Valdo Rosário Sousa
“Aqui é o meu coração humano, cristão, católico, coração de padre, te dizendo pelo amor de Deus, não vote no candidato da esquerda. É uma ideologia do mal, diabólica, para a pessoa humana, para a sociedade e para as nossas Igrejas. Meu irmão cristão católico, meu irmão cristão evangélico, pelo amor de nosso senhor Jesus Cristo, ponha a mão na sua consciência, confronte-se com a moral cristã, peça o Espírito Santo, e veja que não dá de você endossar, apoiar, votar na esquerda do nosso Brasil.” (post publicado nas redes sociais pelo Padre Manoel Júnior, vigário da Paróquia de São Domingos de Gusmão, da cidade de São Domingos do Araguaia/PA.).
Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo, especificamente da Igreja Católica Apostólica Romana; a palavra católica, vem do grego kata, que significa junto, de holos que é todo, portanto, é universal; a Igreja é apostólica, porque foi criada pelos apóstolos; é romana porque a sede está na cidade de Roma, na Itália. O que tornou a Igreja Católica universal e que permaneceu e permanece por mais de 2.000 anos de existência, foi a ideia de mudar de paradigma e de se adaptar a política, cultura e a arte quando a força de imposição eclesiástica, unida aos reis e imperadores, não foram suficientes para mantê-la, como única representante do cristianismo; por isso e por outros fatores, temos vários irmãos de credos diferentes. O cristianismo tem como essência saber conviver com as pessoas de credos religiosos diferente do nosso e, que pensam politicamente diferente de nós. Podemos discordar de qualquer posicionamento dos nossos irmãos, mas temos a obrigação de respeitá-los.
O conceito de política vem também do grego politikós, que deriva de polis (cidade), e de tikos, que significa bem comum. Assim o conceito de política significa cidade organizada. Podemos entender, por essa minuta, que a política é ação imanente (secular, coisas do mundo físico) e não transcendente (que transcende a razão e o mundo físico, e entra para o espiritual); isso não significa que os cristãos não possam participar da política; pode e deve, porque somos imanentes.
O porquê desta descrição sobre religião está relacionado ao post do caríssimo Padre Emanuel Júnior citado acima. Assim, podemos fazer alguns questionamentos e perguntas fundamentada numa hermenêutica, teológica, política, filosófica, sociológica e histórica, referente ao post do padre: - Pe. Manoel Jr, qual passagem da bíblia o senhor usou para sustentar suas afirmações? Qual passagem do direito canônico justificam elas? Qual encíclica papal comprovam vossas afirmações? Qual outro documento da Santa Sé o senhor usou para sustentar este post? Qual documento ou orientação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) sustentam sua ideologia que a esquerda é do demônio? Qual documento ou orientação do Arcebispo da Arquidiocese de Belém, Dom Alberto Taveira justificam suas teses? Qual documento ou orientação do Bispo da Diocese de Marabá Dom Vital Corbellini dão alicerce para essas declarações e pedido? Qual corrente, sociológica, histórica ou filosófica sustentam suas falas?
Nós, católicos de esquerda de São Domingos do Araguaia repudiamos seu post, não o senhor, por vários motivos: primeiro que suas insinuações, afirmações e acusações que a esquerda representa o demônio no Brasil, não tem nenhuma fundamentação na Bíblia e em nenhum documento da Igreja Católica Apostólica Romana. Também, a sociologia, história e filosofia nenhuma sustentam suas afirmações.
Caríssimo Pe. Manoel Jr, nós católicos de esquerda, votamos no Lula não é porque consideramos o Bolsonaro e seus eleitores um demônio, e sim porque defendemos um Estado laico, todavia, com respeito a qualquer religião; votamos na esquerda porque acreditamos que a função do Estado é não substituir a segurança pública pelo incentivo de porte de armas... Muitos de nossos irmãos, neste momento estão com fome, não por opção, mas porque estão a margem daqueles que querem transformar o Estado laico numa teocracia; muitos ver na política uma maneira de exclusão social; eles transformam a política numa guerra ideológica, psicológica e física. Lembrando Padre Manoel Jr, este comportamento pode vir de representantes de esquerda ou de direita; portanto, demonizar um grupo é a maneira mais eficaz de manter a violência entre nossos irmãos.
Nós, de esquerda, acreditamos num Estado que promova a paz e não a discórdia; acreditamos num Estado que garanta saúde, reforma agrária e também apoio e segurança a propriedade privada que produza alimentos e riquezas ao país; incentivo à educação, ciência e tecnologia, arte e cultura; tanto para nós, como também aos adversários políticos; poderíamos elencar vários outros motivos. Padre não confunda política com teologia, a inquisição felizmente acabou no século XVII; o senhor é um representante da Igreja e de Deus em Domingo, sua responsabilidade conosco é muito grande; o senhor não é padre somente para seus iguais, mas também para os que não concordam com o senhor politicamente e teologicamente. O papel do senhor é intermediar pensamento antagônicos na nossa Paróquia, e não incentivar a discórdia entre nós. A política é a arte do bem governar, portanto, a política não é uma disputa entre Deus e o Demônio. As pessoas não são boas ou ruins, porque são de esquerda ou de direita; as pessoas são boas ou ruins por vários fatores, inclusive religiosos.
Nós, cristãos, nos diferenciamos quando temos a capacidade de perdoar e pedir perdão, desculpar e pedir desculpa, de sermos capazes de convivermos e respeitarmos os que pensam diferente de nós; o cristianismo não se caracteriza em acusarmos as pessoas de serem demônio e de que representam o mal, só porque não são da nossa ideologia política-religiosa.
Não se esqueça Padre Manoel Jr, das cinco vias de Santo Tomás de Aquino sobre a existência de Deus. O senhor é fundamental na conscientização política na nossa Paróquia, incentivando o respeito entre aos que tem pensamento político diferentes. A política é feita entre adversários e, não entre inimigos, não é uma briga entre o bem e o mal ou o mau, lembre-se de Santo Agostinho.
Não podemos disseminar a discórdia e o ódio entre nossos irmãos, porque se fizermos isso, chegaremos a isto, os principais motivos de extorsões e falso-moralismo no universo religioso, são esses: as tentativas de muitas instituições religiosas, ou líderes que querem transformar Deus em um instrumento político-partidário, econômico e moral a partir de suas ideologias, tanto transcendentes quanto imanentes.
Padre Emanuel, para encerrar, nós, católicos de São Domingos, não queremos demonizar o Bolsonaro e seus eleitores, e sim discutirmos política, não somente pela paixão, mas também pela razão; não somos inimigos políticos de nossos irmãos de direita, somos apenas adversários; podemos e devemos continuar com a amizade com eleitores de Bolsonaro e com o senhor, não queremos defenestrar vossa pessoa , apenas queremos que seja estimulador da paz entre nós, basta que todos nós tenhamos a capacidade de tentarmos fazer um pouco do que Cristo, Santa Maria, os Apóstolos e os Santos fizeram. Nós católicos podemos ser de esquerda ou direita, esta opção não tem nenhuma relação com a frase “estar a serviço do demônio”. Para encerrar, Jesus nunca discriminou os pobres, os excluídos por motivos políticos, religiosos e morais, pelo contrário, acolheu todos aqueles que eram renegados pela sociedade da época, não podemos crucificar Jesus pela segundo vez. Respeitamos seu post, todavia não concordamos com ele... Somos seres humanos, quando somos capazes de reconhecer nossos erros e pedir desculpas, pedir perdão e, sobretudo, quando somos capazes de perdoar; somos cristãos, quando somos capazes de reconhecer nossos pecados e, sobretudo, capazes de nos ajoelharmos diante do Pai e pedir perdão, não só a Ele, como também aos nossos irmãos e irmãs os quais consideramos amigos e, principalmente, aos que se declaram inimigos. Bolsonaro e Lula, são apenas candidatos a presidente da República, nenhum representa Deus ou o Diabo na terra.
Como estamos na semana de aniversário de São Francisco de Assis, não podemos esquecer de seu testemunho com relação ao amor ao próximo; assim como a influência dele, nas ações de caridade, humildade, tolerância religiosa e política do grande missionário, o Papa Francisco que, carinhosamente, podemos chamá-lo de Chiquinho. Nós, cristão católicos ou de outras religiões, temos no Papa Francisco um exemplo de como é possível conviver com quem pensa diferente de nós. Padre Emanuel, encerramos esta discussão com um abraço de paz, porque o que nos une é muito maior do que o que nos separa, podemos ouvir agora ouvir A oração de São Francisco de Assis:
Senhor
Fazei-me instrumento de vossa paz
Onde houver ódio que eu leve o amor
Onde houver ofensa que eu leve o perdão
Onde houver discórdia que eu leve a união
Onde houver dúvidas que eu leve a fé
Onde houver erro que eu leve a verdade
Onde houver desespero que eu leve a esperança
Onde houver tristeza que eu leve a alegria
Onde houver trevas que eu leve a luz
Oh, mestre!
Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado
Compreender, que ser compreendido
Amar, que ser amado
Pois é dando, que se recebe
É perdoando, que se é perdoado
E é morrendo, que se vive
Para a vida Eterna.