Há tantas histórias
interessantes vivenciadas pelo professor do sistema modular nessas andanças
pelo interior do estado, tanta coisa pra falar. Basta realizar uma reunião
informal entre amigos professores da velha guarda, num final de semana, numa
manhã de domingo ensolarado, na varanda da casa do professor Medeirinho (por
que não?), no Tenoné, acompanhados por uma boa música cantada ao violão,
dedilhado pelo Nonato Bandeira, Valdir Guilherme, Arnaldo Rodrigues ou Jorge
Coutinho – estamos bem servidos de artistas populares.
Falo isso, porque outro dia
estivemos lá, na casa do prof. Medeirinho, eu, Carlos Prestes, e o professor
Ribamar Oliveira. Fomos para o andar de cima e, de lá, avistamos o quintal
repleto de árvores frutíferas. Não havia música, nem textos gravados de
declamações de poemas, mas, naqueles momentos vivenciados, em que fomos falar
um pouco da Antologia poética do SOME, um livro sonhado há décadas por nós,
aproveitamos para lembrar tempos vividos no modular. Todos nós tínhamos sempre
uma história interessante pra contar e relembrar.
Quem não tem uma história
interessante pra contar do sistema modular? Nessas conversas, percebi que um
simples detalhe, um comentário acerca de algo engraçado, um incidente, um dia
de chuva, um passeio, problemas com a prefeitura, um projeto de intervenção,
aulas extraclasse, uma paquera, traição, crendices, passeios, festas escolares,
festas tradicionais, despedidas, morte, tragédias, linguagem local, datas
comemorativas, situação da comunidade, estradas, tudo, tudo, tudo pode ser
transformado num grande conto, numa excepcional crônica do dia-a-dia, num poema
que descreva o real e o imaginário local, suas sensações, emoções, raiva, alegrias,
protestos, sonhos, esperanças, sim, disso tudo pode ser feita uma releitura
através do olhar investigativo do pesquisador que transporta os conceitos, os
objetivos e os problemas do senso comum para uma pesquisa analítica, científica
com perguntas a responder e um trabalho a concluir. Como poderíamos imaginar
que esse senso comum viria para em nossas mãos, nas mãos de tantos e tantos
profissionais da educação ou não, através do livro impresso?
É isso mesmo: o senso comum
virou ciência. E, na verdade, a ciência de laboratório começa com ele.
Essa história, que também é uma
história simples, pode vir um dia a ser lida num livro, não só por mim, ou pelo
professor Ribamar, pelo Medeiros, ou pelo Sérgio Bandeira, catedrático da UFPA
em Abaetetuba que transita entre a ciência e o senso comum, entre a pesquisa e
o imaginário. E o imaginário realmente fascina qualquer um.
Bem, essa história, como diz o
título, fala sobre a lenda de um bando de cavalos que assombravam as pessoas à
noite.
Tudo começou quando o professor
Jorge Tostes, um parceiro de caminhadas e de circuitos do modular – viajamos
por muitos lugares na mesma equipe – me contou, certa vez, quando estávamos em
São Miguel de Pracuuba, que, numa de suas viagens, foi para, não lembro bem o
lugar, parece que, para Limoeiro do Ajuru, que fica na microrregião de Cametá.
Ao chegar à casa dos
professores, apresentou-se a seus colegas de equipe que iriam dividir a casa
com ele durante dois meses. Durante a semana, tudo transcorreu normalmente, com
os professores cumprindo suas tarefas na escola diariamente. Não havia muito que fazer. Iam e vinham da escola para casa.
À noite, na hora do jantar, conversavam sobre os mais diversos assuntos,
brincavam, contavam piadas até chegar o sono.
Quando chegou a sexta-feira,
finalmente a sexta-feira, todos foram para a escola dar aula. Lá, pelas dez e
meia da noite, voltaram para casa todos os professores juntos. Jorge Tostes
estava animado arrumando sua bagagem, pois queria pegar o primeiro transporte
pra Belém pela manhã bem cedo.
- Vai sair de madrugada?
Perguntou um professor.
- Acho que sim. Que horas tem
transporte pra Belém? Perguntou Jorge Tostes.
- O primeiro sai às cinco da
manhã. Mas fica longe daqui o terminal – disse outro professor. – Daqui pra lá
dá mais ou menos um quilômetro.
- Tudo isso? Perguntou Jorge
Tostes. – Não tem problema, eu vou assim mesmo.
- Só tem uma coisa – Comentou
outro professor.
- O quê? Perguntou Jorge Tostes.
- O pessoal daqui da vizinhança
comenta que toda sexta-feira de madrugada, eles ouvem o relincho de um bando de
cavalos que passam correndo por essa rua, vão e voltam. Dizem que tem gente que
já viu. Por isso que, nas madrugadas de sexta-feira, ninguém sai na rua – disse
o professor.
- E é verdade isso? Vocês
acreditam nisso? Perguntou Tostes.
- Se é verdade eu não sei, mas
vamos descobrir hoje. Só sei que falaram que, um dia, numa sexta-feira, ouviram
barulho de tropel de cavalos correndo na disparada pela rua. Um vizinho olhou
pela brecha da janela e disse que viu um monte de cavalos correndo pela rua em
disparada, um ainda parou e olhou na direção da janela. Ele ficou branco como a
neve de medo. Fechou a janela rapidamente e cuidou de ir deitar.
O professor Tostes ficou
pensando naquilo por um pouco de tempo, mas depois foi dormir, pois tinha que
acordar cedo.
Quando o relógio despertou quatro
e vinte da manhã, o professor Tostes cuidou de se levantar rapidamente, tomou
banho, escovou os dentes, se vestiu e se preparou para sair. Ninguém mais iria
pra Belém, somente ele, nenhum colega, nenhuma companhia até o terminal. Ele
teria que fazer essa caminhada sozinho, e tudo que ele não queria, naquele
momento, era pensar nos cavalos.
Despediu-se do pessoal, abriu a
porta, olhou em volta, nenhuma alma viva, ninguém, a rua estava completamente
deserta, as casas fechadas, a noite clareada um pouco pelo luar, dava aquela
sensação de mistério, e fazia lembrar até as cenas daquela trilha inóspita da
Pensilvânia que levava ao castelo do conde Drácula. Tudo isso vinha à mente,
mas ele balançava a cabeça e procurava dar fuga à imaginação pensando em coisas
boas e alegres que o fizessem ter coragem suficiente pra descer aquela rua no
final da madrugada. O professor pensou na família, esposa e filhos, e viu que
valia a pena se arriscar naquele fim de noite, num lugar que ele não conhecia
ainda, mas que já o chamava para grandes desafios que, certamente, iria se
lembrar por muito tempo. Colocou a mochila nas costas, fez o sinal da cruz,
fechou a porta atrás de si e se foi.
Prof.
Carlos Alberto Prestes (poeta, escritor, contista, cronista, pesquisador, ex
professor de Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa do SOME).
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