Fábio Pinto (professor do SOME)
Ribamar Oliveira (ex-professor e ex-Coordenador Geral do SOME)
ANOS 80, CRIAÇÃO,
POLÍTICA DE ESTADO DE COMBATE AO DEFICIT EDUCACIONAL.
Considerada
uma das maiores e assertivas Políticas Públicas de Inclusões Sociais da
Amazônia e uma importante alternativa de educação para os alunos de Ensino
Médio que não tiveram e não tem oportunidades de estudar na vida urbana, o SOME
foi implantado pela primeira vez, no ano de 1980, com um Circuito composto
pelos municípios de Igarapé-Miri, Igarapé-Açu, Nova Timboteua e Curuçá, sob a
Administração e Coordenação Pedagógica da então Fundação Educacional do Estado
do Pará – FEEP, atual Universidade do Estado Pará - UEPA. Passando em 1982 para
a Administração e Coordenação Pedagógica da Secretaria Estadual de Educação do
Estado do Pará – SEDUC/Diretoria de Ensino/Departamento de 2º Grau/Coordenação
Geral do SOME.
Os dois
primeiros anos de funcionamento do SOME, sob a responsabilidade da então FEEP e
hoje UEPA, se deram sob a forma de uma Experiência de Aplicação de
Projeto-Piloto de Intervenção Pedagógico, baseado numa diagnose de oferta de
demanda, professores leigos, distorção série/idade. Sendo assim, sob a oferta
do Curso de Técnico de Magistério, nas Escolas Estaduais existentes nas Sedes
dos municípios inicialmente selecionados, anteriormente citados.
A partir de 1982, com a
transferência de sua manutenção para a responsabilidade da Secretaria de
Estadual de Educação – SEDUC/PA, o SOME deixa de ser um Projeto de Aplicação
Pedagógica e passa a ser uma das Políticas Públicas de oferta do então Ensino
de 2º Grau pelo Estado do Pará. Todavia, começando sua significativa expansão
para vários municípios de todas as regiões do Estado. Neste período, com base
na legislação vigente ofertando os Cursos Técnicos de Magistério, Contabilidade
e Administração. Considerando o quadro educacional existente no Estado, na
época, onde a existência do professor leigo era generalizada, o Curso Técnico
de Magistério figurou como o “carro-chefe” das opções de Implantação.
Tendo a Secretaria Estadual de
Educação como entidade mantenedora, a formalização da parceria entre Estado e
municípios passa a ser norteada pelo instrumento jurídico-administrativo do
Convênio de Cooperação Técnica, o qual estabelecia as atribuições dos entes
públicos no processo de Estruturação e Funcionamento do SOME. Vale lembrar que,
ao início de cada Módulo, uma cópia do Convênio era entregue para cada equipe,
como forma de respaldo legal, quando de eventuais faltas de cumprimento de
alguma das atribuições pelos municípios.
Hoje, o
Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME, gerenciado pela Secretaria
Estadual de Educação do Estado do Pará – SEDUC/PA, que funciona através de
rodízio entre os professores divididos em quatro Módulos, que formam um
Circuito, com cinquenta dias letivos cada Módulo, totalizando 200 dias letivos
por ano. Esta política pública que atende várias outras localidades e
municípios do Estado do Pará.
Segundo dados de 2021, o SOME
teve 32.985 discentes, de 454 comunidades, de mais de 96 municípios, dentre as
quais sendo 29 comunidades quilombolas, 44 comunidades indígenas e 24
comunidades de assentamentos, atendidas por um quadro docente composto de cerca
de 1.168 professores em deslocamentos pelos rincões do Estado.
ANOS 90, EXPANSÃO,
PRESTÍGIO POLÍTICO E CONQUISTAS
A presença
do SOME na maioria dos municípios paraenses, tanto nas áreas urbanas como
rurais é, inegavelmente, considerada como uma das grandes (e em muitos
municípios foi a única) contribuições para o enfrentamento do déficit
educacional existente no Estado do Pará, em particular das regiões mais
distantes dos grandes centros urbanos. Nesse sentido, a partir da presença do
SOME, os desafios educacionais revelados nos expressivos percentuais de
exclusão escolar, déficit educacional, distorção série/idade foram e tem sido enfrentado
e superado. E essa presença educacional se faz notar através de atuação de
profissionais oriundos do SOME nos mais diversos setores (saúde, educação,
segurança, comércio, agricultura, cultural, etc.) dos municípios atendidos.
Presentes, também, nas universidades, nos movimentos sociais, nos parlamentos e
executivos municipais, no judiciário, etc. Foi e é, através do SOME, que
inúmeros casos de trabalhadores e filhos de trabalhadores residentes nas mais
distantes e isoladas localidades de nosso Estado, tiveram e têm a oportunidade
de seguir seus estudos, de sonhar, de ousar, de resistir e de tornar real o
direito de acesso, permanência e continuidade dos estudos escolares, “quebrando
assim os grilhões da exclusão social e econômica forjados na negativa de seus
direitos à cidadania plena”.
Nesse, o
SOME passa a ser uma estratégia tanto educacional como política; 1) educacional, porque contribuiu para
o combate e erradicação do exercício do magistério (da Educação Infantil às
Séries Iniciais do então Ensino Primário, hoje Ensino Fundamental) por
profissionais, leigos garantindo formação mínima de acordo com a legislação
vigente, e oportunizando o estimulando aos profissionais egressos do Curso
Técnico de Magistério o prosseguimento de sua qualificação a partir do ingresso
na formação acadêmica de nível superior; 2)
Política, porque a implantação do SOME através dos Cursos Técnicos, em
especial o Magistério, que de imediato apresentava seus resultados através da
qualificação profissional tanto de quem estava empregado (professor leigo) e
geração de perspectiva de colocação profissional para aqueles que faziam mas
ainda não atuavam na área. O índice de aproveitamento dos egressos do SOME do
Curso de Magistério nos quadros funcionais das prefeituras é elevadíssimo, o
que para os gestores municipais era condição de presença influência e prestígio
perante seus munícipes. Até 2003, o SOME se fazia presente tanto nas áreas
urbanas (cidades) como as áreas rurais (vilas, assentamentos, distritos,
aldeias, quilombos, ribeirinhos, etc.) dos municípios.
À nível
de avanços para o corpo docente, no início dos anos 90, a Gratificação
percebida pelos professores, que tinha caráter de incentivo e não era
tributada, que até então era recebida em folha suplementar, passou a ser
incorporada no contracheque.
Com a LDB
de 1996, a qual preconizou mudanças do antigo Ensino de 2º Grau para o Ensino
Médio, tendo o epicentro a mudança do caráter profissionalizante para
propedêutico da formação de jovens e adultos, processos de formação que
coexistiram nos dez anos de implementação, determinou-se a extinção do Curso
Médio Normal (Magistério), em 2007, por 27 anos, o SOME assumiu o papel de
fundamental importância no processo de qualificação profissional dos
profissionais da educação e distorção série/idade junto em todas as regiões do
Estado.
Nesse
período, concomitante às implementações das novas Diretrizes Educacionais,
ocorreram e/ou houve tentativas de mudanças administrativas, tais como em 1997,
com o Projeto de Video-aulas, nos moldes do Telecurso 2000, intenção
governamental-empresarial imediatamente rejeitada e combatida por meio de
intensas mobilizações das comunidades em geral (alunos, professores, poderes
executivo e legislativo municipais, movimentos sociais, etc.) ocorridas de
forma simultânea, tanto na Capital paraense como nos diversos municípios onde o
SOME se fazia presente, resultando na retirada do projeto governamental e
renúncia de Secretários de Estado.
ANOS 2000, MUDANÇAS
ESTRUTURAIS, RETROCESSOS E RESISTÊNCIA...
No início
dos anos 2000, mais precisamente a partir de 2003, outra ação governamental, a
Nucleação, a qual foi implementada sob a justificativa de operacionalização do
Princípio da Descentralização Administrativa, dissimulando o real propósito que
foi desarticulação classista e política do coletivo dos professores do SOME,
que à época somavam cerca de 600 profissionais lotados no então Departamento de
Ensino de Médio/SOME, na SEDUC/Sede, forçando-os a escolher uma URE para fixar
sua lotação. O “pacote de mudanças”,
também passou pela extinção do Convênio de Cooperação Técnica entre o Estado e
Municípios, que originou o deslocamento das turmas do SOME das salas de aulas e
escolas para espaços improvisados e inadequados à pratica pedagógica. A partir
dessa ação desastrosa, a relação Estado-município (parceria), no que diz
respeito ao compromisso, de direito (celebrar o Convênio) e de fato (cumprir o
Convênio) com o SOME, com raras exceções nunca mais foram cumpridas. Vale
lembrar que até o ato de extinção, o ato de celebração do Convênio era de
grande interesse pelos gestores municipais, pois perante seu eleitorado
formalizava seu compromisso com os mesmos. E, para os professores, era a
garantia de segurança jurídica de sua estadia e permanência nas comunidades,
como o mínimo de condições dignas de trabalho (espaços pedagógicos) e moradia
(casa dos professores). Pedagogicamente, a mudança se deu através da ampliação
dos Circuitos/Módulos de 04 para 05 localidades e, consequentemente, a redução
do Módulo de Ensino de 50 para 40 dias letivos, dificultando mais ainda o
cumprimento da carga horária e conteúdos pelos professores e alunos.
Financeiramente, o ataque aos professores se deu através do escalonamento da
Gratificação SOME em 30%, 60% e 100%, de acordo com o deslocamento do
professor, cujas mudanças tiveram como principal propósito a redução salarial
dos profissionais que atuavam no SOME.
Por fim,
para que todos esses ataques fossem operacionalizados, substituiu-se toda a
Equipe Técnica-Administrativa do SOME, com amplo e profundo conhecimento não
somente dos procedimentos internos da SEDUC como, também, da diversidade das
realidades atendidas pelo SOME.
Tais mudanças,
por revelarem tamanha ignorância e incompetência técnica e política dos seus
idealizadores e executores, sob pressões, mobilizações e denúncias de
professores, alunos e comunidades, aos poucos, foram revogadas ou revidadas.
Entre os
anos de 2007 a 2010, com a reorganização dos professores do SOME, tanto à nível
de grupo específico (através da APSOME) como de categoria em geral (SINTEPP),
muitos dos ataques sofridos na primeira metade da década, foram revistos, como
a volta da Gratificação de 100% (embora não mais sobre o vencimento bruto, como
antes de 2003); a reinstituição do Convênio de Cooperação Técnica; a realização
de eventos que voltaram a dar voz aos agentes constituintes do SOME através da
realização de Fórum Estadual, Encontros Regionais, Planejamentos Pedagógicos
Locais; a criação das Coordenações do SOME/indígena, Educação do Campo e
Diversidade à nível de Estrutura de Estado; a redemocratização do processo de
lotação; a garantia de representante do SOME no processo de elaboração do PCCR,
que em seu Artigo 30, garantiu a posterior Lei Específica do SOME; a criação do
GT de Elaboração da Lei Específica do SOME, com participação de representantes
dos professores (O primeiro rascunho como proposta da Lei do SOME foi de
autoria dos Professores Fábio Pinto e Alessandro Barros, com a colaboração dos professores Cosmo Cabral, Bráulio Uchoa e Mateus Ferreira), da SEDUC, do SINTEPP,
etc. Mudanças essas conquistadas, como já dito, através da organização dos
professores e do restabelecimento diálogo direto e permanente entre os agentes
que compõem o SOME (professores, alunos, comunidades) garantidos, à nível de
Estado, nas pessoas dos nossos ex e eternos Coordenadores Gerais do SOME,
profa. Ester Silva de Oliveira (im memória) e Ribamar Oliveira.
De sua
criação em 1980 até 2014, portanto, em 34 anos de existência, considerando as
especificidades de Estrutura e Funcionamento do SOME, o mesmo, à nível de
entidade mantenedora, era regulamentado somente por Decretos Governamentais,
Portarias, Memorandos, o que resultava em instabilidade jurídica, tanto à nível
de gestão do seu funcionamento, como à nível de vida funcional dos
profissionais que atuam nesse regime de ensino, ficando passível da vontade
política da gestão do momento. Diante dessa instabilidade, a partir do
estabelecido no Art. 30, do PCCR, de 2010, em 2014 foi aprovada e sancionada a
Lei Específica do SOME de nº 7.806, que disciplina a estrutura e funcionamento
do SOME.
ATUALIDADE, MUDANÇAS DE PARADIGMAS E
A NECESSIDADE REAFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA DO SOME
Nos
últimos anos, está em curso o programa estadual de substituição do SOME (em
localidade onde o mesmo foi implantado) pelo Sistema Interativo de Ensino –
SEI pela SEDUC/PA. Trata-se, em linhas gerais, de uma forma “mais refinada
da intenção de 1997” anteriormente mencionada, de substituição do ensino
presencial, característico do SOME, pelo pseudo “ensino presencial com mediação
tecnológica”. De início, considerando o
desconhecimento das comunidades acerca da proposta o SEI, em algumas
comunidades a substituição do SOME pelo SEI foi concretizada. Todavia, na
medida que as comunidades passaram a melhor conhecer a essência (diretrizes) e
dinâmica (estruturas e funcionamento) da proposta do SEI, começaram a se
manifestar contrariamente à substituição ou à oferta de implantação do SEI como
única opção apresentada pela SEDUC/PA, optando-se pelo SOME, por entenderam que
o SEI desconsidera às especificidades
sociais, econômicas e culturais das comunidades e é, em suma, o Ensino à
Distância, já que a figura do professor embora seja transmitida em tempo real,
via recurso tecnológico, não se faz presente no mesmo espaço pedagógico e
ambiente social que os alunos estão inseridos.
O programa estadual de implantação do SEI em comunidades paraenses está
ocorrendo, sob concomitante judicialização via Ministérios e Defensorias
Públicas, estaduais e federais, originados por manifestações de contestações de
alunos, professores, comunidades, movimentos sociais, universidades, etc.
O mais recente desafio posto, a todo sistema de ensino e ao
SOME em particular, é o Novo Ensino Médio, que apesar de ter sua
aprovação à nível federal em 2017, sua implementação à nível de Sistema
Estadual de Ensino encontra-se bastante atrasado e, porque não dizer
atropelado, confuso... Mesmo considerando o fenômeno da Pandemia que há mais de
dois anos afeta o mundo e nosso país em particular, o processo de informação e
formação dos agentes que realmente tem a missão de colocar em práticas as novas
diretrizes (os professores) até então ofertados pela SEDUC tem se revelado
insuficiente e incapaz de ter propiciado aos professores condições para, de
fato, operacionalizar as mudanças preconizadas pela nova BNCC.
Somado aos desafios acima expostos, à
nível de atividades início (planejamento) e meio (execução) da gestão,
considerando o retorno das atividades fim (ensino, presencial), o que se
evidencia é que apesar de dois anos sem a dinâmica da rotina de professores e
alunos, com suas devidas exceções, tanto gestores municipais como a SEDUC,
revelam não ter se preparado (dado a devida atenção) para o reinício das aulas,
pois é generalizada a falta de estrutura tanto nas escolas (falta de salas de
aulas, de carteiras), logísticas (falta de transporte e merenda escolar) e de
acomodação dos professores (falta de casas, alugueis atrasados, corte de
fornecimento de energia), pois a maioria dessas demandas são de 18 de março de
2020 (e até antes), quando fora decretado a paralisação das aulas, devido a
Pandemia.
INCLUSÃO, EMANCIPAÇÃO E RESISTÊNCIA, A
ESSÊNCIA DO SOME
Há 42 anos o
SOME assume a estratégica missão de, através do processo educacional formal e
organização comunitária, promover a inclusão social assegurando aos sujeitos do
campo (ribeirinhos, assentados, quilombolas, indígenas) o direito público,
subjetivo e universal de acesso e permanência à escola. Dessa inclusão através
do acesso à educação formal projeta-se a perspectiva de emancipação social e
econômica. Da emancipação social e econômica implanta-se as bases para o
enfrentamento das desigualdades sociais. Do enfrentamento das desigualdades
sociais solidifica-se as bases do Estado Democrático de Direitos.
E é com base
no legado de resistência de 42 anos dessa práxis, inclusiva e emancipatória,
que o SOME figura como um dos pilares da educação pública paraense.
Os desafios
estão postos. E, hoje, 15 de abril de 2022, renova-se mais uma vez, o convite a
práxis da inclusão, emancipação e resistência...
Parabéns a
todos e todas que contribuíram e contribuem para com essa missão!
Parabéns a todos nós, corpo técnico, professores, alunos e comunidade que vivenciaram e vivenciam essa grandiosa experiência que é fazer parte do SOME.
ResponderExcluirParabéns aos autores do texto e Vida Longa a maior politica publica educacional de inclusão da Amazônia.
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