DE KANT RELACIONADO COM A EDUCAÇÃO

              

Foram os ideais revolucionários burgueses que nos influenciaram e nos legaram as principais instituições políticas, como a República Representativa, o Congresso Nacional, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os códigos legais e as bandeiras de liberdade, Igualdade e Fraternidade. E foram esses ideais também que nos deixaram uma herança na área da educação, da qual, poucas vezes se ouve falar, mas que é muito presente (NOVA ESCOLA, 1989.

Na constituição de 1824 já estavam previstas propostas liberais para a educação, como a gratuidade do ensino para todos, sem qualquer distinção.

Conforme afirma Eliana Marta Teixeira Lopes, professora de História da Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e autora do livro As Origens da Educação Pública: A Instrução na Revolução Burguesa do Século XVIII:

 

A Educação gratuita acenava com a possibilidade de igualização social pela instituição universal. A Educação assumiu o papel de redentora social. Mas esse mesmo Estado que queria instruir e igualizar os indivíduos, transformando todos os cidadãos, legitimaria e protegeria a propriedade privada (LOPES, 1981).

 

O método racionalista adotado no Brasil, que abdicou do ensino religioso em prol de um ensino laico (sem religião) inspirado nos ideais de 1789 não frutificou em nosso país. Nem poderia, pois as desigualdades sociais eram gritantes, e idealizar não é o mesmo que experimentar.

Kant procurou desenvolver um método em que a razão pudesse ser avaliada e orientada, possibilitando um relacionamento mais crítico na área da educação. Esse método, que consiste em critérios que são regidos por regras e normas, assemelhando-se ao que nós vemos hoje, porém, prima pela reflexão, pelo questionamento, enquanto que, na educação atual, ainda que exista, é raro, pois, a maioria das escolas, ainda impõem aos professores, planos de curso, planos de aula, metodologias que objetivavam a formação de estudantes para o mercado de trabalho, onde o que menos importa é pensar, questionar.

Para Kant, o homem sai do estado meramente natural e adquire capacidade de determinar livremente o que quer fazer de si. Mas, ao nível social, os instintos e o egoísmo continuam presentes, e o homem se debate entre duas tendencias conflitantes: perseguir seus interesses particulares, instrumentalizando outros homens a seu serviço, ou, seguindo a razão, socializar-se e moralizar-se (KANT, 2003, p. 137-138). Vivemos em uma sociedade que cobra deveres e obrigações, a qual está vinculado o sistema educacional. Nesse contexto, a educação compreende uma visão kantiana, onde os interesses particulares, a concorrência e a própria socialização tornam o homem egoísta e individualista, pois está sempre preocupado em ultrapassar obstáculos. Isso está presente na sala de aula, na cobrança do professor, na disputa entre alunos para apresentar o melhor trabalho, etc.

Kant também discriminava o tipo de estudante com quem ele gostava de trabalhar, durante o período em que ministrou aula. Para ele, o estudante “tolo” (que pouco sabia) era impossível de ser educado. Por outro lado, o “gênio” estudava por si mesmo e não necessitava de ajuda. Restava o mediano, a quem ele participava os seus ensinamentos. Hoje, trabalhamos com todos os níveis de dificuldades e aprendizados em todos os meios sociais, mas o preconceito em relação a alunos mais carentes ou que se sobressaem em sala de aula existe, e não podemos fechar os olhos e fingir que essas coisas não estão acontecendo.

A moralidade, em Kant, desliga o homem de Deus, e ele passa a ser livre, o que é fundamental para a existência do cumprimento do dever e, sem ela, essa exigência perde o seu significado (Isso se dá na concepção kantiana, uma vez que, a concepção bíblica ou cristã, ao contrário do que defendia Kant, aponta que Deus criou os próprios anjos com liberdade de decisão, e essa liberdade, o livre arbítrio, foi repassado ao ser humano). Regido pelo respeito ao dever, “o sujeito kantiano é responsável pelo seu conhecimento e pelo seu comportamento diante do mundo” (ROHDEN, 1986). A pergunta é: a educação dá-nos essa liberdade, hoje, para cumprirmos de acordo com nossa consciência, o nosso dever? Essa liberdade não compromete a moral e ética na educação? Como avaliar a moral quando a minha consciência do dever me diz uma coisa que extrapola as normas e as regras civis? Dependendo do tipo de educação que recebemos e em que circunstâncias recebemos, podemos primar por uma moralização dos costumes regidos por normas e leis, ou por uma liberdade incondicional que questiona os tabus da moralização padronizada.

É importante formar estudantes críticos, porém a própria criticidade corre o risco de se tornar absoluta quando o educador, ao passar uma ideia para o aluno, tenta convence-lo de sua veracidade, ao invés de fazê-lo pensar por si mesmo.

Diante dos argumentos apresentados e, tendo como proposta de estudo, levar ao conhecimento de outros, uma simplificação direta e objetiva sobre o pensamento de Kant, contextualizando, fundamentando, citando e analisando equilibradamente a sua relação com o meio educacional, é possível concluir que, mesmo diante da complexidade de se estudar o pensamento tão profundo de Kant, houve um esforço na abordagem do tema em discussão, de se mostrar um vislumbre, pelo menos, da obra de Immanuel Kant, de forma objetiva e clara, para que, ao chegar às mãos de pessoas que não tenham referência a respeito desse autor, possam ler e entende-lo sem maiores complicações.

 

 

 

 

REFERENCIAS

 

COSTA, Luis césar Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. História moderna e contemporânea. São Paulo (SP): Editora Scipione, 2004

 

DIDEROT, Denis. Autoridade política. In: FREITAS, Gustavo de. Novecentos textos e documentos de História. Lisboa: Plâtano, 1977.

 

HALL, Evelin Beatrice. The friends of Voltaire (Os amigos de Voltaire). Londres: Smith,1906.

 

HOBBES, Thomas. Leviatã. Editora Nova Cultura, 1988.

 

KANT, Immanuel. Crítica do juízo. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril, 1974 (coleção Os pensadores).

 

______. Crítica da Razão Prática. Tradução, introdução e notas de Valério Rohden. Edição bilíngue. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

______. Crítica da Razão Pura. In: KEINERT, Maurício Cardoso. Crítica e autonomia em Kant:  a forma legislativa entre determinação e reflexão. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Filosofia. São Paulo, dezembro de 2006.

 

LARRIUCCI, Edson. In: Rousseau, Jean Jacques. O contrato social (1762). Edson Larrucci (monitor da disciplina história das ideias políticas; Universidade de Uberaba (SP). Disponível em http://monitoriacienciapoliticablogspot.com/. Acesso em 3.mai.2023.

 

LOPES, Eliane Marta Teixeira. As Origens da Educação Pública: A Instrução na Revolução Burguesa do Século XVIII. São Paulo (SP): Loyola. 1981.

 

MESQUITA, Jéssica de Farias. O conceito de sociedade civil em Kant.  Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – FFCH, Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PPGF, Mestrado em Filosofia; Porto Alegre (RS), 2014.

 

REVISTA Nova Escola, ano IV, nº 31, junho, 1982, p. 42

 

RESENDE, Antônio. Curso de filosofia para professores e alunos do segundo grau e de graduação. 10 ed., cap.7, Rio de Janeiro (RJ): Zahar, 2001.

 

ROHDEN, Valério. O criticismo kantiano. In: REZENDE, Antônio (Org.). Curso de filosofia – para professores e alunos dos cursos do ensino médio e graduação. 15ª impressão; Rio de Janeiro (RJ): Zahar, 1986.

 

ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. Jean Jacques Rousseau; tradução de Vicente Sabino Júnior; São Paulo: Pilares, 2013.

 

SOARES, Raimunda Lucena Melo. Filosofia da educação: limites e possibilidades. Belém, Universidade Federal do Pará, 1999.


quinta-feira, 9 de maio de 2024

Anotações de um educador no interior do Estado do Pará

 

         

         Entre alguns aspectos interessantes que fazia anotações de nossas práticas educativas relacionadas com a iniciação a pesquisa nas trocas de experiências com os educandos encontramos nossas experiências com os outros alunos e alunas nos municípios e localidades nos rincões do Estado do Pará. 

 

           Nessas nossas viagens através do Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, política pública voltada para atender os filhos dos trabalhadores rurais, quilombolas, indígenas, camponeses, assentamentos, vicinais, estradas entre outras categorias adquirimos um relativo material coletado através de entrevistas com a prática do recurso metodológico da História Oral, utilizado de forma importante nas conversas e diálogos com os mais antigos moradores das comunidades. 

 

           Vale destacar que nas décadas de 80, 90 e início de 2000 não tínhamos essas tecnologias atuais. Muitas das produções realizadas juntamente com os alunos/alunas e mesmo individualmente, foram perdidas já que as vezes não conseguíamos organizar por falta de equipamentos adequados, mesmo sem estimulo ou espaço para carregar nas sacolas de nossas viagens os frutos das escritas.  

 

           Garimpando ou fuçando as novas informações sempre tínhamos dados diferentes e novos que completavam as entrevistas realizadas anteriormente. Quanto as descrições dos personagens eram enfatizadas cuidadosamente, não podíamos deixar nenhum detalhe passar em branco, ou seja, sem ser abordado em nossas escritas; assim eram nossas impressões, comentários, opiniões e relatos das atividades pedagógicas, que eram paralelos ao conteúdo da grade curricular preparando os alunos para a cidadania.

            

           Assim, avançava a iniciação a pesquisa no ensino básico médio nos interiores do Estado do Pará, com as Ciências Humanas.   

terça-feira, 16 de abril de 2024

 








Olá, amigos e amigas!


No dia 19 de abril (Sexta-feira), às 17 horas, temos um encontro marcado e não percam a mesa virtual tendo como tema DITADORES QUE NOMEIAM RUAS NO BRASIL. UMA DISPUTA PELA MEMÓRIA, com a Dra. Dayseane Ferraz, organizada pelo Programa Diálogos Livres.


Mediação: Ribamar Oliveira 


Dia: 


19/04/2024 (Sexta-feira)


Horário: 17 h.


A transmissão será 

através do Canal Pororoca Cabana, no YouTube 


Contamos com a presença de todos!


Ribamar Oliveira

quinta-feira, 11 de abril de 2024

44 anos do SOME

 





Olá, amigos e amigas! 


No dia 15 de abril (Segunda-feira), às 18 horas, temos um encontro marcado e não percam a mesa virtual das comemorações dos 44 anos do Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, organizada pelo Grupo de Cultura/SOME e vamos conversar com os ex Professor@s, professor@s, ex alun@s, alun@s e amig@s desta importante política pública da Amazônia sobre suas habilidades artísticas.


A mediação AroDinei Gaia


Dia: 


15/04/2024 (Segunda-feira)


Horário: 18 h.


A transmissão será 


através do Canal Pororoca Cabana, no YouTube 

sábado, 30 de março de 2024

Programa Diálogos Livres - Edição 33ª






Olá, gente!   

                                                     

🔴 AO VIVO!

 

No dia 30/03/2024 (Sábado), às 17 hrs, temos um encontro marcado.       

 

  *Programa Diálogos Livres* em sua 33ª edição retornando neste canal de comunicação das redes sociais que debate temas de interesse da sociedade. Vamos ter um bate papo prazeroso, agradável e legal com os convidados.    

 

Vamos conversar com o Prof. ViniciusTeles, Vereador Fernando Carneiro e o Prof. Fernando Arthur,  tendo como tema A Ditadura Nunca Mais!

 

Mediador: Ribamar Oliveira

                                                                                               

 Esperamos vocês!  

                                                                      

Ribamar Oliveira


quarta-feira, 27 de março de 2024

1964: O que aprendemos depois de 60 anos?

 




Vamos participar!

Professora tem artigo publicado na Edição 11ª do In Formação

 





SOME - ARTIGO


Professora tem artigo publicado na edição 11ª do In Formação


A professora Nayana Dias Pajeu, do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME, foi uma das escolhidas, para ter seu artigo Jogos e Bricadeiras na Educação Inclusiva, publicado na 11ª edição, da revista IN FORMAÇÃO, do Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Pará, que objetiva publicizar pesquisas dos servidores e práticas que obtiveram sucesso nas escolas da rede pública.

Resumo - Em sua pesquisa, a professora Nayana Pajeú, ...enfatiza o valor das atividades lúdicas em sala de aula, entendendo os desafios que a educação atual, a qual deve garantir o acesso aos conteúdos básicos da escolarização para todos os alunos, especialmente aqueles que possuem necessidades educacionais especiais.

O objetivo é verificar a importância dos jogos e brincadeiras como metodologia da Educação Inclusiva. 

A metodologia utilizada foi uma pesquisa bibliográfica, realizada a partir de uma pesquisa virtual, com artigos disponíveis em sites de  conteúdos científicos. 

Nesse contexto, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (Lakatos, Marconi, 2010, p.166). É importante assinalar, nesse caso, que os jogos e brincadeiras são atividades que libertam e desenvolvem habilidades e, por conseguinte, favorecem a construção do pensamento reflexivo. _Nesse contexto, o docente deve estar ciente de que o lúdico não é a única opção para melhorar o ensino-aprendizagem, mas deve ser sempre visto como uma importante ferramenta que auxilia na melhora dos resultados por parte dos educadores preocupados em causar mudanças na educação atual.


Via:📰 Modular Notícias

sexta-feira, 8 de março de 2024

Dia Das Mulheres

 


Mulher

 

  Ribamar Oliveira

 

         I

 

Mulher,  sinceramente,  Mulher/

Mulher que luta e guerreira/

Quando entende o mundo/

Já não faz qualquer besteira.

 

              I I

 

Começa a se dedicar a aprender/

Quando aprende, faz para familiares e sociedade/

Ampliando seus horizontes/

Ninguém tem piedade.

 

            III

 

Quando casa, tem trabalho,  filhos e marido/

Caminha tudo junto/

Tem que arrumar casa,  passar ferro e ajeitar a família/

As vezes esquece dela em algum momento.


Dia das Mulheres

 



Mulher

 

  Ribamar Oliveira

 

             I

 

Tratar de mulher é tratar de empoderar/

Buscar reviver a luta feminina conquistada/

É entender os direitos adquiridos que são cerceados e negados/

É fortalecer uma sociedade não recatada.

 

          II

 

Falar de mulher hoje em seu dia/

É buscar fortalecer a independência feminina/

Tudo em processo de evolução/

Lutando pela melhor solução.

 

          III

 

Questionar políticas públicas para mulheres/

Faz parte de fazer lutar/

Todos juntos e juntas/

Para melhor comemorar.


Dia das Mulheres

 


História das Mulheres

 

      Ribamar Oliveira

 

          I

 

Esta história não são só delas/

Pertence  também a família,  a criança,  ao trabalho,  a mídia e a literatura/

É a história do seu corpo, sexualidade  e da violência/

Hoje é dia de refletir essa leitura.

 

            II

 

As imagens das mulheres são sublimes/

No século passado ganham visibilidades/

Sejam com livros e manifestos/

Todos e todas conhecem suas realidades.

 

           III

 

Abordar o cotidiano das mulheres e suas práticas femininas/

Umas seriam boas: mães e esposas/

Outras seriam odiadas e perseguidas: As feiticeiras, lésbicas, rebeldes, anarquistas, prostitutas e loucas/

Por isso conto essas prosas.


Às mulheres no Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME




Nesta data, oito de março, em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres, nós professores do SOME, queremos também prestar nossas homenagens a vocês mulheres, muito embora saibamos que todos os dias são seus. Vocês dão um quê de especial ao SOME, se já não bastasse seus filhos, vocês educam além seus alunos, nós, homens que convivemos com vocês ao longo da jornada do SOME. A música do tremendão Erasmo Carlos fala um pouco por nós quando ele canta “mulher, mulher na escola em que você foi ensinada, jamais tirei um dez, sou forte mas não chego aos seus pés”... de fato, vocês são fortes, guerreiras, determinadas, sabem pra onde vão e o que querem.

 

Uma parte significativa de professores do SOME que são mulheres, portanto, são protagonizadas da educação no campo, e em especial no Sistema Modular de Ensino.

 

A importância de vocês no cotidiano é fundamental já que lutam pela autonomia, justiça, igualdade e liberdade, além de atuarem na sala de aula, seus ensinamentos vão além, não se limitam a ensinarem para que seus alunos sejam aprovados no ENEM, vocês educam para a vida.

 

Sabemos que a educação deve ser construída coletivamente, com a participação de diversos sujeitos que integram e estimulam emancipação dos sujeitos, e a participação de vocês, mulheres professoras, é de suma importância.

 

Sabemos o quanto é difícil pra vocês mulher, deixarem seus afazeres, casa, filhos e lutarem por uma educação melhor e é isso que as fazem belas, amigas, mães maravilhosas, companheiras, únicas, encantadoras, enfim, pessoas especiais.

 

Que o dia 8 de março reafirme o ideal de liberdade e igualdade de gênero no contexto das lutas femininas, pois vocês mulheres merecem todo nosso respeito e gratidão pela sua importância no contexto social. Parabéns mulheres, estamos firmes e fortes com vocês.

 

Viva o dia oito de março! Viva as mulheres do SOME!

 

A vocês uma singela homenagem dos colegas professores.

 

Valdivino Cunha (Sociologia) e Ribamar de Oliveira (História)


quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

TODO BRASILEIRO É CAFUSO, MULATO E MAMELUCO




                    *Carlos Prestes

 

 

        Quanto que aprendemos quando tomamos a decisão de pegar aquele livro que estava quase que escondido entre outros tantos livros na estante empoeirada de nossa casa. O livro estava lá, nem sei quanto tempo, sem nenhuma utilidade aparente. Muitos anos, com certeza. Mas, de repente, bate aquela curiosidade de saber o que há lá dentro. Tantas palavras escritas, tantas páginas enumeradas que guardam o pensamento de alguém que dedicou tempo, suor, pesquisa, leitura, horas e horas intermináveis para colocar os seus estudos, as suas ideias, descobertas e conclusões naquele livro e mostrar ao mundo a sua obra prima. Aí você vai e revira os livros na estante, vai remexendo um por um, até que seus olhos se detêm num deles. Você o olha por alguns instantes e decide pegá-lo. Toma-o nas mãos, observa sua capa e resolve lê-lo.

        - Taí, gostei desse livro! Parece ser interessante. A capa é bonita e o título chama a atenção: A formação do povo brasileiro. É bom a gente conhecer um pouco da nossa história. Saber das nossas origens, da nossa formação. Depois, quando alguém perguntar, a gente vai saber explicar.

        Um livro que conta a história de nossas origens, do processo étnico, da formação de nosso país. Um livro contado por quem conhece essa gente, essa terra: O norte, o sul, o centro-oeste, o sudeste, como um caminhoneiro que atravessa o país de cabo a rabo, e se confronta com culturas diferentes da sua. Viajando nessas leituras, uma coisa me chamou a atenção em relação à formação do homem brasileiro, dos meus pais, dos meus tios, dos meus avós. Um de pele escura, outro de pele morena, outro de pele clara, outro diziam que era pardo. Gente de tantas cores diferentes numa mesma família. Aí eu pensei:  num país formado por três raças específicas: o branco (português/europeu), o negro (escravo) e o índio (nativo), e de cuja mistura nasceu o curiboca ou mameluco (branco com índio), o cafuzo (negro com índio) e o mulato (branco com negro), parece um tanto estranho pessoas de cor branca quererem fazer do Brasil uma Europa de sangue puro. Ou mesmo, na verdade, uma nova Alemanha com pensamentos e ações que ressuscitem o nazismo numa terra estrangeira.

        - Nazismo? Mas eu pensei que isso era coisa lá do outro lado do mundo. Como foi que isso chegou aqui? Nadando ou por terra?

        - Sei lá! Só sei que esse negócio de querer imitar tudo que vem de fora, um dia só podia dar nisso.

        O que tem a ver nazismo com racismo? O nazismo é também conhecido como Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, e foi considerado por historiadores como um movimento de extrema-direita. Esta ideologia foi responsável pelo extermínio de seis milhões de judeus, talvez até mais; seis milhões de seres humanos que tiveram suas vidas entregues nas mãos de homens, cujas mentalidades ensandecidas, vão além da compreensão humana. Mas não parou só nos judeus, pois outras minorias também foram perseguidas, como os ciganos, homossexuais e negros que, depois de presos, foram parar nos campos de concentração, onde, provavelmente, só coisas ruins os esperavam. Na mentalidade nazista, eram pessoas que não mereciam respirar o oxigênio dado ao ser humano de graça; pessoas imperfeitas, com sangue contaminado por um DNA inferior ao deles.

        - Vixi! Se essa moda pega aqui no Brasil...

        - Mas tem gente querendo que pegue. Não é a maioria, não. Mas é gente perigosa, que não gosta de paz, gosta de violência.

        Quem deu autoridade a um indivíduo de pele branca para achar-se superior a outro de pele diferente? Quem disse que a cor da pele concede a alguém o prêmio de estar no topo do mundo? Quem concedeu o direito a alguém de tirar a vida de uma pessoa negra, homossexual, judeu ou outro ser humano qualquer? A ideologia extremista com certeza tem pendido para o lado da loucura mental, porque esse tipo de ideologia em que pessoas se apegam tem se tornado um inimigo feroz da consciência, do livre pensar, pois está carregada de sentimentos baixos, como o orgulho, a vaidade, o individualismo, a arrogância, a soberba, a hipocrisia, o perfeccionismo.

        E a história dessas pessoas que padeceram e outras que ainda padecem nas mãos de gente insana? Onde elas estão agora? O que fazem? Parece que as suas histórias feitas de momentos felizes pararam em algum engarrafamento, numa rodovia de grande movimento, e, de repente, foram obrigadas a pegar um atalho, passando por tiriricas e flores com espinhos, sangrando os pés, as mãos, a dor forçando a lágrima a se desprender dos olhos. Não era essa a história para ser contada dessa gente, considerada por muitos, como sendo a minoria dentro de uma população. Tá, e se fosse? Os direitos não são iguais perante Deus e os homens, segundo a Carta Magna? Ora, rasgamos agora a Constituição Federal para retornarmos a uma monarquia absolutista? Ou quem sabe à “inquisição” da Idade Média? Já não basta tantas mortes de inocentes no passado? Ainda não aprendemos com tantos erros gritantes que as escritas da história, ao abrir suas páginas envelhecidas, tem nos mostrado? Não! Parece que ainda não aprendemos nada, ou quase nada.

        - E o povo lá quer saber de aprender história? Essa juventude quer saber é mais de jogos de game, de curtir música estrangeira. Lê dá trabalho, não dá? Cansa a mente. Se perguntar o que é racismo, discriminação ou preconceito, aposto que não vão saber dizer.

       Racismo é o termo que denomina discriminação e preconceito, que pode acontecer de forma direta ou indireta, contra uma pessoa, indivíduo ou grupos de pessoas de outra etnia ou cor. O preconceito é um juízo formulado sem qualquer conhecimento prévio do assunto tratado; já discriminar alguém é separá-la, excluí-la ou diferenciá-la do resto da sociedade ou grupo. Que desculpa arranjaremos agora, para dizermos que não sabíamos que tal coisa é racismo? Não temos desculpa. Vivemos na era da tecnologia, da informação por milésimos de segundos, estamos conectados com o mundo inteiro através das redes sociais, estamos longe e perto ao mesmo tempo. Quer verificar uma informação? Acesse o google. Quer se comunicar com grupos de amigos? Entre no whatsapp. Quer postar informações ou acessar informações, ou se conectar com amigos, ou conhecer novos amigos? Entre no facebook, acesso o youtuber, o twiter, o Instagram, o blog, etc., etc., etc. Então, porque ainda muita gente se comporta como se vivesse na Idade Média, sob os rigores de uma ditadura clerical, sem informação, sem conhecimento, sem acesso à leitura, como se estivesse proibido de adquirir cultura? Como se a cultura fosse algo pervertido, dissociado dos “bons” costumes sociais.

        Certo é que muitos imigrantes vieram para o Brasil em busca de melhores oportunidades. Boa parte desses imigrantes europeus se fixaram na região sul do Brasil e outros se espalharam pelo sudeste, e, também, pelo norte e nordeste. Depois deles, surgiram os seus descendentes nascidos em solo brasileiro, portanto, brasileiros natos. Alguns costumes e hábitos foram preservados, passados de pai para filho, de uma geração a outra. E, assim, o choque cultural foi inevitável, pois havia uma forte cultura deixada pelos nativos da terra, que encontrou colo nos costumes trazidos pelos negros escravos africanos, quer fosse nas danças, nas cerimônias, nas histórias memorizadas, nos cantos, quer fosse na culinária, no modo de se vestir, na fala, nos artesanatos, numa tentativa de preservação de sua memória. Essas culturas foram se mesclando aos hábitos e costumes, e crendices trazidas pelo homem branco e dominador.

        - É, a mistura cultural chegou aqui e ficou. Aqui tem música pra todos os gostos. Tem carimbó, tem baião, lendas do norte, lendas do sul, comidas típicas de cada região, uma mesma língua com sotaques diferentes, crendices, festas...

        Mas parece que muitos não sabem disso, não conhecem a história real do Brasil, contada por pessoas reais, descendentes de quilombolas, de linhagens de povos Tupis, Guaranis, Tupinambás, etc.; histórias que têm suas origens antes mesmo do Brasil ser chamado de Brasil; histórias de pessoas que foram forçadas a deixar sua pátria e vir para cá, não na condição de turistas, ou de trabalhadores com promessa de emprego com carteira assinada, moradia, alimentação e vale transporte. Não, nada disso. São pessoas que foram arrancadas de suas famílias, de suas raízes, de sua terra, de sua gente, e os seus sonhos também foram arrancados, sem chance de se repetir. Que o diga Castro Alves, um poeta negro do século XIX, uma testemunha viva do tráfico negreiro em terras brasileiras. Foi sim, um ativo defensor da liberdade, da abolição da escravatura no país do samba e do amor. Não foi à toa que escreveu o seu famoso poema Navio Negreiro, todo inspirado na figura heroica do guerreiro africano que, sob o poderio armamentista e ganância incontida do homem civilizado, tombou no meio da batalha, sendo levado como troféu vivo, arrastado pelos grilhões que lhe prendiam os punhos e os pés, e iam deixando suas marcas na areia do chão das terras africanas que iam ficando pra trás, no assoalho dos porões do navio, no corpo cicatrizado, entregue ao cansaço, agora, na condição de um pobre miserável que não era dono mais de si, mas, apenas, mais um produto a ser comercializado. Deixo aqui um pedaço dessa memória: “Senhor, Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se é deliro... ou se é verdade, Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas, Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...”

        - Gente sendo tratada como bicho. Oh! Mas nem os bichos deveriam ser tratados assim, de forma tão cruel, que não consigo encontrar nem adjetivos.

        Deus criou todos os seres vivos pelo sopro da sua boca, pela palavra, Deus falou e tudo se fez, e tudo passou a existir, mas, o homem, Deus fez com as suas próprias mãos, de forma diferenciada, e deu a ele inteligência e domínio sobre todos os animais, mas não sobre o próprio homem. E, naquele momento, não havia distinção de cor. Como essas distinções foram aparecendo? De onde surgiram as palavras Preconceito, racismo, discriminação? A escravidão de negros africanos acabou, foi abolida, mas parece que muita gente ainda não entendeu isso. Acham que vivem no tempo de sinhozinhos, de sinhás, de capitães do mato. E, no entanto, estamos no século XXI, num tempo em que assistimos a guerras reais entre países pela televisão, celular, computador.

        Porém, os noticiários estão repletos de casos de racismo, e de forma claramente exposta. Quantas pessoas atingidas que tiveram suas vidas, seu sossego, sua privacidade invadida? E os algozes pouco se importam com tamanho, idade, posição social, não, eles gostam é de machucar, sentem prazer na tristeza do outro. E quando são pegos em flagrante delito, ou são descobertos, arranjam as desculpas mais descabidas, numa tentativa de minimizar seu crime e escapar da punição: “Eu não sou racista. Falei por brincadeira.”, “Não foi bem isso que eu falei”, “Os pais do meu namorado são de cor escura também”, “Desculpa, foi sem querer.”

        - E quem recebeu a ofensa? Também sentiu por brincadeira ou ficou arrasado?

        Todas as dores são doloridas, seja num adulto ou numa criança, não importa. Quando alguém te barra a entrada numa loja, dizendo, disfarçadamente, que ali não tem o que você procura, sem ao menos perguntar o que você quer, e você vê pessoas de cor branca, bem aparentadas, entrando na loja sem serem molestadas, o que passa na sua cabeça? Você olha pro seu braço, olha pra sua pele, a sua pele é negra, a sua cor é negra. Aí você pensa: “Será que é por causa da minha cor?” De repente, cai a ficha: “Tá havendo preconceito aqui! Eu tô sendo discriminado!” Mas você nunca havia passado por isso. Não quer acreditar que isso está acontecendo com você. Sempre soube de notícias sobre racismo no Brasil, mas nunca pensou que um dia você seria a notícia.

        O que fazer? Você fica totalmente desarmado, olhando para aquela pessoa a sua frente, imaginando que o vê como um ser inferior, um pouco menos que meio cidadão, como era na terra de Ghandi quando a Inglaterra colonizou a Índia, em que indianos não podiam andar na mesma calçada que um cidadão inglês.

        - Quer dizer que o inglês era o intruso, e ainda mandava na casa do outro? Nunca aceitei essa ideia de colonização. Quem pediu pra ser colonizado? Quem pediu pra ser civilizado?

        E o mais triste de tudo isso, é que esses noticiários estão se tornando comuns, algo corriqueiro. Outra vez, enquanto os pais brancos de um menino negro adotado entravam em uma concessionária de carros caros para ver os modelos, o filho entrou em uma sala de espera onde havia alguns brinquedos e, ali, ficou, por algum tempo, se distraindo. Passados alguns minutos, o menino, cansado dos brinquedos, saiu da sala para procurar os pais. Ao vê-los, o menino foi em direção dos dois, mas, ao aproximar-se, o vendedor olhou-o e, não sabendo que era filho do casal, mandou que o menino saísse da loja imediatamente, dizendo que ali não era lugar pra gente da cor dele.

        - Sai daqui menino! Aqui não é lugar pra gente da tua cor!

        Os pais, naturalmente, ficaram indignados com a atitude do vendedor, e foram para as redes sociais denunciar aquele crime de racismo.

- Oi pessoal! Vocês nem imaginam o que aconteceu hoje com nosso filho, quando fomos a uma concessionária de veículos, pois pretendíamos comprar um carro. Nosso filho sofreu preconceito por causa da cor. Foi assim...

        A loja, como sempre, tentou se esquivar da culpa, enviando um comunicado à imprensa, dizendo que não comunga com atos de discriminação ou preconceito racial praticados por seus funcionários; disse também que zela pelo bom atendimento de todos os seus clientes, independente de cor, ou classe social.

        - Nós, da concessionária White Comunicamos à imprensa e a todos os nossos clientes que...

        De quem é a culpa, afinal? Do atendente? Do gerente? Da empresa? Por trás de toda empresa, que é construída de cimentos e tijolos, e ferros, existem pessoas de carne e osso que mandam e ditam as regras aos seus funcionários. Se o preconceito já vem de cima para baixo, como pará-lo? Como não se contaminar com seus tentáculos asquerosos que só fazem tornar uma pessoa hipócrita, pequena?

        Como será escrita a história da vida de uma pessoa, daqui para a frente, que sofreu preconceito racial? Que foi exposta na mídia? Que sofreu danos psicológicos que podem desencadear uma baixa autoestima, medo, sentimento de inferioridade, de rejeição? Somos seres humanos, sentimos, nos emocionamos, e a mente é uma incrível máquina que memoriza tudo, ou quase tudo, e deixa lá, naquele cantinho, guardado a sete chaves.

        - Você tá legal?

        - Tô!

        - Mas parece que não tá. Quer conversar um pouco?

        De vez em quando, essa caixinha da memória é aberta, e tudo o que estava agasalhado sai para fora, assim, de repente, como um vendaval, e vai bagunçando tudo pelo caminho. Aí, então, vem depressão, sentimento de inferioridade, tristeza, solidão, medo, insegurança. Sim, porque o ódio por outros seres humanos pode se transformar em tragédia, em violência física real e fatal.

        - E tudo isso por causa da pele?

        - Tudo isso porque pensam que são superiores, melhores do que nós. Porém, do que vale vestir uma roupa cara e ser pobre por dentro?

        Mas a voz não deve calar. Ela precisa gritar e continuar gritando para chamar a atenção da mídia, da população, do mundo, porque “vidas negras importam”. Lá fora, há muitos rostos ocultos, rostos que passaram pela triste experiencia da rejeição por causa da pele. Esses rostos precisam ser encorajados a se mostrarem, a denunciarem o preconceito que sofreram e que sofrem. Não é necessário que alguém morra para virar mártir, como aconteceu lá nos Estados Unidos. Não podemos esperar que uma vida se perca para sairmos às ruas e soltar a voz juntos, em multidão, porque todo brasileiro é miscigenado, tem um pouco do índio, do negro, do branco, tem sotaques diversos, hábitos culturais diversos, que se diferenciam de uma região para outra região do país.

        - Dizem que sou pardo, na minha certidão tá assim. Na verdade, em algumas instituições já passei por pessoa de cor escura ou morena. Mas na minha receita médica escreveram “cor branca”. O quê que tá acontecendo com o mundo? Querem mudar a minha cor com uma canetada?

        Esquecemos que o maior jogador de futebol de todos os tempos, o rei Pelé, é negro? Que Pixinguinha, Cartola, Martinho da Vila, Paulinho da Viola e tantos outros nomes imortais da música popular brasileira são negros? Que no carnaval – que junta todas as raças – predomina a cor negra? O famoso pastor americano Martin Luter king era negro. A lista parece não ter fim, pois temos Muhammad Ali, um dos maiores lutadores de boxe peso pesado de todos os tempos; Nelson Mandela, que foi presidente da África do Sul, e, também, considerado o mais importante líder da África negra; Harriet Tubman (1822 - 1913), uma jovem negra e toda sua família viviam em condições de escravidão numa fazenda, no leste dos Estados Unidos, fugiu e conseguiu libertar muitos outros. Durante a Guerra Civil Americana (1861 - 1865), serviu como voluntária, foi espiã, e liderou 150 soldados das tropas do norte contra os soldados do sul. Conseguiu a libertação de mais de 700 escravos dos Confederados. Tornou-se um símbolo americano de liberdade e coragem e seu rosto passaria a estampar a nota de vinte dólares no ano de 2020; Maria Firmina dos Reis (1825-1917), uma mulata, filha de pai negro e mãe branca, considerada a primeira romancista brasileira, publicou o romance Ursula, de cunho antiescravista; Sueli Carneiro (1950), uma das mulheres negras mais importantes da atualidade no Brasil, doutora em filosofia, criou o Instituto da Mulher Negra, um dos principais órgãos independentes da consciência racial no Brasil. É hoje uma referência do movimento negro nacional; Machado de Assis (1839-1908), um dos nomes brasileiros mais conhecidos no exterior, traduzido para inúmeras línguas, é considerado até hoje um dos maiores escritores do Brasil.

        - Quantas figuras ilustres nós temos no Brasil. Pena que muito brasileiro não saiba disso. É por isso que é bom ler bastante, mesmo. Quem lê, viaja, sai da frente da televisão, da monotonia da casa, do bairro, da cidade e vai correr os países, o mundo, o universo, o passado, o futuro...

        Quantos nomes deixaram de constar nesta lista. Os nomes são importantes, mas as pessoas são mais importantes que seus nomes. Pessoas são gente, vidas que passaram por esse chão e deixaram suas pegadas sem pensar que deixariam um legado pra negro ou pra branco. Simplesmente foram escrevendo suas biografias com seus sonhos, com seus calos, com suas lágrimas, com seus sabores e dissabores, com seus talentos. E deixaram. Deixaram um legado pra nossa geração e para a que há de vir.

        - Isso é importante. É muito importante. Tenho que recuperar o tempo perdido. Quero saber mais da formação do povo brasileiro. Quero conhecer as músicas, as danças, o folclore, as crenças...

        - Quem sabe assim a gente aprende a dar valor no que é nosso. A gente tem que defender a nossa história passada.

        Por isso, fico perplexo quando acesso o google pelo celular e vejo casos e casos de racismo sendo noticiado. Ponho-me aqui no lugar do outro, da vítima, e sinto como se minha identidade estivesse sendo pisoteada, e manchada, e rasgada em mil pedaços. Eu também quero existir, preciso existir, mas existir sendo eu mesmo, com minha própria pele, meu jeito de me vestir, de sorrir, meu belo cabelo em estilo Black Power ou não. Quero ter o direito de sair por aí e viver a minha liberdade de entrar no cinema sem ser barrado, pagar minha passagem e o cobrador não olhar pra mim desconfiado, passear no shopping, entrar nas lojas sem ser confundido com ladrão. Quero, quero muito sair por aí e não ter que ter sempre por perto alguém pra me defender, como se fosse um guarda-costas.

        - Isso aqui tá falando de mim. Eu já passei por esse tipo de constrangimento no ônibus. O cobrador pensou que eu fosse vendedor de bombom e mandou eu descer: “desce do ônibus, que é proibido vender bombom aqui!”

        Eu moro no país das diversidades, das cores múltiplas, do Samba, do Sertanejo, do Axé, do Funk, da Bossa Nova, do Rap, da MPB, do Brega, da Tropicália, da Jovem Guarda, do Batidão, da Sofrência. Todos esses estilos musicais têm entrada em todas as classes sociais. Lá, está também o estilo que me representa, que é a minha cor, o meu sangue, a minha etnia, que anima e faz todo mundo cantar e dançar. Então, por que eu tenho que ficar de fora do baile? Por que não posso entrar também? Cadê o meu rosto? O meu rosto são tantos e é um só, porque a dor é uma só em todos.

        Eu não quero mais viver na fantasia do carnaval, apenas aqueles dias de glória, com uma máscara cobrindo meu rosto, lavado de suor, pra depois, na quarta-feira de cinzas, depois que o Zepellin bater asas e voar, o prefeito, o juiz, o bispo, o banqueiro se voltarem contra mim, e incitarem o povo a jogar pedras na Geni.

        - Geni! Essa comparação foi forte.

        Eu não sou a Geni. Tenho identidade própria. Eu sou eu, um cidadão brasileiro, negro, estudante e trabalhador, da periferia ou do cento, de pais pobres ou da classe média baixa ou alta, tenho cabelos black power, liso, encaracolados ou trançados, tenho amigos que não se importam com minha cor, gosto de música que enalteça a vida, gosto de cantar e dançar como se estivesse cantando na chuva. Sou sim, um cidadão comum, como outro qualquer, que quer apenas estar de bem com a vida, que respeita e quer ser respeitado. Sou João, Antônio, José, Benedito, Raimundo. Tenho um nome muito comum, mas não se engane o leitor...  Eu não aceito mais calado qualquer tipo de preconceito contra mim. Por quê? Porque, assim como qualquer vida importa (a do branco, do cafuso, do mulato e do mameluco), vidas negras também importam.

        - É isso aí! Falou tudo! Vidas negras importam e ponto final!

 

Carlos Prestes - Curitiba (PR), 09 de maio de 2022.


*O professor Carlos Prestes é poeta e escritor.