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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Educação na Escola Pública: Um olhar de Dalcídio Jurandir


                                                       


                                                      Maria de Fátima Santos de Oliveira*


O debate educacional percorre os mais diversos caminhos historiográficos, inclusive aquele que nos permite estabelecer o diálogo entre a história e a literatura.

Diante desta perspectiva, procurei fazer uma abordagem da educação pública no Estado do Pará percorrendo a literatura dalcidiana através da obra Passagem dos Inocentes e como suporte teórico a micro-história.

A micro-história é mais uma das contribuições científicas que podemos lançar mão para se obter o passado, o que implica dizer que não devemos nos limitar em documentos escritos oficiais, mas também utilizar narrativas, fruto de como os sujeitos viveram e pensaram sua própria existência. No dizer de Ginzburg (1989) [...A singularidade na micro-história (...) assume o paradigma indiciário ...], este é um modelo epistemológico baseado na interpretação dos indícios sobre o passado. Portanto, a educação elemento ou fragmento usado na obra narrativa é um indício de um contexto maior no período em estudo, revelado pela contribuição literária do marajoara Dalcídio Jurandir.

 Passagem dos Inocentes, é a obra escolhida para sinalizar os “sintomas da doença” educacional do século XX, pois traça um perfil educacional em Belém no Grupo Escolar “Barão do Rio Branco”, Escola esta que foi palco da vida estudantil deste escritor nos anos de 1922 a 1924.

O orgulho da Escola, percebe-se nas suas palavras [...o caminho para o Barão, passava pelo Grupo Escolar do Largo de Santa Luzia, o Doutor Freitas, e espichava o beiço: esse – um aí? Coitado. Não tinha a boa parecença do Barão, este sim...] (1984). No entanto Alfredo fica decepcionado com o método das aulas, era obrigado a decorar datas, fatos que o deixava perplexo, por isso duvidava do que ouvia da professora. Veja o fragmento: [...Quem em mil quinhentos e quarenta e nove chegou na Bahia? E isto dos Séculos? Tempo contado em cem anos?  Era de verdade um tempo? ...] (p.115). Estas memórias de Dalcídio Jurandir, pontuam indícios da educação escolar do século XX baseado na concepção de transferir o conhecimento para o aluno simplesmente memorizá-lo. Observe mais uma vez o que diz Alfredo sobre suas aulas no Grupo Escolar “Barão do Rio Branco” [... lições giz cobria a pedra de máximo divisor comum, volumes, quantias, governadores-gerais, coisas do mais puro faz de conta (...). A maçã de que saia a fração, cadê a maçã?...] (p.116). São fragmentos que a literatura dalcidiana nos conduz a uma reflexão do processo ensino aprendizagem, ou seja, no século XX aquela era a melhor aula, pois o aluno queria mais.


Na imaginação de Alfredo a aula bem que poderia ser diferente, ele dá a seguinte sugestão: [...Pela porta do lado, procurar as mangueiras do fundo e sem estames ou pistilo chamar os alunos: esta vocês conhecem de berço. Olhem se tem manga, vamos comer umas e olhar o caroço, olhem uma ali grelando, e as folhas, o que estão vendo nas folhas? Já viram um reino de formiga todo ocupado em carregar cargas e cargas de folha? Quanta folha em Cachoeira nem uma agora para a lição de coisas na mesa da professora...] (p.116). Observe que o aluno propõe o uso dos objetos concretos mas que não são utilizados pela professora, isso nos dá a dimensão da inquietude do aluno que tem na escola um aparato pedagógico, mas não tem a melhor aula. Talvez porque a professora usava muito mais o aparato pedagógico e curricular em detrimento da contextualização do cotidiano do educando.

Sem perder de vista que o paradigma da época é tradicional, convém lembrar que Alfredo sugere uma aula mais dinâmica e criativa. No entanto, o procedimento metodológico da professora é outro, por isso, o aluno infere-se a angústia de ter uma aula fora do seu contexto social, por exemplo, quando lembra o seu cotidiano, como as mortes e a sujeira no Umarizal contrastando com a beleza e limpeza da Estrada de Nazaré e se pergunta o que sei de tudo isso? Que é que as professoras vão explicar  no Barão? Ou não vão saber?...] (p.214). Observa-se que o contexto social, da qual faz parte Alfredo era separado pelo muro escolar, ou seja, a obra Passagem dos Inocentes apresenta indícios de como era a aula do passado. Fica explicito que era uma aula baseada no paradigma tradicional, onde decorar datas, sem de fato entrar no significado do que se estudava e o uso da memorização se sobrepunha aos saberes do cotidiano do educando.

E hoje o que mudou na vida escolar?

Rubem alves  (1999) faz também reflexões sobre o aspecto desinteressante do ensino e constata que a escola não seduz o aluno. Ele fala [...assombra-me a incapacidade das escolas de criar sonhos.  Enquanto isso, os meios de comunicação, principalmente a televisão que conhecem melhor os caminhos dos seres humanos vão seduzindo as pessoas com seus sonhos pequenos...].

Os caminhos literários do escritor Rubem Alves e Dalcídio Jurandir, estão associados a uma impossibilidade de a escola oferecer práticas pedagógicas interessantes aos alunos. Esta situação está intimamente associada à formação do professor, também, que muitas vezes contribui para que seus alunos sejam omissos e desinteressados.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais [...A lei Federal 9.394, de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, destaca o papel importante da escola e lhe confere propostas inovadoras...] (1998), como exemplo, o paradigma da Pedagogia das Competências, fundamentada em dois eixos temáticos como a interdisciplinaridade e o uso do cotidiano no contexto escolar. Por essa proposta de ensino os alunos não devem ser moldados para reproduzir conhecimentos. Como diz Perrenoud (1999)[...é impossível avaliar competências de forma padronizada...], ou seja, a avaliação assume dimensão de acompanhamento e procura desfazer o caráter de punição tradicionalmente utilizado nas nossas escolas. O paradigma das Competências não ignora os conteúdos e propõe que a interdisciplinaridade deve ser trabalhada através das temáticas ou projetos educacionais. Nesta perspectiva, o cotidiano passa a ser fundamental para a aprendizagem.

É importante lembrar, que a obra Passagem dos Inocentes sinaliza questionamentos sobre o método educacional do século XX, pois, o método tradicional da educação já é controvertido para Dalcídio Jurandir. Na fala de Alfredo quando ele diz “que é que as professoras vão explicar no Barão”?. Ele quer explicação para os acontecimentos do dia-a-dia como: greve dos coveiros, greve das costureiras da fábrica Aliança, morte de tantas crianças na Maternidade da Santa Casa, porque morava num cheio de lama? Porque os doutores só faziam conferências em vez de acabar com as mortes dos anjos?. Enfim, essas reflexões já sugerem uma nova abordagem educacional do século passado.

Edgar Morin (2002), nos alerta [...O ser humano é a um só tempo, físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico. O ser humano é totalmente desintegrado na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível apreender o que significa o ser humano...]. Em outras palavras significa dizer que o uso do cotidiano escolar é importante na medida em que o aluno é visto como ser humano em toda sua globalidade. Diante desta afirmativa posso concluir que Alfredo é o porta-voz do aluno, mas o aluno inquieto pelo descaso social, o aluno visto como ser global, pois s inquietações educacionais de Dalcídio Jurandir são tão atuais como Edgar Morin, Perrenoud, Rubem Alves, Paulo Freire e outros.

Enfim, o cotidiano de Dalcídio Jurandir também é marcado de angústias e incertezas seja por ter sido preso no antigo Presídio São José, seja pelo desemprego por diversas vezes, contudo, contrariar todos os obstáculos como preconceito por ser pobre, negro e ser natural da Amazônia já o fazem digno e respeitado não só pelas convicções políticas como pela obra literária. E mais, Dalcídio vivencia o caos social da República e pela visão crítica de mundo que possui faz denúncias desse caos, entre eles, a educação pública vigente no século passado.




 REFERÊENCIAS

Alves, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência – o dilema da educação. SP: Loyola,1999. 11ªed.

Ginzburg, Carlo. Sinais:Raizes de um Paradigma.In:Mitos,Emblemas: Morfologia e História:trad-SP:Companhia das Letras, 1989

Jurandir, Dalcídio. Passagem dos Inocentes. Belém: Falangola, 1984

Morin, Edgar. Os Setes Saberes Necessários à Educação do Futuro.Trad.SP: Cortez, 2000
Parametros Curriculares Nacionais: Mec, 1998

Perrenoud, Philippe. Construir as Competências desde a Escola: Porto Alegre: ArtMed.1999


*A autora é Professora Especialista em História do Brasil, História da Amazônia e atuando na EEEFM "Maria Gabriela Ramos de Oliveira". Texto produzido durante a especialização na Universidade da Amazônia- UNAMA, com apoio da Secretaria Estadual de Educação - Seduc, em 2005.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A AMAZÔNIA COMO ESPAÇO IDENTITÁRIO LITERÁRIO - II Parte




Entrevistas de um percurso: Amazônia, paisagem, dor e poesia


Aqui, iremos percorrer por alguns caminhos que foram importantes às personagens de nossa cultura e que nos deixaram legados valiosos para tornar nossas identidades, ainda mais amazônica, e encher-nos de orgulho por fazer parte deste território.


Segundo Halbwachs 2006 p.31“Para confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários testemunhos no sentido literal da palavra, ou seja, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível”. Essa memória aguçada sempre em lembrar lugares, pessoas e objetos, mexendo com nossa sensibilidade identitária cotidianamente está bem definida em Halbwachs (2006 p. 170):


Assim, não há memória que aconteça em um contexto espacial. Ora, o espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se sucedem umas as outras, nada permanece em nosso espírito e não compreenderíamos que seja possível retomar o passado se ele não tivesse conservado no ambiente material que nos circunda. É ao espaço, ao nosso espaço – o espaço que ocupamos, por onde passamos muitas vezes, a que sempre temos acesso e que, de qualquer maneira, nossa imaginação ou nosso pensamento a cada instante é capaz de reconstruir.



Segundo Bosi (1997: p.81) o momento de desempenhar a alta função da lembrança, não porque a sensação se enfraqueceu, mas porque o interesse se dobra a quitessência do vivido. Cresce a nitidez e o número de imagens de outrora, e esta faculdade de relembrar exige um espírito desfeito, a capacidade de não confundir a vida atual com a que passou, de reconhecer as lembranças e opô-las as imagens de agora.


Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais. Aturada reflexão pode preceder e acompanhar a evocação. Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão a da localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição se existe uma memória voltada para ação, feita de hábitos, e uma outra que simplesmente revive  o passado, parece se, esta a dos velhos, já libertos das atividades profissionais e familiares. Se tais atividades nos pressionam, nos fecham o acesso para evocação, inibindo as imagens de outro tempo, a recordação nos parecerá algo semelhante ao sonho, ao devaneio, tanto contraste com nossa vida ativa. Esta repele a vida contemplativa.



Nesse estado de espírito que autores nos mostram sua fascinação pela Amazônia e principalmente por Belém deixando sempre extravasar sua contentação por sua terra natal. Existem vários momentos que tornamos público fantásticas alucinações pelas coisas da Amazônia sejam por ruas, seja por crenças, seja por frutas, seja por essências do Pará ou por pessoas. E é nessa abordagem que visualizemos tais percursos amazônicos. 



PAISAGEM

Primeiramente, tomo como objeto, algumas paisagens que ficaram guardadas na memória das pessoas e que hoje permanecem intactas mesmo que, esse espaço tenha mudado ou desaparecido. Recorro aqui à definição de Chantal & Raison, p. 138:

Paisagem, palavra de uso quotidiano, que cada pessoa utiliza a seu modo; o que não impediu de se tornar um vocábulo à moda. Paisagem, uma destas noções utilizadas por um número sempre crescente de disciplinas, que muitas vezes ainda se ignoram. Paisagem, enfim, um dos temas clássicos da investigação geográfica. Conforme o interesse do que é objeto ou uma maneira como se encara a própria noção de paisagem difere. Se um geógrafo, um historiador, um arquiteto se debruçarem sobre a mesma paisagem, o resultado de seus trabalhos e a maneira de conduzi-los serão diferentes, segundo o ângulo de visão de cada um dos que a examinam.

Segundo Eduard Glissant 2005 p. 14 “nesses tipos de espaços, o olho não se familiariza com as astúcias e finezas perspectiva; o olhar abarca com um só impulso a platitude vertical e o acúmulo rugoso do real.”





Ver-o-peso

Mangal das garças
 



A visualidade corresponde registro um dado físico e referencial; a visibilidade, ao contrário, é propriamente, semiótica, partindo de uma representação visual para gerar um processo perceptivo complexo claramente marcado como experiência geradora de um conhecimento contínuo, individual e social (Jameson, 1994). Na visibilidade o olhar e o visual não se subordinam ou conectam-se um ao outro, como ocorre com a visualidade, ao contrário, ambos se distanciam um do outro para poder ver mais. Estratégico e indagativo o olhar da visibilidade esquadrinha o visual para inseri-lo, comparativamente, na pluralidade da experiência de outros olhares individuais e coletivos, subjetivos e sociais, situados no tempo e no espaço. (Ferrara, 2002, p. 74)

Pça Batista Campos

Vista parcial de Belém
                       
 


 A recuperação do significado em nossas paisagens comuns nos diz muito sobre nós mesmos. Uma geografia efetivamente humana crítica e relevante, que pode contribuir para o próprio núcleo de uma educação humanista: melhor conhecimento e compreensão de nós mesmos, dos outros e do mundo que compartilhamos. (Cosgrove, 1999, p. 121).








Forte do Castelo
Rio Guamá










As variadas formas de recordar, nos impulsionam e nos fazem reviver fatos de uma memória coletiva focada em determinada época, segundo Halbwachs (2006, p. 29):


não basta que eu tenha assistido ou participado de uma cena em que havia outros expectadores ou atores para que mais tarde, quando estes a evocarem à minha frente, quando reconstituírem cada pedaço de sua imagem se transforme em lembrança.



A lembrança, até de pequenos detalhes ou lidos ou vividos, nos faz reviver de qualquer lugar. Atentando Para fatos que aconteceram, basta apertar a tecla da memória e, o que nos fez bem ou mal vem ao nosso pensamento. Para Halbwachs 2006 p.29 “se o que vemos hoje toma lugar no quadro de referências de nossas lembranças, inversamente essas lembranças se adaptam ao conjunto de nossas percepções de presente”.




1964 relatos subversivos os estudantes e o golpe no Pará: Paes Loureiro, Ruy Barata, José Seráfico, Ronaldo Barata, Isidoro Alves, Pedro Galvão, Roberto Cortez, André Nunes. Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à “Memória Oficial”, no caso a memória nacional. (...) Por outro lado, essas memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados.Para  Michael Pollak 1992 “A memória entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos de preferência onde existe conflito e competição entre memórias concorrentes.”
Tomaremos aqui, alguns trechos do livro André Nunes, Relatos subversivos: os estudantes e o golpe militar no Pará que nos mostrará a cidade de Belém servindo como espaço de sofrimento:                                                                                                
a camionete arrancou, levando-nos num interminável desfile pela cidade, escoltados por viaturas do Exército, até o quartel-general da Oitava Região Militar, na Praça da Bandeira, seguindo um curioso itinerário que incluiu bairros tão fora de mão como São Braz,             Marco, Pedreira, Telégrafo e Umarizal. Éramos o grande troféu do             grande feito das forças armadas do Pará no golpe militar de 1964. (p. 18).
Os soldados entraram quebrando tudo. No comando o coronel José Lopes de oliveira já entrou dando um tapa no rosto de Jose Seráfico de Carvalho, meu colega na Faculdade de Direito. (p. 19).
Vi o medo no ar. E vi, por fim, o oficial, talvez um capitão, que subcomandava a invasão, na porta da sala onde se encontravam os estudantes encurralados. (p. 20).
“Comunista safado!” Ouvi perplexo aquele insulto, que me feriu as enfibraturas de rapaz. (...) como destoava do senhor gentil, ponderado e de voz mansa, com quem duas ou três vezes, conversei sobre livros nos corredores da Livraria Jinkings, na rua dos Tamoios. (pp. 24-5)
Fui jogado na masmorra, e a porta se fechou atrás de mim com um clanc. Era a porta da cela da Quinta Companhia com um postigo no alto e mais de duzentos anos no costado de acapu. A mesma primeira porta à esquerda de quem entra na Casa das Onze Janelas, só que hoje é um elegante vidro fumê, e por isso ela se ingressa no Boteco das Onze. (p. 26)

POESIA


Outra forma de tornar presente na memória e mexer com nossa identidade utilizando a imaginação de maneira apropriada, passagem de uma vida saudosa e lembrança que nos trazem recordações de relatos que nos envolveram ou envolveram outros, são os poemas marcantes que temos sobre a região, e aqui ganhará o enfoque de Iser e o seu leitor implícito.


Para Wolfgang Iser:

Os estudos focados nos modos como os textos tem sido lidos e assimilados nos vários contextos históricos, com o objetivo de reconstruir as condições históricas responsáveis pelas reações provocadas pela literatura; os estudos voltados para as reações e suscitadas nos leitores pelo efeito estético, entendido como interação que ocorre entre o texto e o leitor (1999,p.20).



A teoria iseriana do efeito estético, mesmo estando fundamentada no texto, considera que tanto o texto como o leitor tem um repertório de conhecimento e normas sociais, estéticas e culturais que fazem uma interação no instante da leitura. Essa interação, segundo Iser, é prefigurada por um leitor implícito, este conceito permite a projeção do sujeito no ato da leitura. O texto a seguir faz uma interação com o leitor e mesmo quem desconhece os termos citados na poesia criará em seu pensamento formas de interagir com ela:



AMAZÔNIA

Sim eu tenho a cara do saci,o sabor do tucumã
Tenho as asas do curió,e namoro cunhatã
Tenho o cheiro do patchouli e o gosto do taperebá
Eu sou açaí e cobra grande
O curupira sim saiu de mim, saiu de mim, saiu de mim...
Sei cantar o "tár" do carimbó, do siriá e do lundú
O caboclo lá de Cametá e o índio do Xingu
Tenho a força do muiraquitã
Sou pipira das manhãs
Sou o boto, igarapé
Sou rio Negro e Tocantins
Samaúma da floresta, peixe-boi e jabuti
Mururé filho da selva
A boiúna está em mim
Sou curumim, sou Guajará ou Valdemar, o Marajó, cunhã...
A pororoca sim nasceu em mim,nasceu em mim, nasceu em mim...
Se eu tenho a cara do Pará, o calor do tarubá
Um uirapuru que sonha
Sou muito mais...
Eu sou, Amazônia!
                                                                 Nilson Chaves



Assim, na poesia acima, recorremos ao que foi estipulado por Lopes e Bastos 2010 p.205 afirmando de maneira categórica as especificidades constituídas do espaço, do tempo, do modo de vida do homem amazônico e a identidade cultural amazônica que assim é:


Representada pela relação do homem com a natureza monumental e mítica, transfigurada pela imaginação criadora do caboclo, particularmente; construída historicamente pela hibridez, pela mistura, de elementos imemorial cultura indígena, pelas boas e maus heranças dos colonizadores europeus (principalmente os portugueses), pelos legados dos negros e posteriormente pelas contribuições da cultura nordestina, portanto, tem uma essencialidade histórica: pelo longo isolamento que possibilitou essa composição original; uma representatividade na cultura cabocla, o resultado dessa mistura, um tipo humano também original e idealizado; marcada fundamentalmente pelo espaço de referência dos rios e comunidades ribeirinhas; e  se define em oposição a modernidade e a modernização capitalista induzida pelo Estado autoritário.

Desta maneira, as perspectivas de um texto visam certamente a um ponto comum de referências entre texto e leitor que vislumbram um caráter instrutivo a um ponto comum de referências, pois isso se faz dado ao processo imaginativo. A relação obtida entre o texto e o leitor sempre se fazem num processo de leitura e suas informações sobre os efeitos provocados nele, cria-se, portanto, uma relação desenvolvida constantemente pelo processo de realizações. Com isso Iser cria seu leitor implícito que é o espaço que se dá entre texto e leitor. Por isso, o cumprimento do leitor implícito se dá a partir de atos da imaginação, os quais conferem caráter transcendental à obra literária, por meio das prefigurações do leitor implícito, o leitor real dá coerência ao universo de representações textuais.
Segundo Bosi “A lembrança é a sobrevivência do passado. O passado conservando-se no espírito de cada ser humano na forma de imagens-lembrança.” Esta lembrança é marcada no poema “Flor do Grão-Pará” que nos remete à memória a beleza natural que presenciamos e os costumes que criamos nesta saudosa cidade das Mangueiras:


Rosa flor vem plantar mangueira
E o cheira-cheira do tacacá
Meu amor ata a baladeira
E balança a beira do rio mar

Belém, Belém acordou a feira
Que é bem na beira do Guajará
Belém, Belém, menina morena
Vem ver-o-peso do meu cantar
Belém, Belém és minha bandeira
És a flor que cheira do Grão Pará


Belém, Belém do Paranatinga
Do bar do parque do bafafá
Bentivi, sabiá, palmeira
Não dá baladeira
Deixa voar

Belém, Belém acordou a feira
Que é bem na beira do Guajará
Belém, Belém, menina morena
Vem ver-o-peso do meu cantar
Belém, Belém és minha bandeira
És a flor que cheira do Grão Pará
                           Chico Sena


Segundo Eduard Glissant 2005 p.14
essa paisagem americana que reencontramos em uma pequena ilha ou no continente me parece, sempre e por toda parte irrué. E é disso, provavelmente, que vem o sentimento que sempre tive de uma espécie de unidade-diversidade, por um lado, dos países do caribe, e por outro lado, do conjunto dos países do continente americano.


 Para Halbwachs (2006, p.31):


Outras pessoas tiveram essas lembranças em comum comigo. Mais do que isso, elas me ajudam a recordá-las e, adoto seu ponto de vista, entro em seu grupo, do qual continuo fazer parte, pois experimento ainda sua influência e encontro em mim muitas ideias e maneiras de pensar a que não me teria elevado sozinho, pelas as quais permaneço em contato com elas. 


O leitor implícito não tem existência real, mas é antes uma estrutura do texto. Para Iser (1996, p.73) "uma estrutura que projeta a presença do receptor.”


Dessa forma, o leitor implícito não é mera abstração. Esse tipo de leitor traz condicionada uma atividade constitutiva da estrutura do texto, que se torna real através de ações que estimulam o leitor implícito. A realização do papel do leitor implícito acontece a partir de atos imaginativos nos quais lhe são dados caráter transcendental à obra literária.
Segundo Iser apud Compagnom(2001 p.149):

A obra literária tem dois pólos, (...) o artístico e o estético: o pólo artístico é o texto do autor e o pólo estético é a realização efetuada pelo leitor. Considerando essa polaridade, é claro que a própria obra não pode ser idêntica ao texto nem à sua concretização, mas deve-se inevitalvemente ser de caráter visual, pois ela não pode reduzir-se nem a realidade do texto nem a subjetividade do leitor, e é dessa virtualidade que ela deriva seu dinamismo. Como o leitor passa por diversos pontos de vista oferecidos pelo texto e relacionam suas diferentes visões e esquemas, ele põe a obra em movimento, e se põe ele próprio igualmente em movimento.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


É importante ter consciência que a leitura extraída de textos e imagens, literários ou não, para cada leitor tem uma gota de significado, pois, na medida em que sua comunicabilidade interfere o leitor sua identidade também poderá ser interferida, pois, será possível interpretamos da maneiras diferentes as várias leituras que faremos a partir da perspectiva do presente, pois segundo Compagnom (2001, p.147), "os estudos recentes da recepção interessam-se pela maneira como uma obra afeta o leitor, um leitor ao mesmo tempo passivo e ativo, pois a paixão do livro é também a ação de lê-lo".


É importante afirmar que Wolfgang Iser para chegar ao leitor implícito verificou várias formas de se formar leitor, inclusive o leitor ideal, pois, ele vê a impossibilidade desse leitor o leitor ideal deveria ter o mesmo código que o autor. Mas como o autor transcodifica normalmente os códigos dominantes nos seus textos, o leitor ideal deveria ter as mesmas intenções que se manifestam nesse processo.  Supõem-se que isso é possível, então a comunicação se revela como supérflua, pois ela comunica algo que resulta da falta de correspondência entre os códigos de emissor e receptor. (ISER: 1994)


Na afirmação de Iser o leitor ideal deveria ser capaz de realizar na leitura, o potencial de sentido do texto ficcional e que a história da recepção dos textos mostra atualizações de maneira diferentes da obra. Além desta definição o teórico ainda cita outros autores e suas definições como é o caso de Riffaterre com seu arquileitor que serve a apreensão empírica do potencial de efeitos do texto; Fish tem no seu leitor "informado" efeitos do texto no leitor e Wolf com o leitor "intencionado" que é o leitor que marca posições no texto, escolhe o personagem que o satisfaz.
Para Iser:

As perspectivas do texto visam certamente a um ponto de referência e assume assim o caráter de instruções; o ponto comum de referências, no entanto, não é dado enquanto tal e deve ser por isso imaginado. É nesse ponto que o papel do leitor delineado na estrutura do texto, ganha seu caráter efetivo. Esse papel ativa atos da imaginação que de certa maneira despertam a diversidade referencial das perspectivas da representação e reúnem no horizonte de sentido. (p.65)


Parece que essa maneira de concebimento do leitor implícito é de fundamental importância no desenvolvimento da leitura estética, pois, aliada aos estímulos produzidos no imaginário do leitor, o incita a assumir um papel ativo na construção da ficção. O cumprimento do papel do leitor implícito se dá a partir de atos de imaginação, os quais conferem caráter transcendental à obra literária.
Por meio das prefigurações do leitor implícito, o leitor real da coerência ao universo de representações textuais.  Ao construir um horizonte de sentido para a obra, o leitor não apenas organiza as várias perspectivas do texto, mas estabelece um ponto de vista a partir do qual compreende a sua situação no mundo. O leitor real acaba por encontrar nesse modo transcendental uma referência que lhe permite orientar a sua experiência de mundo. O sentido do texto é assim, apenas imaginável na experiência do leitor real, que busca correspondência entre seu ponto de vista.


            A recepção é mais que um processo semântico, ela é um processo de experimentação, de uma configuração do imaginário projetado no texto. Em outras palavras: o leitor é o sujeito desejado na obra e pela obra.



REFERÊNCIAS

BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo, Editora SCHWARCZ LTDA, 1995.

CHANTAL, Blanc-Pamard & RAISON, Jean-Pierre. Paisagem. in: Enciclopédia Einaudi. v.8. Lisboa: Imprensa Nacional.

COMPAGNOM, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago - Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2001.

COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: Cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: CORRÊA, Roberto Lobato & ROZENDAHL, Zeny (orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.

FERRARA, Lucrecia d’Alessio. Os lugares improváveis. In: YÁZIGI, Eduardo (org.). Paisagem e Turismo. São Paulo: Contexto, 2002.

FIGUEREDO, Eurídice, construção de identidades pós-coloniais na literatura antilhiana. Niterói: EDUFF, 1998.

GLISSANT, Eduard. Introdução a uma poética da diversidade. Tradução de Enilce do Carmo Albergaria  Rocha. Juiz de Fora. Editora UFJF, 2005


GOME, Heide. Análise de textos. Teoria e Prática. São Paulo, Editora Atual, 1997.Tradução de SIDOU, Beatriz

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo : Centauro, 2006
ISER, Wolfgang. O ato de leitura: uma teoria do efeito estético. Trad. Johannes Kretschermer. São Paulo: Ed. 34, 1996

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994

LOPES, Luis Paulo da Mota e BASTOS, Liliana Cabral (org.) Para além da identidade: fluxos, movimentos e trânsitos BH. UFMG, 2010.

NUNES, André. Et. Alli. 1964. Relatos subversivos: os estudantes e o golpe militar no Pará. Belém: Edição Dos Autores, 2004.

POLLAK, Michel. “Memória e identidade social” in Estudos Históricos, 10, Teoria e História. Rio de Janeiro. FGV, 1992
.
VIÁFORA, Celso. Outros Brasis, em Dez anos de Nilson Chaves, 1991.


* O autor é músico, professor, mestre e colaborador do Blog.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A AMAZÔNIA COMO ESPAÇO IDENTITÁRIO LITERÁRIO - I Parte




                                                                                  * Valdir Ribeiro



É comum em nossos dias, encontrarmos escritos sobre a região amazônica, seja em forma de notícias, seja em forma de poesia exaltando e contando história sobre a região. Nesse sentido identificam-se nos rios, nas matas e nas cidades, lugares de um espaço discursivo onde a cada instante se criam novas identidades amazônicas ora pela beleza natural que existe e é vivenciada a todo instante, ora pela recepção de mensagem que nos é passado por artistas e profissionais de comunicação. Existem representações aguçadas por pensamentos identitários que nos colocam na condição de seres amazônicos, pois segundo Edir Augusto 2010 p. 185:


Na Amazônia constitui-se uma cultura de profundas relações com a natureza, que perdurou, consolidou e fecundou o imaginário (até o final dos anos de 1950) destes indivíduos “isolados e dispersos” (...) a construção da identidade é sempre um processo em curso – não necessariamente longevo e estável – a identidade é relacional e contrativa: envolve sempre diálogo e conflito, entre o passado e o presente, entre “nós” e os outros o dentro e o fora.


Este artigo será trabalhado com poesias musicadas e imagens de autores que nos proporcionam o gostar pela região, justamente pelas questões culturais, literária e identitárias amazônicas e nos colocam na condição de seres amazônicos, pois, estes fatores tem na recepção das mensagens, fatos comuns que acabam nos envolvendo neste espaço da região brasileira. A escolha deste trabalho veio também pela vontade de ampliar meus conhecimentos sobre literatura, cultura e identidade e a teoria do efeito estético na abordagem de Wolfgang Iser  não deixando de lado autores que trabalham com muita criatividade a questão da memória como, por exemplo, Maurice Halbwachs.


Segundo Edir Augusto 2010 p 204:


Importa, também, para entendermos o discurso da identidade, que permeia seus textos atentar para o contexto em que escrevem: intensificação do processo de modernização da Amazônia (...) implanta grandes projetos de drásticos impactos no ecossistema e no modo de vida regional.


 Aqui será representado pelo texto Saga da Amazônia:


 Era uma vez na AMAZÔNIA, a mais bonita floresta 
Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
 
No fundo d'água as IARAS, caboclo lendas e mágoas
 
E os rios puxando as águas
PAPAGAIOS, PERIQUITOS, cuidavam das suas cores 
Os peixes singrando os rios, Curumins cheios de amores
 
Sorria o JURUPARI, URAPURU, seu porvir
 
Era: FAUNA, FLORA, FRUTOS E FLORES
Toda mata tem caipora para a mata vigiar 
Veio caipora de fora para a mata definhar
 
E trouxe DRAGÃO-DE-FERRO, prá comer muita madeira
 
E trouxe em estilo gigante, prá acabar com a capoeira.
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar 
Prá o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
 
Se a floresta meu amigo tivesse pé prá andar
 
Eu garanto meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.
O que se corta em segundos gasta tempo prá vingar 
E o fruto que dá no cacho prá gente se alimentar??
 
Depois tem passarinho, tem o ninho, tem o ar
 
ICARAPÉ, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar.
Mas o DRAGÃO continua a floresta devorar 
E quem habita essa mata prá onde vai se mudar??
 
Corre ÍNDIO, SERINGUEIRO, PREGUIÇA, TAMANDUÁ
 
TARTARUGA, pé ligeiro, corre-corre TRIBO DOS KAMAIURA
No lugar que havia mata, hoje há perseguição 
Grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão
 
Castanheiro, seringueiro já viraram até peão
 
Afora os que já morreram como ave-de-arribação
 
Zé da Nana tá de prova, naquele lugar tem cova
Gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro 
Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
 
Roubou seu lugar
Foi então que um violeiro chegando na região 
Ficou tão penalizado e escreveu essa canção
 
E talvez, desesperado com tanta devastação
 
Pegou a primeira estrada sem rumo, sem direção
 
Com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
 
Dentro do seu coração.
Aqui termina essa história para gente de valor 
Prá gente que tem memória, muito crença muito amor
 
Prá defender o que ainda resta sem rodeio, sem aresta
 
ERA UMA VEZ UMA FLORESTA NA LINHA DO EQUADOR.
                                                             
                                                                       Geraldo Azevedo


A poesia remete-nos à lembrança de lugares, animais e objetos que fizeram parte de nossa vida e cria-nos uma aglutinada imagem em nossa mente, lembrando de detalhes que foram lidos ou vividos e nos recolocam na situação de seres da Amazônia. Segundo Renato Ortiz p.17 “cada espaço é mareado por valores particulares e por uma mentalidade coletiva modal, pois uma civilização é uma continuidade no tempo de larga duração”. No contexto de saga da Amazônia, vê-se o confronto do processo de autoridade da apropriação da região, sustentada pelo bem da economia nacional-internacional esmagando quem realmente precisa do espaço para viver e praticar suas ações culturais. 


Michel Pollack (1992, p.9) afirma em seu livro “Memória, esquecimento, silêncio” “A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis.“


Uma caracterização bem feita é aquela que torna viva a presença de personagens na imaginação do leitor!  Eles não devem ser personagens quaisquer, mas específicas de determinada história, isto é, devem ser singulares. Eurídice Figueiredo 1998 falando sobre a obra de Eduard Glissant que se constroi pelo acúmulo, “pela nomeação extensiva de todo um espaço-tempo vivenciado por personagens que se repetem de um livro para o outro, evoluindo, envelhecendo, refletindo, insistido naquela ideia fixa do autor, num diálogo intermitente, recortado, em que vários alter egos discutem numa duração interminável.


É com o intuito de mostrar ao leitor deste artigo as diversas maneiras que temos de focalizar objetos, seres e lugares que nos fazem reviver tempos distantes ou não, e que de acordo com outras memórias nos remetem com sensibilidade várias maneiras de se pensar nas pessoas, na região, na cidade nas ruas entre outras coisas que guardamos na lembrança e a cada instante mexe em nossa identidade. Pois segundo Halbwachs (2006, p.72):


Para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referências que existem fora de si, determinados pela sociedade. Mais do que isso, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu ambiente. Não é menos verdade que não conseguimos lembrar senão do que vimos, fizemos, sentimos, pensamos num momento do tempo, ou seja, nossa memória não se confunde com a dos outros.


É notável que a pós-modernidade trouxe com ela a diversidade identitárias como afirma Bhabha 2003 p.p. 20, 21


 a representação da diferença não deve ser lida apressadamente como o reflexo de traços culturais ou  étnicos preestabelecidos, inscritos na lápide fixa da tradição. A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria é uma negociação complexa em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em momento de transformação histórica.


Atenho-me aqui, a especificidade da vivência do ser amazônico produtos de interrogações e dúvidas passadas que revitaliza sua visão de forma a introduzir um pensamento mais forte da região amazônica, pois, para Bhabha 2003 p.27 “O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com o ‘novo’ que não seja parte do continuum de passado e presente.” Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente da tradição cultural. Aqui é mostrado pela poesia “olhando Belém” de vital lima:


O sol da manha rasga o céu da Amazônia 
Eu olho Belém da janela do hotel
 
As aves que passam fazendo uma zona
 
Mostrando pra mim que a Amazônia sou eu
 
E tudo é muito lindo
É branco, é negro, é índio
 
No rio tiete mora a minha verdade
 
Sou caipira, sede urbana dos matos
 
Um caipora que nasceu na cidade
 
Um curupira de gravata e sapatos
 
Sem nome e sem dinheiro
Sou mais um brasileiro
 
Olhando Belém enquanto uma canoa desce um rio
 
E o curumim assiste da canoa um Boeing riscando o vazio
 
Eu posso acreditar que ainda da pra gente viver numa boa
 
Os rios da minha aldeia são maiores do que os de Fernando Pessoa
 
( e o sol da manha rasga o céu da Amazônia )
 
Olhando os meus olhos de verde e floresta
 
Sentindo na pele o que disse o poeta
 
Eu olho o futuro e pergunto pra insônia
 
Será que o Brasil nunca viu a Amazônia
 
E vou dormir com isso
Será que e tão difícil.


Assim, a construção do identitário amazônico se expande mostrando na expressão do eu poético uma transformação através de espaços e vivências amazônicas.