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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

SALA DE AULA: UM PROJETO PEDAGÓGICO DE VIDA (Peça Teatral): Parte II

 



                                                             Carlos Albert T. Prestes



CENA 2

Personagens:

Professores: Paulo, Ivani e Laura

Por volta das 10 horas da manhã de segunda-feira, na escola municipal Paulo Freire, três educadores encontraram-se na sala dos professores – professor Paulo, professora Ivani e professora Laura – lendo, cada um deles, um livro de seus gostos, sentados em volta da mesa de reuniões, com uma garrafa térmica cheia de café quente e um prato com bolachas e biscoitos bem no centro da mesa. Naquele momento, havia um silêncio inquietante quando, o professor Paulo levantou-se e dirigiu-se aos outros colegas.

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PAULO:

O que vocês estão lendo?

IVANI:

Eu estou lendo um livro sobre a leitura no ensino fundamental.

LAURA: 

Eu estou lendo O Príncipe, de Maquiavel.

PAULO: 

E vocês gostam de ler?

IVANI: 

Eu adoro. Eu não fico um dia sequer sem um livro na mão. Todo o tempo eu estou pesquisando, buscando conhecimento nos livros.

LAURA: 

Eu também adoro ler. Quando eu não tenho como comprar, eu vou lá no CENTUR e empresto o livro.

PAULO: 

Eu também gosto muito de ler, e acho que isso é fundamental para que o professor possa dinamizar suas aulas, torna-las mais criativas e participativas. Temos que mostrar para o aluno que ler não é só sonhar ou adquirir conhecimento intelectual, mas é derrubar barreiras, construir, desconstruir e reconstruir mundos, ideias, opiniões, conceitos.

IVANI: 

É verdade. Quando sentimos prazer na leitura, passamos a fazer parte dela. Participamos de aventuras juntos com as personagens, viajamos por lugares inimagináveis, torcemos, choramos, sorrimos.

LAURA: 

Realmente, uma boa literatura mexe com toda a nossa imaginação. Às vezes, chegamos a imaginar as características físicas e psicológicas de determinados personagens, as impressões fotográficas de paisagens e lugares que parecem reais, ao ponto de nos vermos ou nos transportarmos para lá, desafiando as leis da física, as barreiras do tempo. E tudo isso na nossa imaginação...

PAULO: 

E é interessante como existem tantos textos diferentes, com leituras diferentes. Textos de romance, contos, textos jornalísticos, receita de bolos, de comida, textos de propagandas comerciais, textos científicos, filosóficos, de políticas sociais e de educação, textos poéticos e em prosa...

IVANI: 

É. E isso tudo nós temos que saber passar para os nossos alunos. Temos de ensinar a eles as diversas formas de produção de texto, para que consigam utilizar a língua de acordo com o ambiente e com a situação vivida.

LAURA: 

É isso. O grande desafio é incentivar neles o amor à leitura. Fazer com que eles peguem um livro com suas próprias mãos, abram suas páginas, apalpem as palavras impressas e decodifiquem, quer seja de maneira racional ou imaginativa, as impressões que as leituras vão deixando na mente.

PAULO:

Gente, temos que fazer um projeto de sala de leitura, que contemple a leitura do livro de papel; que incentive a busca pela pesquisa, leitura e criação de textos. Temos que criar mecanismos para que isso seja uma realidade aqui mesmo, na nossa própria escola. Isso fará toda a diferença quando eles forem para uma faculdade, quando se formarem, quando estiverem trabalhando, quando formarem uma família. Não estou preocupado em formar escritores ou poetas, mas cidadãos pensantes, participantes de tudo que envolve o âmbito social, cultural, econômico, intelectual, científico, enfim, que eles consigam ter uma visão holística das coisas. E isso não quer dizer que não tenhamos entre nossos alunos, futuros poetas e escritores.

IVANI: 

Com certeza. Você teve uma ótima ideia. Mas temos que ver como será feito isso. Afinal, os alunos só sabem pesquisar na internet. E quando tem algum trabalho de pesquisa pra entregar em sala de aula, eles pesquisam no google, acham o assunto, copiam e colam. E eles ainda tem a cara de pau de não mudar nada na escrita.

LAURA: 

É verdade. Agora, como fazer pra mudar esse quadro? Vamos criar espaço na escola pra uma sala de leitura? Fazer da sala de aula uma sala de leitura em determinado horário? Incentivar a leitura através de um concurso interno? Criar as sextas-feiras culturais para a produção de textos e leitura na escola? Temos que organizar nossas ideias passo a passo, caso contrário, não irá dar certo.

PAULO: 

Vamos conversar com a professora Sonia e com o professor Damasceno, ambos são professores do curso de pedagogia da UFPA. Eles já estiveram envolvidos com este tipo de trabalho. Sabem fazer projetos voltados pro campo da educação. A professora Sônia está sempre muito envolvida com pesquisas e projetos científicos na universidade; já o professor Damasceno ensina como fazer projetos através da disciplina Planejamento Educacional. Mas, o que nós queremos com esse projeto? Temos que ter um objetivo? Então, eu acho que, pelo menos um dos objetivos desse projeto é fazer com que os estudantes se interessem mais pela leitura do livro de mão e o vejam como um aliado, um amigo de todas as horas, e fiquem menos dependentes da internet. Não que a internet não seja boa. Ela tem ferramentas muito úteis para avançar no ensino-aprendizagem dos estudantes e de qualquer pessoa, mas essas ferramentas têm que ser direcionadas para o aluno, a fim de que ele seja orientado de forma correta e descubra o lado educativo da internet. O que vocês acham?

LAURA: 

Isso, concordo. Acho que pode dar certo. Vamos juntar forças. Conheço a professora Sônia. Ela tem muita experiência com pesquisa científica e está coordenando uma pesquisa pelo CNPq e UFPA sobre José Veríssimo, que envolve as temáticas da raça, da cultura e da educação. Pra quem não sabe, José Veríssimo é nosso conterrâneo de Óbidos, que fica ali, na região de Santarém. Ele viveu na segunda metade do século 19 e morou um tempo, aqui, em Belém, mas passou boa parte da sua vida no Rio de Janeiro. Ele foi um dos maiores intelectuais de seu tempo. Muita gente ouviu falar dele apenas no campo da literatura, mas ele foi muito mais que isso. Por exemplo, foi crítico e historiador literário, jornalista, enveredou pelos campos da Sociologia, da Antropologia, da Etnografia e da Economia. Foi educador e diretor do Ginásio Nacional, no Rio de Janeiro, atual Pedro II; publicou vários livros, entre eles, temos: Primeiras Páginas, Cenas da Vida Amazônica, que, aliás, foi o seu único livro de contos, com características naturalistas, que contam várias histórias de gente daqui da nossa terra, dessa região amazônica, de Óbidos, Monte Alegre, em que aparecem fortes características dos costumes, hábitos, fala, crendices, paisagens, questões sociais, políticas, e muita coisa. Publicou, também, A Instrução Pública no estado do Pará e Estudos Brasileiros; fundou e dirigiu a Gazeta do Norte, participou do Congresso Literário Internacional, em Lisboa, com um trabalho acerca do movimento literário brasileiro; fundou e dirigiu a Revista Amazônica; publicou o livro Pará e Amazonas: questão de limites; foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras; contemporâneo de Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Visconde de Taunay, Inglês de Souza, outro grande conterrâneo nosso, também de Óbidos; foi um dos três maiores críticos literários de sua época no Brasil, e com renome internacional.

IVANI: 

Parece que você sabe muito sobre ele. Já aprendi um bocado contigo.

LAURA: 

Sim, eu faço parte da equipe de pesquisa da professora Sônia. Na verdade, somos só nós duas, o resto da equipe desistiu. O bom disso é que essa pesquisa será a base do meu trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal do Pará e também será tema da minha monografia na Universidade Estadual do Pará.

PAULO: 

E vocês estão analisando todas essas obras?

LAURA: 

Estamos fazendo um levantamento de todas as obras dele, em todo o território brasileiro, mas pro meu Trabalho de Conclusão de Curso, estou me dedicando especialmente à obra A educação nacional, um clássico que foi reeditado em 1906, mas atualíssimo com o quadro de hoje, que faz a gente entender melhor os problemas pelos quais a educação vem passando desde os tempos da monarquia, ou da primeira república. Aliás, naquela época, a educação atendia pelo nome de Instrução Pública, enquanto que, na Europa, a educação estava para a cultura, assim como a cultura estava para a educação.

IVANI: 

É esse pensamento que devemos ter em mente. A educação não é meramente um amontoado de disciplinas e teorias. Quando pensamos desse jeito, quando nos esforçamos para criar avaliações decorativas, com resultados programados aos nossos alunos, com notas que vão de zero a dez, ou excelente, ótimo, bom, regular, ruim, estamos acorrentando, amordaçando, apunhalando todo o processo educativo, e impedimos nossos alunos de refletir e expor suas ideias, pois se sentem obrigados a tirarem boas notas, e são essas notas que determinam se o aluno é inteligente ou não, se merece passar de ano ou não. Isso significa que estamos trabalhando o aprendizado de nossos alunos através de uma instrução pública, normativa, conservadora, igual às regras gramaticais cultas, formais, que se tenta aprender nas salas de aula, mas que é diferente da linguagem das ruas. Parece que estamos transmitindo uma educação do final do século 19. Afinal, a educação se restringe a uma sala de aula? Está empacotada dentro dos muros de uma escola? São apenas disciplinas isoladas, que transmitem conhecimentos isolados, sem vida ativa?

LAURA: 

Claro que não! Não há limites para o processo educativo. A educação está além dos muros da escola; está nos nossos costumes, nos nossos hábitos, no nosso falar, no trabalho, na escola, em casa, no dia-a-dia das pessoas. Ou seja, não consigo distinguir da cultura, porque a cultura é tudo isso que a educação é.  

PAULO: 

É como relacionar gramática e linguística. A gramática é a parte formal da língua, a linguagem padrão, culta, com regras estáticas estabelecidas. A gramática não muda; já a linguística está em constante movimento e transformação, e não está sujeita a regras gramaticais. Veja, por exemplo, as gírias, os sotaques, os falares diferenciados de região para região, as novas formas de palavras que aparecem e desaparecem todo tempo, a linguagem informal, familiar, do cotidiano das ruas. É por isso que a linguagem comum aparece como um divisor de águas, uma forma de equilíbrio entre a linguagem formal e a informal. A linguagem comum é, por exemplo, a dos telejornais, quando o apresentador se comunica através de uma linguagem simples, mas correta, sem erros, e o público entende. A linguagem formal seria para um público intelectual, diferenciado, e não alcançaria a maioria da população; já a linguagem informal, das ruas, do dia-a-dia, está carregada de erros gramaticais. Na gramática, a necessidade da reforma ortográfica está sempre atrasada, pois a gramática é fixa, onde se aprende a norma culta de um jeito, mas falamos e conversamos de outro jeito. O que eu quero dizer é que a gramática é a instrução pública, fixa, cheia de regras e normas a serem seguidas, como relata Veríssimo; já linguística é a Educação ou o processo educativo em constante movimento de criação. Nesse contexto, posso entender a preocupação de José Veríssimo com os rumos da educação no Brasil.

IVANI: 

Laura, estou com vontade de ler esse livro A educação nacional. Creio que ele será muito útil pro nosso projeto de educação: incentivar o aluno a ler e entender o que leu, argumentar, se posicionar, ser um agente de transformação de si mesmo e da sociedade. Precisamos despertar em nossos alunos o sentimento de valorização de grandes acontecimentos históricos nacionais.

LAURA: 

É verdade. E eu pergunto: Temos heróis nacionais? Quem são nossos heróis nacionais? Nutrimos um sentimento pátrio? Nossos representantes são nossos heróis ou só nos decepcionam, quando descobrimos seu verdadeiro caráter? Quem são os ídolos de nossos filhos? Sim, porque nossos filhos também são alunos, não são? Estão, também, boa parte do tempo numa escola para aprender, quer seja pública ou particular, não importa. Quem são seus professores? O que estão ensinando? Quem são os ídolos de nossos filhos hoje? Artistas de TV? Cantores sertanejos? Astros de rock? Lutadores de UFC? Milicianos? Traficantes? É assim que queremos que nossos alunos cresçam? Com um caráter desestruturado? A formação do caráter é o ápice da obra A educação nacional de José Veríssimo. E é simples de entender. O sujeito que cresce com um caráter desestruturado, propenso para o mal, vai enxergar o errado como certo, e o certo como errado. Será facilmente corrompido e engolido pela sociedade.

PAULO: 

É por essas e outras que o professor Salomão disse que, nas unidades socioeducativas da região metropolitana de Belém, a maioria dos socioeducandos (menores entre doze e dezoito anos de idade, que cometeram algum ato infracional contra a sociedade), ou, pelo menos, setenta por cento deles, são viciados em maconha, cocaína, crack e outras substâncias ilegais. Quando não têm dinheiro, vão roubar pra sustentar o vício. A maioria deles é detido por roubo, assalto.

IVANI:

E vocês sabem que aqui mesmo, nessa escola, tem muitos adolescentes com esses históricos. E quem nós somos? somos educadores. Nós somos os professores deles. Temos que fazer alguma coisa, enquanto há tempo.

LAURA: 

Vamos partir pra esse projeto. Temos que dar um pontapé inicial. Eu tenho um aluno, o Patrick, que vem de uma família desestruturada, é dependente químico e já teve sérios problemas com a polícia. É meu aluno do 6º ano e tem dezessete anos. Ele mora com os tios no Guamá. A mãe, o pai e os irmãos moram em Igarapé Miri. No momento, eles só têm a escola como amiga deles.

PAUSA: Neste momento, toca a campainha, fim do recreio. Os professores retornam às aulas com a ideia do projeto e de transformação na cabeça.

 

FIM DA SEGUNDA CENA

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