Certas
coisas são difíceis de esquecer. Mas esquecemos de muitas coisas, naturalmente,
porque nossas memórias não podem guardar tudo. Informações relevantes, que
sejam de algum modo, importantes para nós, separamos e preservamos a um canto
de nossa mente. Informações supérfluas, rotineiras, que, talvez, não contribuam
para nada em nossa vida, rapidamente esquecemos.
Por
que nos enchemos de tantas informações? Para que elas servem? Apenas para
sabermos? Acho que, mesmo as informações consideradas supérfluas, têm
contribuído muito para o nosso crescimento, assim como as relevantes.
O
que seria de nosso dia-a-dia sem as notícias passageiras? Elas são como as
ondas do mar: vão, mas retornam ao mesmo lugar. Retornam porque elas se repetem
no nosso cotidiano. “Policial é morto quando chegava a sua casa!”, “Dois homens
em uma moto executam policial quando saia de supermercado!”, “Homem é preso
depois de bater na companheira!”, “Mulher denuncia marido por maus tratos!”,
“Homem é enquadrado na lei Maria da Penha depois de esfaquear sua mulher!”,
“Lei Maria da Penha leva pra prisão homem que tentou matar a própria mulher!”,
“Homem que matou esposa na porta de casa vai responder por feminicídio!”,
“Mulher de 22 anos é morta quando saia do trabalho. O principal suspeito,
Jeferson Ferreira, ex-marido de Daiane Ferreira, está sendo procurado e vai
responder por feminicídio!”, “Adolescente é morto na rua próxima de sua casa
por dois homens em uma moto!”, “Adolescente é morto no Aurá por dois homens em
uma moto. A polícia suspeita de execução por divida de drogas!”, “Deputado é
filmado pegando uma mala com dinheiro na sala de um empresário!”, “Vereador
desviava dinheiro do Bolsa Família para sua conta particular”
Tá
vendo como as notícias se repetem? E, na maioria das vezes, são as piores
possíveis. Elas se repetem porque refletem o cotidiano. Os jornais, esses
feitos de papel, que o jornaleiro vende de porta em porta ou que podemos
comprar numa banca de revistas (quando as bancas de revistas vendiam jornais),
esse jornal que podemos toca-lo, apalpa-lo, esmiuçar suas páginas, caderno de
esporte, caderno policial, coluna social, classificados, notícias
internacionais, quadrinhos. Isso, até quadrinhos de desenhos infantis havia
nesses jornais. E eu me lembro quando eu e meu irmão mais velho fazíamos
histórias de desenhos em quadrinho e mandávamos para ser publicado no O
Liberalzinho, que tinha uma seção reservada para futuros desenhistas de
quadrinhos. Ficamos muito felizes quando uma de nossas histórias em quadrinhos
foi publicada com uma nota: “futuros artistas”. Hoje, só alguns fiéis
seguidores ainda continuam comprando e lendo jornais na sala ou na porta de
casa. E a maioria são jovens que já estão lá com os seus sessenta anos pra
frente. Os jovens de dezoito, vinte, vinte e cinco não querem saber das folhas;
eles dizem que não é do tempo deles, que isso já está ultrapassado e só faz
acumular lixo. A internet, a era tecnológica facilitou tudo pra eles, basta um
click e a notícia está na cara deles, seja que tipo de assunto for. É difícil
competir com isso, com essas quantidades de informações instantâneas
e extremamente efêmeras que andam pra cima e pra baixo nos celulares.
Mas acho que, no nosso tempo, no tempo dos jornais, se lia mais, se
aprendia mais. Sim, se aprendia mais porque os olhos buscavam as informações
com avidez. Naquelas dez a quinze folhas estavam todas as informações que se
deveria saber. E o habito de ler era sempre incentivado cotidianamente. Um
jovem do meu tempo tinha conhecimento de vários temas do dia-a-dia que um jovem
de hoje, talvez, não tenha percebido. Sabíamos falar sobre esporte, mas também
falávamos de política, de corrupção, de eventos sociais, de violência urbana.
Isso tudo graças ao senso comum, à noticia comum, que vem das ruas, das
histórias reais de um ser humano real.
O próprio conhecimento científico especializado, só existe graças à
informação supérflua. É a partir do senso comum que se extrai a primeira pista
a ser investigada pelo pesquisador, a fim de se chegar a um fato confiável, que
possa ser endossado pela ciência.
Toda essa conversa de informações relevantes e irrelevantes me fez lembrar
uma cena, quando me dirigia por uma estreita rua escura, a uma igrejinha, à
qual, no momento, não me lembro do nome, num bairro qualquer da periferia de
Belém.
Nos meus olhos havia indícios de uma noite estupenda. Quando desviei-os
para cima, para o céu, havia um espetáculo me esperando. Sim, parecia que
estava à minha espera. As estrelas, no céu, brilhavam tanto, que pareciam
querer fazer contato comigo, aqui, neste pedaço de chão, neste asfalto duro que
impede o caminho das águas. Milagrosas águas das chuvas, tão peculiares de
Belém.
Eu andava a passos largos, admirando o glamour daquelas pequenas
divindades. E imaginava como podem ser tão belas, tão perfeitas, e, no entanto,
não podem falar ou ouvir, gesticular. Mas, logo percebi que as estrelas não
necessitam falar ou ouvir, ou gesticular; elas foram feitas para serem vistas,
como testemunhas de uma suprema criação. Nós é que temos que falar a respeito
delas, de como elas nasceram, como foram parar ali, no alto do céu, sem ninguém
para segurá-las. Sim, elas são testemunhas perpétuas de que um ser, cuja
existência simplesmente incompreensível para nossas mentes tão pequeninas, tão
pouco exploradas, as criou, e a tudo que existe no universo deu nome e
significado, deixando a sua assinatura em cada matéria, natureza, átomos,
partículas, células, mundos, planetas, seres. Ele se intitula: Deus.
Como estava dizendo, eu andava a passos largos, despreocupado e feliz.
Sim, feliz, aproveitando aquele momento precioso de felicidade, pois creio que
poucas coisas temos para admirar nesse mundo, que nos cause, por vezes, um
regozijo de esperança. Haja vista, as notícias dos jornais matutinos, desses
que são vendidos nos cantos das ruas ou nas bancas de revistas que, na maioria
das vezes, enchem a nossa vida de tristeza, de desalento, porque as notícias
que chamam a atenção do público são as que falam de morte no trânsito, de
chacina nos subúrbios de Belém, de marido que mata a esposa por ciúme, de
adolescente que rouba e mata porque queria comprar um tênis de marca igual ao
do colega de sala de aula. Essas notícias estão sempre estampadas na primeira
página do jornal.
Mas o que eu percebo de mais triste em tudo isso é o estado de completa
inércia em que as pessoas se encontram. Parece que a morte, a tragédia, a dor
fascinam as pessoas, como se fosse algo comum e corriqueiro. Sim, na verdade,
tudo isso já é corriqueiro mesmo. E, talvez, por isso, o ser humano tenha
passado por uma espécie de anestesia que o fizeram aceitar, pouco a pouco, a
morte como senso comum.
E deveria ser assim? A morte separa pessoas, amigos, famílias, causa
sofrimento, e nos acostumamos com ela, passamos ao lado dela todos os dias, nos
aculturamos a esse senso comum.
Não! Não deveria ser assim. Não podemos,
nem devemos aceitar as misérias do mundo como algo comum.
* Prof.
Carlos Alberto Prestes - Ex Professor do SOME/SEDUC
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