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quarta-feira, 30 de julho de 2025

“Someando nas águas marajoaras”

 

 

           Levando em considerações que percorrer diferentes regiões do Estado do Pará faz parte das atribuições de determinados profissionais que se deslocam geralmente da capital do Estado para municípios e localidades. Percebemos que, no entanto, esta é uma profissão que, em geral, não recebe grande reconhecimento da sociedade em geral. Podemos apresentar a seguir, que serão feitas considerações relacionadas às viagens desempenhadas por profissionais dessa categoria no Pará, que são, em sua maioria, dos educadores do Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME), política pública gerenciada pela SEDUC/PA, que atende os filhos dos extrativistas, assentamentos, ribeirinhos, quilombolas, pescadores, camponeses, indígenas, ramais, estradas,... Esses educadores atuam durante toda a semana nas localidades em equipe, desenvolvendo tanto atividades pedagógicas em sala de aula quanto projetos de intervenções adaptados à realidade local, seja na comunidade ou na Escola de funcionamento dessa política pública. O SOME tem como objetivo ampliar o acesso dos alunos do ensino médio e do ensino fundamental da rede pública estadual. em colaboração com os municípios.

  

 

          O deslocamento dos educadores do Sistema de Organização Modular de Ensino é realizado por via marítima e terrestre, já que desde 2003 a Seduc deixou de oferecer transporte aéreo devido à centralização das escolas-polo. Isso faz com que educadores ainda enfrentem viagens longas e arriscadas, como a travessia para municípios da ilha do Marajó, onde o uso de embarcações é essencial, especialmente entre julho e dezembro, período de ventos fortes e maresia. Logo, essa situação acarreta riscos significativos para os docentes, tema que será detalhado em seguida.

  

          Vejam aí, durante uma travessia para um município marajoara, o barco atrasou cerca de duas horas devido ao mau tempo, partindo somente quando o comandante considerou seguro.  A travessia foi difícil, com o barco enfrentando tempestades e muita instabilidade, causando preocupação entre os passageiros, especialmente idosos. Apesar das condições perigosas, conseguimos chegar ao destino após oito horas de viagem pela baía. Essas viagens pelas ilhas do Marajó são sempre desafiadoras, especialmente para quem depende delas para trabalhar nas localidades ribeirinhas da região e adjacências.

  

          O retorno não apresentou grandes diferenças em relação à ida; saímos por volta de 1 hora da manhã, aguardando o tempo melhorar, pois as condições estavam ruins e enfrentamos bastante maresia durante o percurso, tinha momento que sentia medo, vinham tantos pensamentos, lembranças, deduzindo que poderia acontecer coisa pior. Com o passar do tempo, nos acostumamos com essa situação, apesar dos riscos conhecidos, e conseguimos manter um certo controle emocional, além de cuidar dos ocupantes da embarcação. Chegamos a Belém do Pará quase às 9 horas da manhã, todos ainda sob tensão, e o descanso foi difícil, já que mesmo com as redes atadas, era complicado dormir devido à preocupação e ao constante balanço da embarcação. Apenas ao chegar ao Porto da Estrada Nova foi possível sentir um alívio e a certeza de que tudo ocorreu bem e fui correndo para os braços dos familiares.


terça-feira, 15 de abril de 2025

Sistema Modular de Ensino no Estado do Pará: 45 Anos de Lutas e Conquistas

 


                                   Geandre Cavalcante 

                                   Ribamar Oliveira 


                           I

Nasce um sonho, um projeto a brilhar,

Quarenta e cinco anos de história a contar,

No coração do Pará, floresce o Modular,

Com professores, guerreiros prontos a ensinar.


                       II

Das entranhas da terra, em várias cidades,

Nova Timboteua e Igarapé-Açu, a brilhar,

Curuçá e Igarapé-Miri trazem realidades,

Onde a educação planta sonhos, faz flutuar.


                     III

Professores Itinerantes, voando sem temor,

Levando saberes ao abismo e ao altar,

Transformando vidas com amor,

Um legado que pulsa, sempre a ecoar.


                      IV

Histórias que ecoam nos sussurros da brisa,

Vivências que nas veias se entrelaçam,

Os poetas rabiscam memórias da lida,

Em ônibus, avião e rabetas, se abraçam.


                       V

Na luta cotidiana, os Educadores se levantam,

Punhos erguidos contra o CEMEP feroz,

Coragem que avança, as dores quebrantam,

Revogando leis que sufocam a voz.


                     VI

O SOME, farol que guia a jornada,

Ecos de esperança que a educação traz,

Nos movimentos que ecoam, a luta é sagrada,

Plantando a labuta, sem olhar pra trás.


                    VII

Celebremos a história, a vitória cativa,

De um sistema que educa e transforma a paz,

No Pará, cada passo, uma conquista ativa,

Quarenta e cinco anos de luta que nos faz.


                     VIII

Que venham mais anos de luta e aprendizado,

Com amor e garra, erguendo o amanhã, com nossa mão,

O Modular é um legado, nosso fado,

A força da educação, que nunca será em vão.

domingo, 6 de abril de 2025

Educação na Amazônia em Repertório de Saberes: o Siatema de Orgamização Modular de Ensino, volume III

 




Completando a trilogia, chegou o volume três, do livro “Educação na Amazônia em Repertório de Saberes: o Sistema de Organização Modular de Ensino”.


Participe do evento de lançamento. Adquira seu exemplar.


Organização de Marina Costa,  Sérgio Bandeira e Ribamar  Oliveira.  


Artigos:


PARTE I - MEMÓRIAS EM NARRATIVAS E AFETOS


1. SOME: Uma menção honrosa na Assembleia Legislativa do Pará


Marina Costa,

Ribamar Oliveira

Sérgio Bandeira.


2. Transamazônica: uma história não contada


Carlos Prestes


3. Ensino Modular em Cametá: Memória Desenhada Entre Percursos e Percalços       

 

Flávio Figueiredo


4. Resistências Indígenas na Seduc 


Ribamar Oliveira,

Marina Costa e

Sérgio Bandeira


PARTE II - TRANSPOSIÇÃO DE FRONTEIRAS: O SOME EM INTERSEÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO BÁSICA E A PESQUISA ACADÊMICA


1. Menino sonhador e as memórias do Magistério no Marajó


Agenor Sarraf


2. A organização do SOME em Santarém- PA, Brasil


Antelmara Silva


3. SOME: Uma abordagem autobiográfica na educação da Amazônia paraense


Luciandro Souza

Tânia Brasileiro


4. Interfaces sobre as condições de oferta e a Infraestrutura do SOME em uma escola do campo no município de Oeiras do Pará (PA)


Luiza Melo

 João Alves


 5. O Sistema Modular de Ensino em Abaetetuba: trajetórias de implantação e afirmação do SOME no Rio Piquiarana – Açu


Gevanildo Silva

 Sérgio Bandeira

 João Alves


 6. Relato de experiência sobre uma aula para a turma de 2ª série do ensino médio acerca do tema Termodinâmica


Auristeles Silva

Edinilson Souza


7. Avaliação Exploratória do Projeto de Organização Modular de Ensino Fundamental: Um Estudo de Caso no Pará (Brasil)    


Claudia Miranda      

Iorque Filgueiras          


8. Narrativas (auto)biográficas de um egresso do SOME sobre as travessias educativas ribeirinhas em territórios do campo amazônico


 Francisauro Costa

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Memórias de um professor de escola pública aposentado no Estado do Pará

 





           A escritora e romancista espanhola Rosa Montero em um de seus livros importantes denominado de A Louca da Casa, que mesmo desmemoriada confessa que conseguiu escrever esta obra de reminiscências, "suprindo sua amnésia com uma incrível imaginação", como disse Zuenir Ventura no livro Minhas Histórias dos Outros, mesmo sabendo do fundamental resgate das memórias e histórias de uma sociedade como historiador ou mesmo de uma história de vida. 





           Nós que escrevemos as memórias através dos fatos através das boas lembranças ou pesquisas e mesmo em muitos casos fazer valer com que o esquecimento reveja e repense momentos históricos deixados de lados, buscamos repensar como no dia de hoje uma data considerada para este blogueiro, que completa 35 anos de atuação no magistério na rede estadual.      

        Sendo um educador da área de História, logo que ingressei dois anos antes em escolas particulares e depois na escola pública sempre estava preocupado com os problemas das escolas por onde passei, as vezes sendo o “amigo da escola” para solucionar situações de interesses pedagógicos, administrativos e até políticos relacionados com o ambiente escolar, sendo assim, assumindo responsabilidades por uma educação digna e de qualidade.

        Sempre fui questionador, observador e defensor da categoria dos educadores e alun@s , estava analisando e refletindo no que podia melhorar, às vezes voluntariamente e motivava mais profissionais para seguir seus ritmos de atividades.

     Como educador, sempre me senti realizado, amava o que fazia e diversas vezes recebia o reconhecimento; assim como, encontrava desafios para a concretização de meus objetivos, idealizando projetos eficazes e de intervenções para comunidade escolar. 

         


           Como a memória nos faz rever a relação do passado com o presente, relembrar o dia 17 de maio de 1989, uma segunda-feira, no turno da noite, no município de Terra Santa, dava início a esta atividade profissional lotado no Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME no Ensino Médio, após a apresentação na Unidade Regional de Educação - URE do município de Santarém.




           O Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME está na veia, não podemos negar, que foram 29 anos desenvolvendo nossas práticas educativas nesta política púiblica e como construtor de sonhos ao longo dessa trajetória, foram excelências experiências e trocas de aprendizagens. Essas imagens retratam esta história de vida. 





           Como escola de vida, o SOME tem contribuído para a ampliação do conhecimento nos interiores do Estado do Pará e atualmente com diversos estudos acadêmicos, tem aprofundado as pesquisas em vários aspectos. O Sistema Modular é genuinamente paraense e serve como referência para inúmeros municípios, estados e países. É uma política pública muita questionada e discutida nas faculdades e universidades.  



  

           Como ex-educador e pesquisador do Sistema Modular, podemos afirmar que com esta dimensão territorial de nosso Estado, ainda vai demorar bastante e que esses 44 anos de implantação atendendo os filhos dos trabalhadores rurais, quilombolas, ribeirinhos, assentados, indígenas nos campos paraenses proporcionará excelentes profissionais como tem feito em seus objetivos. 




           E, assim, vamos construindo nossas histórias e nossas memórias!




































domingo, 3 de dezembro de 2023

Educação na Amazônia em Repertório de Saberes: O Sistema de Organização Modular de Ensino (VolumeII) - Um ano de lançamento

 




Hoje faz um ano que foi lançado o livro "Educação na Amazônia em repertório de Saberes: O Sistema de Organização Modular de Ensino",  Volume II, que promove debates e reflexões acerca das experiências da arte de ensinar e aprender. É de grande valor pedagógico, estimulante, energiza os educadores, com suas ações favoráveis à inclusão. Os artigos apresentados são decorrentes das pesquisas, das experiências da troca de saberes, entre a comunidade e professores pesquisadores que nos revelam olhares, que se movimentam em trilhas educativas e muitas vezes híbridas.

O SOME é uma política de estado consolidada que, com as suas estratégias pedagógicas, democratiza o acesso ao ensino com qualidade, estimula também o exercício do pensar, realiza sonhos e leva as comunidades a acreditarem em si mesmas.

O Volume II, propôs a revelar outras pesquisas e vivências. Os autores e autoras, professores e professoras, com base em suas pesquisas, relatam experiências que certamente, deram aos leitores e leitoras oportunidades de novas pesquisas, estimularam novos relatos de valorosas e ricas vivências. Organizado por profissionais dedicados ao empoderamento da sociedade civil, este volume revelou sensibilidade, angústias, amor, arte, exemplificou decisões difíceis, saudáveis e equilibradas, partindo de suas próprias realidades e interessantes.

Este foi mais um lançamento pela Editora Cabana! O lançamento foi muito concorrido, com mais de 100 exemplares adquiridos pelos presentes e aconteceu  no Espaço Cultural APOENA, no 03/12/2022, das 16:00 às 19h! Agradecemos tod@s que participaram do evento. O volume III, da Coleção,  se encontra no forno. Aguardem!




quinta-feira, 13 de julho de 2023

O meu primeiro módulo





Por: José Ribamar Lira Oliveira

O convite do companheiro de lutas e sonhos Eládio Carneiro Neto, editor do grupo Modular Notícias, deixou-me motivado e estimulado a escrever sobre as memórias do início do meu trabalho no Sistema de Organização Modular de Ensino –SOME. 

No final da década de 80, do século passado, com a conclusão do Curso em Licenciatura Plena em História, pela UFPA, com várias informações de colegas que já participavam do Projeto, submeti ao processo de seleção para ingressar neste maior projeto de inclusão social da Amazônia. 

Para quem era efetivo ou temporário, passava-se por esse concurso, fazendo testes relacionados a educação, projetos de intervenções na comunidade e entrevistas. Quando ingressei foram doze candidatos para três vagas e fui um dos selecionados para trabalhar, recebendo logo depois formação burocrática, metodológica e didática no Centro de Treinamento de Recursos Humanos “Arthur Viana” – CTRH, em Marituba, com as técnicas Sandra Paris, Rosa Gomes (Coordenadora do SOME), Ana Conceição, Ester Oliveira, Gloria Rocha e Delmo Oliveira. 

No final da formação fui comunicado que meu circuito seria Terra Santa, no primeiro módulo, Afuá, no segundo, Juruti, no terceiro e Almeirim, no quarto. Me surpreendi com o recebimento para onde teria que deslocar, já que não conhecia nenhuma dessas localidades. Neste momento, o entreposto seria Santarém, ainda, com uma ressalva, o meu calendário ficava entre um módulo e outro. 

Recebi minha passagem de avião até Santarém para o dia 13 de maio de 1989, no voo de 5h30. Cheguei na cidade uma hora depois, porém no mesmo horário que sai, já que tem diferença no fuso horário. Passei o dia todo na casa de uma amiga de minha mãe, D. Feliciana, esperando o barco que saia 19 horas, com destino a Oriximiná. Cheguei nesta, 4h30 da manhã, esperei amanhecer para poder tomar informações como chegaria em Terra Santa. 

Interessante, o que marcou era que o porto estava cheio de água, quando desci com minhas sacolas, a primeira foi para água, era que continha o material dos alunos e livros, não conseguindo salvar quase nada. As 16horas passa o barco para o meu primeiro módulo, chegando por volta das 23 horas. Os dois colegas da minha primeira equipe já estavam dormindo, quando bati na porta, se assustaram, então falei que era o novo colega de trabalho deles. 

Na verdade, os colegas era um casal, o psicólogo Kleber e a pedagoga Zuleide. Ela veio abrir a porta, então começamos a conversar sobre a estrutura e funcionamento do SOME nesta localidade, chegando portanto, no dia 14 de maio. Iniciei a trabalhar na segunda-feira, no Curso do Magistério, uma excelente experiência que obtive com a comunidade escolar. 

A comunidade foi bem receptiva. Os dois colegas concluíram seu módulo, chegaram mais dois: Ribamar Cunha, de Educação Física e Milton, de Geografia. Todos eles com vivência de sobra sobre o cotidiano do Modular. Conclui meu módulo em Terra Santa, fui para o município de Afuá, hospitaleira e cheias de pontes de madeiras. A comunidade local e escolar, também, foi bastante receptiva, ficávamos no Hotel de Dona Olga, que nos tratava como filhos. Uma excelente pessoa, como sua família. As equipes eram as mesmas. 

Em Afuá trabalhamos, também, com projetos incluindo a formação de professores do município. Aprendi muito, mesmo. No terceiro módulo, em Juruti, a cidade era bastante calma, diferente de Terra Santa e Afuá. Na primeira semana, sempre utilizando discurso revolucionário, fui convidado para trabalhar com formação dos trabalhadores rurais, com apoio da Igreja Católica e Sindicato dos Trabalhadores Rurais em dois finais de semanas. 

Com alunos do SOME, iniciei orientações com resgate da memória e história da localidade. Nessa atividade, o destaque foi o aspecto cultural. O último módulo foi no município de Almeirim, considerado nesse momento um dos municípios que recebia uma das maiores arrecadações do Estado. Tínhamos nossa casa na Vila, juntamente com o Juiz, o Médico e o Promotor; além de receber um salário mínimo a cada quinze dias. 

Nessa localidade, trabalhamos diversos projetos com a comunidade local, além do resgate da memória e história com os alunos do Ensino Médio Modular, trabalhamos com curso preparatório para os funcionários da Prefeitura que eram temporários, ressaltando que o curso foi financiado pela mesma. Outro projeto foi a formação de professores que atendiam o município. O ano de 1989 foi o último ano do Some na localidade, sendo implantado o Regular no ano de 1990. Gostaria de agradecer esse convite de poder externar o primeiro módulo e ampliar o ano que comecei minha trajetória profissional no SOME.

Via:📰 Modular Notícias

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

UM LUGAR CHAMADO AÇAITEUA

 



*Carlos Prestes

 

 

 

AÇAITEUA

 

Uma rua vermelha... De canto

Uma escola na entrada do lugar

Uma igrejinha, na qual o padre,

Vindo não sei de onde,

Vez por outra celebra missa.

Uma pracinha mal iluminada

Onde costumam se encontrar

Adolescentes enamorados.

Outra escolinha lá... No fundo da praça,

Esquecida.

Um carro de boi

Com um lamento ruidoso...

Eis o retrato de Açaiteua.

 

(Carlos Prestes)

 

 

 

       Há casos e casos a se contar. Casos amorosos, trágicos, horripilantes, tenebrosos, sim, casos e casos. Principalmente quando você já trabalhou como professor do Sistema Modular. Quantas histórias devem estar guardadas na memória de cada um desses professores aposentados e ativos. Quanto de histórias que já se perderam no esquecimento do tempo; e quantas histórias que já foram enterradas na morte de um professor. Se têm-se, atualmente, mil e trezentos professores ativos no SOME, temos, pelo menos, mil e trezentas histórias de memórias para contar. Ninguém precisa ser escritor pra dar vida a uma história de memória, basta soltar a voz e contar para alguém que, com habilidade suficiente para escrevê-la, irá imortaliza-la no blog do Riba, nas redes sociais e, também, muito provavelmente, em livro impresso.

       Deixe-me apresentar-me. Meu nome é Emos. É um nome fictício, assim como os nomes dos outros personagens que aparecerão nessa história. Porém, apenas os nomes são fictícios, porque a história é totalmente verdadeira, assim como tantas outras histórias narradas por autores do SOME, como as histórias do professor Abir Arievilo.

       Traçando essas linhas em meu velho notebook, companheiro de todas as horas, que me aguça a imaginação, levando-me aos tempos em que fui um professor itinerante do SOME, lembrei-me – Como não poderia deixar de lembrar? – de casos e mais casos por onde passei, nas caminhadas pelo interior do estado do Pará. Ah! Naquele tempo, tudo era mais difícil para o professor, creio eu. No meu caso, muitas vezes, deixava Belém, onde eu morava, e rumava para algum município do interior, indo de barco ou de ônibus intermunicipal. Raras vezes, peguei avião. Isso acontecia apenas quando ia pra região da Transamazônica ou do sul do Pará. O avião saia de Belém direto pra Altamira. De lá, do aeroporto, íamos, eu e outros colegas professores, de táxi, direto para o ponto das kombis. Essas kombis nos levavam para o município onde iríamos trabalhar, desafiando a estrada escorregadia e lamacenta da Transamazônica. Que experiência incrível! A kombi atolava, deslizava de um lado pra outro, o motorista acelerava pra não atolar, mas atolava. Todos os homens saiam do carro pra ajudar a desatola-lo, apenas as mulheres e crianças ficavam no seu interior. Uma vez, como eu era inexperiente, fiquei atrás da kombi para empurra-la. Quando o motorista acelerou, aquele monte de lama amarela veio pra cima de mim. Tiramos a kombi do atoleiro, mas eu cheguei em Uruará por volta das seis da tarde – tínhamos saído às dez da manhã – com roupa e sapatos todos sujos daquela lama amarela e barrenta, que, no banho, tinha que fazer muito esforço pra tira-la do corpo, dos cabelos, da roupa e dos sapatos também.

       E a bagagem? Ah, a bagagem era outro problema! Eu, particularmente, levava duas: uma com roupas e outra com material de aula: livros, muitos livros, uma resma de papel, estêncil, álcool, canetas, lápis, fitas de vídeo, fitas kassete e, às vezes, até gravador e uma máquina de fotografia. Com os livros, eu reunia a turma em equipes e colocava-os pra fazerem pesquisa, uma vez que, quase sempre, não havia bibliotecas nos lugares pra onde íamos. Os livros também serviam para montar junto com os alunos e alunas, uma sala de leitura, e isso foi feito em alguns municípios carentes, como distrito de Fernandes Belo, também conhecido como Vila Quitéria, e  Açaiteua. Os livros também ajudavam muito na elaboração de seminários e defesa de trabalhos em equipe, fazendo com que alunos e alunas socializassem aquilo que estavam lendo e, com isso, era mais fácil assimilar o conhecimento.

       Naquele tempo, não havia, ainda, o programa do governo federal “Luz para todos” e os municípios do interior do Estado do Pará, quase que inteiramente, pelo menos todos por onde passei, eram iluminados por geradores, que funcionavam a partir das seis horas da tarde e eram desligados por volta das onze horas da noite. Imaginem o sufoco das donas de casa, que tinham que aproveitar esse tempo – de mais ou menos cinco horas de energia elétrica – pra colocar a geladeira pra funcionar e gelar água, fazer gelo, congelar comida pra não estragar, fazer picolé, chope (conhecido também como geladinho), além, é claro, não podemos esquecer, da televisão, da novela das seis da tarde, da novela das oito da noite. Alguns donos de bar tinham seu gerador próprio, outros que não tinham e dependiam dos geradores da cidade, enchiam seus freezers horizontais com gelo, cerveja e refrigerantes pra que a mercadoria não ficasse empatada e pudessem comercializar. Assim era a vida nos interiores do Pará até os fins dos anos noventa, e o professor do SOME conhece toda essa história, todos esses relatos, toda essa fartura de cultura.

       Nós vivemos um tempo que a nova geração, essa, que veio depois de nós, não conheceu, a não ser por livros e fotos, imagens, como se estivessem olhando pra dentro de um museu com peças de antiguidades, de um tempo que se foi. Nós somos as peças antigas, nós somos essas antiguidades, nós somos esse imenso museu arqueológico. Quanta riqueza há em nossas memórias! Memórias vivas, que se mexem! Memórias de tempos incríveis da máquina datilográfica, manual ou elétrica, onde, em dias de aula ou de provas, eu colocava a folha de papel chamex junto com o estêncil, e passava parte das manhãs escrevendo textos e elaborando provas. Aquele barulhinho característico das teclas da máquina quando eu escrevia (tec, tec, tec...), com dedos ágeis das duas mãos, ainda sibila na minha mente, e me enche de nostalgia. Naquele tempo, era comum fazer um curso de datilografia básica pra aprendermos a usar a máquina.

       Quando os textos estavam terminados, era hora de tirar cópias no mimeógrafo, aquele aparelho de cor amarela, que reproduzia cópias a baixo custo e que foi substituído, depois, pela impressora e pela máquina de Xerox, assim como a máquina datilográfica foi substituída pelo computador. E como era o procedimento para uso do Mimeógrafo? Colocava-se o álcool azulado num compartimento interno do aparelho, numa espécie de estufa, preparava-se o estêncil na posição para impressão, arrumava-se o papel sem pauta no mimeógrafo e, então, começava o processo de impressão, rodando a manivela existente ao lado do aparelho. Logo, as folhas de papel iam saindo copiadas. Era assim, naquele tempo. Nem carecia de energia pra máquina datilográfica funcionar, nem pro mimeógrafo. Era tudo muito simples e econômico. Mas tudo foi ficando pra traz, tudo ficou obsoleto: a máquina datilográfica, o estêncil, o mimeógrafo amarelo, o álcool azulado, os geradores, tudo virou peça de museu, guardados como relíquias de um passado do qual, nós, geração de oitenta e noventa, vivenciamos. Essa palavra – obsoleto – não deveria nunca ter sido inventada, pois torna inválido não apenas coisas materiais, mas o próprio ser humano.

       Como não lembrar, também, do telefone fixo, colocado na sala de casa, pra que todos pudessem ouvir quando tocasse? Como não lembrar dos orelhões, das fichas para fazer ligação que, depois, foram substituídas pelos cartões digitais? Como não lembrar das agências da Telepará espalhadas pelo território paraense, onde eu, pelo menos, uma vez por semana, me metia numa fila, esperando a minha vez de telefonar. Antes, tinha que dizer à telefonista, o destino da ligação:

       - Pra Belém!

       E isso tudo, tinha um custo a pagar. “Tempo bom não volta mais, saudade de outros tempos iguais!”, esse slogan era do Lilica, personagem humorístico do programa de televisão “Balança, mas não cai”. Que grande verdade trazem essas palavras. O tempo não volta, nem para, como dizia o Cazuza. Ele segue em frente, e nós tentamos acompanha-lo, mas até onde? Até quando? O tempo não é material nem concreto, nem psicológico. Isso tudo é invenção humana pra satisfazermos a nossa alma, uma tentativa de preenchermos um vazio inexplicável na nossa trajetória nesse mundo. E nós vamos ficando para traz, enquanto o tempo continua avançando e construindo novas histórias.

       Ah, mas essa não deixarei que passe! Ainda há tempo de conta-la, de registra-la na memória das pessoas, pelo menos por algum tempo. Eu estava em Açaiteua, interior de Viseu, com meu amigo professor, que vou chamar aqui de Tós, e a amiga professora, que vou chamar de Aivlis. Era uma sexta-feira, já começando o final de semana e aquela era a última aula da noite. O lugar era bem pequeno e pacato. Havia uma rua principal de chão batido e vermelho, uma escola municipal logo na entrada, uma fila de casas à beira da rua principal, que se prolongava por uns quinhentos metros ou um pouco mais. Quase no final da rua, havia uma pequena praça, e é claro que havia, também, uma igrejinha católica no centro – sempre há – bem em frente à praça, marcando território. Descendo a praça, do outro lado, havia uma escola estadual, com, aproximadamente, quatro salas de aula e uma secretaria, se não me falha a memória. A escola era bem pequena, e funcionava, pela manhã e à tarde, com o ensino básico fundamental, e, à noite, com o ensino médio do sistema modular. A maioria dos professores eram nossos alunos. A escola não parecia ter cores, e, se já tivesse tido algum dia, havia desaparecido com o passar dos anos.

       Do lado da escola, descendo pela rua da pracinha, dobrando a próxima rua que passava por detrás da igreja, estava a casa dos professores, uma casa de madeira, com um pequeno pátio, sala, dois quartos, um banheiro entre os quartos, uma cozinha e um pequeno quintal. A casa era de uma ex-aluna nossa que fora passar um empo em Belém.

       Naquela noite, depois das aulas, noite de sexta-feira, de tênue luar, um luar de quarto crescente, portanto, de uma noite não tão clara, mas também não tão escura, o professor Tós e a professora Aivlis já estavam de malas prontas pra embarcarem no ônibus da Boa Esperança, que passaria, naquela noite, lá por volta de uma hora da manhã. E eles sabiam que não podiam perder aquele ônibus, pois era o único por noite. Se perdessem o coletivo, só no outro dia, ou melhor, só na outra noite. E eles pretendiam aproveitar o final de semana com as suas famílias e voltar pra Açaiteua na segunda-feira pela manhã. A viagem durava em torno de sete horas. Então, deveriam chegar a Belém, por volta de oito da manhã.

       Foram para a beira da estrada, em frente à pracinha, onde ficaram esperando pelo seu transporte. Cerca de uma hora e vinte minutos da madrugada, lá vem o Boa Esperança buzinando alto pra que as pessoas que pretendiam viajar, não perdessem a viagem. Os professores embarcaram e eu voltei pra casa com a lanterna na mão, enquanto a buzina do Boa Esperança ia se distanciando dos meus ouvidos, trazendo calmaria e silencio ao lugar.

       A noite estava linda, muitas estrelas e o quarto crescente flutuando no céu. Esse foi mais um privilégio que tive na minha vida de professor itinerante: ver a noite interiorana com meus próprios olhos, uma noite selvagem e virgem, toda original em sua beleza única, indescritível, que fazia com que a noite parecesse mais enegrecida, uma escuridão que contrastava com o brilho das estrelas, milhares de estrelas a piscar no céu. Uma noite perfeita para casais de namorados, ao som da viola de algum cantador, entoando uma bela serenata.

       Durante a noite, por volta das três da madrugada, ouvi batidas na janela do meu quarto. No início, não liguei, mas, depois, as batidas foram ficando cada vez mais fortes. Eu quis acreditar que era apenas vento forte. Liguei o gravador que estava bem próximo da cabeceira da cama e aumentei um pouco o volume do som. Depois de alguns instantes, nova batida na janela.

       - Bam... Bam...

      Parecia que queriam arrancar as tábuas da janela. Pensei em mil coisas: visagem, ladrão. Mas ladrão não faria todo aquele barulho sabendo que tinha gente na casa. Não, não podia ser ladrão. Então pensei: se não era ladrão e nem vento, só podia ser.... Visagem?

       A casa estava toda na escuridão, pois, como eu disse anteriormente, lá, também, não havia energia elétrica, a não ser um gerador que era ligado das seis da tarde até às onze da noite, tempo suficiente para fechar a escola e professores e funcionários correrem para suas casas, uma vez que as aulas terminavam às dez e meia da noite. No meu quarto havia uma lamparina a querosene que iluminava parte do ambiente, mas a minha imaginação já estava a mil por hora, rodeada de elementos sobrenaturais. Peguei o revolver trinta e oito que levava comigo e o coloquei debaixo do travesseiro. Ao mesmo tempo, aumentei, mais uma vez, o volume da música que tocava no gravador. Lembro-me, claramente, uma das canções que ouvi antes de adormecer. Era a canção Fim de reinado, de Martinho da Vila, que diz assim:

Estás bonita

Nesse alto de colina

Tão feminina

Como a brisa da manhã

Por toda a noite

Dominaste o firmamento

E um punhado de estrelas

Ajudou-te a governar

Mas, eu lamento

Teu reinado já termina

E essa colina

Tá aí pra te abrigar

Vá pra outras terras

Minha formosa Jaci

Ou te escondes atrás da serra

Porque o Rei já vem aí...

       Fiquei nesse sobressalto até quando o dia começou a clarear. Então, não aguentando mais de tanto sono, adormeci. Sobrevivi àquela noite macabra.

       É necessário fazer um parêntese aqui sobre a história do revolver. Acontece que eu, antes de me formar em Letras e Artes, já fazia parte da polícia cientifica, ocupando o cargo de papiloscopista e, quando comecei a dar aulas pelo SOME, nos fins de semana, realizava operação documento (emissão de carteiras de identidade civil) nas localidades em que me encontrava, com carta de autorização do Instituto de Identificação que eu apresentava à autoridade local, quer seja à prefeitura ou à autoridade policial.

       Pois bem, dada essa informação, retornemos à história. No dia seguinte, sábado pela manhã, atualizei alguns textos, corrigi redações e fui ao igarapé que ficava a uns cento e cinquenta metros de casa. Lá, havia alguns banhistas aproveitando o dia ensolarado pra matar o calor.

       O resto do dia foi monótono e solitário, parecendo que corria lentamente com os passos de um bicho preguiça. Aos poucos, a tarde ia se recolhendo, e o rei Guaraci, se despedia de mim, lá, longe, por entre os montes, como se me dissesse:

       - Não se preocupe, não tenha medo, amanhã bem cedinho eu estarei aqui de novo!

       Ainda, por mais alguns momentos, era possível ver a paisagem panorâmica no horizonte. As poéticas imagens que o Guaraci deixava reluzir antes de se esconder por entre as árvores da serra do Piriá. Como não admira-las. Como não se vislumbrar com aquilo que parecia algo sobrenatural. Um tipo de poesia impossível de se descrever, embora eu tenha tentado. Peguei papel e caneta e pus-me a escrever ou descrever a poesia daquele lugar, que me invadia os recantos e os labirintos d’alma. Oh, sim! A poesia está solta, livre na natureza, no mundo real e palpável. Está diante de meus olhos, desnudada, simples e, ao mesmo tempo, humilde e glamorosa. Aquele era o momento, e, ela, parecia que me dizia:

       - Escreva, porque esse momento não tornará a se repetir! O tempo não volta e as coisas envelhecem, perdem o seu vigor e a sua originalidade. Escreva a vida em toda a sua plenitude.

       E eu escrevia e escrevia e escrevia... Finalmente, a noite começou o seu processo de ressurreição, e as imagens da Serra do Piriá, naquela localidade de Açaiteua, já se apagavam, não podiam mais ser vistas. Do batente da casa dos professores, sentado, eu apreciava o nascimento da Jaci, que clareava a noite com suas milhares de súditas, estrelas de todas as formas, com brilhos intensos, umas mais distantes, outras mais próximas, umas maiores, outras menores, e, no meio de todo aquele emaranhado de luzes, tive a impressão de poder vislumbrar as constelações do Cruzeiro do Sul, de Andrômeda, da Ursa Maior, da Ursa Menor, do Cão Maior, do Cão Menor, do Pégaso, da Fénix, de Órion, todas esplendidas. Ah! Eu também vi a famosa Estrela D’alva, a estrelinha dos enfeites de natal que costumávamos construir na escola com cartolina ou isopor e papel laminado, e a pendurávamos na parece da sala de casa. Ela estava ali, com sua cauda imensa, que se arrastava pelo firmamento afora. Uma estrela cadente correu, de repente, cruzando o espaço sideral, e eu fiz um pedido – todo mundo faz – que ficou guardado no íntimo da minh’alma, que se regozijava com a apreciação de toda aquela beleza interplanetária.

       Quantas pessoas não deviam estar fazendo o mesmo que eu, naquele momento, em algum lugar do planeta. Casais deitados na grama do quintal, ou no alto de um monte, amigos, familiares, com telescópio, admirando as belezas da criação divina. Sim, um cenário tão perfeito não pode ter surgido do acaso, pois foi feito de forma organizada, com leis que sustentam os planetas e os astros no vazio do espaço; leis que impedem que nós sejamos puxados para o espaço sideral; leis que fazem com que o planeta gire em volta de si mesmo com uma velocidade em torno de 1666 km/h, e em torno do sol com uma velocidade de 107 mil km/h; leis que retêm o sol fixo, em seu lugar, e que não permitem que ele se aproxime nem se distancie da Terra apenas alguns graus, porque isso, ou aqueceria a Terra demais, ou a esfriaria demais. De qualquer modo, toda vida no planeta morreria. Ah! São as leis físicas que proporcionam esse milagre? Sim, de certa maneira, mas quem criou as leis físicas? Elas não podem ter surgido do acaso. Há que ter um autor, uma mão poderosa, com certeza, que sustenta esse universo. O cristão chama-o pelo nome de Deus. Esse, que é o grande arquiteto do universo, o engenheiro insuperável, o primeiro dos poetas, sublime nas suas criações, que fazem com que os olhares dos poetas humanos, nas suas pinceladas, recriem a poesia que já existia, cujo material, que nos serve de inspiração, foi-nos dado com grande fartura.

       Finalmente, entrei na casa, fechei a porta, fui para a cozinha preparar alguma coisa para comer. Enquanto estava ali, na mesa, me alimentando, podia ouvir o canto das cigarras do lado de fora. Era o único som que chegava a mim. Fora isso, tudo era silêncio, como se tivesse sido decretada uma lei marcial, proibindo qualquer tipo de barulho ou pessoas transitando pelas ruas, após as oito da noite. Instantes depois, tomei um banho e fui ler um pouco. Lia e escrevia. Alguns de meus poemas e contos nasceram em momentos assim, em plena solidão, paz e silêncio. Só eu, a casa dos professores e a natureza. Aquele ambiente me empurrava, automaticamente, em direção ao papel e à caneta. A mente, fértil em imaginação, me inspirava a registrar todo o entorno daquele ambiente, em palavras poéticas, como se sondasse todo o interior de minh’alma, sem que nada pudesse escapar.

       Quem pode descrever o estado d’alma de um poeta? Quem se aventura a dizê-lo? Cada poeta tem o seu próprio caráter e personalidade, a sua história de vida, suas experiências, angústias, frustrações, alegrias, momentos de prazeres, vitórias e derrotas. Já dizia o Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor/Finge tão completamente/que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”. O poeta, às vezes, sem dar por si, carrega, em seus ombros, as dores e as alegrias do mundo. E por quê? Porque o poeta é um pensador que consegue enxergar no mundo físico o invisível; que consegue ouvir em meio a tanto barulho a canção muda. Um pensador também carrega em si uma desilusão, pois não consegue enxergar no mundo apenas as belas cores do arco-íris, mas enxerga, também, a fotografia em preto e branco, descolorida, sem a beleza da luz. Não como o ser comum enxerga, mas de tal forma que o preto e o branco lhe ferem a alma que há dentro da própria alma.

       A voz de Cecília Meireles também ecoou dizendo: “Eu canto porque o instante existe/E a minha vida está completa/Não sou alegre nem sou triste/Sou poeta”. Que contraste entre forças antagônicas (alegre/triste). Então, o poeta é algo entre a alegria e a tristeza, um pouco de cada ou nada de nada. O instante que existe – pra ela – pode trazer tristeza ou alegria, frustração ou contentamento. É assim com o ser humano. E é assim também com o poeta que, por um instante, pode ter a felicidade em suas mãos, mas no instante seguinte, os sofrimentos do mundo podem arrancar-lhe todo o sorriso do rosto. Então, vivemos de detalhes, de pequenas porções que a vida nos dá. E, no final das contas, temos que ter sabedoria para administra-las. Por conta disso, eu me sinto como um poeta, que, acima de tudo, nunca foi um super-herói invencível, como os das revistas de gibis, nunca deixei de ser humano, e que tenho meus momentos de alegrias e de frustrações, como qualquer outra pessoa, como qualquer um mortal.

       A energia do gerador foi-se embora, tudo ficou escuro, pois Já passavam das dez da noite. Nos finais de semana, quando não tinha aula, o gerador era desligado mais cedo. Peguei imediatamente o fósforo e acendi a lamparina com querosene; a luz voltou; não uma luz forte como a do gerador. Era uma luz tênue que clareava parte do ambiente do quarto, que continha uma cama de solteiro, uma mesinha e um guarda roupa com duas portas. Coloquei a lamparina sobre a mesinha, perto do gravador, e arrumei-me para deitar.

       Adormeci ao som de uma bela música romântica dos anos 90, A beleza da Rosa, de José Ribeiro. Poetas também amam, também ouvem músicas românticas, além da MPB raiz. Naquele tempo, música romântica era música romântica. E parece que as novas gerações de compositores dos anos dois mil e dez pra cá estão perdendo, gradativamente, a inspiração, com exceção, é claro, de alguns bons compositores que fizeram belas canções. Os poetas da música popular brasileira estão morrendo e parece que a qualidade das composições atuais não está sendo reinventada pra melhor. Será que isso é mania de saudosista? Será que é pura nostalgia de quem já passou dos cinquenta e não consegue ver muita beleza nas canções atuais? Música tem que conter poesia, poesia tem que conter musicalidade, como nas canções de gesta de Provença e do trovadorismo português.

       Eu fico falando e narrando coisas, e me pego viajando por idos da Idade Média, por castelos de Notinghan e pelas florestas de Robin Hood. Tenho que voltar ao presente. É preciso. Se não, como esta história se encerrará? Pois bem, voltemos ao presente. Num determinado momento, nem sei se estava acordado ou sonhando. Sei que ouvi batidas que vinham da porta uma, duas, três vezes, com insistência. As batidas pareciam distantes, mas ficavam cada vez mais fortes:

       - Toc-toc-toc... Toc-toc-toc...

    Despertei, de repente, num salto. Olhei o relógio. Eram Uma e meia da madrugada. Ouvi barulho de motor de carro lá fora e as batidas insistentes na porta. Saí do quarto e fui para a sala. Perguntei quem era. Nenhuma resposta. Perguntei novamente. Nenhuma resposta. Completo silêncio. Quando bateram novamente, eu prontamente respondi:

       - Se não dizer quem é eu vou atirar! – Eu estava com o trinta e oito na mão, pois, até então, eu não tinha a mínima ideia de quem poderia bater à minha porta àquela hora da madruga. Não me vinha ninguém à mente. O professor Tós e a professora Aivlis estavam em Belém e só iriam chegar em Açaiteua por volta das duas da tarde de segunda-feira. Na localidade, eu não conhecia ninguém que tivesse tamanha intimidade de bater na minha porta àquela hora da madrugada.

       De repente, ouvi alguém dizer lá fora, parecia a voz do condutor do veículo:

      - É melhor a senhora falar logo quem é. Ele disse que tá armado e pode atirar. É perigoso.

      Aí, então, ouvi uma voz conhecida:

- Sou eu, Emos! A Zete!

- Zete? O que estás fazendo aqui a essa hora da manhã?

- Abre a porta, depois te conto!

       Abri a porta e ela entrou. Era a minha esposa que tinha ido pra Açaiteua com meu filho, o pequeno Biel, a fim de me fazer uma surpresa. Passado o susto e as explicações, fomos, finalmente, dormir. Confesso que foi uma bela surpresa. Não me senti mais tão só, nem me preocupei mais com os fantasmas e visagens que rondavam aquela casa, querendo me assombrar.

       A minha esposa ainda me surpreenderia muitas outras vezes, com sua chegada inesperada em outras localidades do Marajó, da Pará-Maranhão, da Transamazônica. Essas são outras linhas e outros papéis em branco pra serem escritos, porque essa história não termina aqui. A história de cada um de nós nunca termina, enquanto houver chão pra pisar.


*O autor do texto é escritor, poeta e ex professor do Sistema de Organização Modular de Ensino - SOME(SEDUC/PA).